Opinião

A última palavra em um regime democrático

Autor

  • Arícia Fernandes Correia

    é procuradora do município do Rio de Janeiro professora da Uerj (Universo do Estado do Rio de Janeiro) pós-doutora em Direito pela Universidade de Paris 1 — Pantheón-Sorbonne — doutora em Direito Público pela Uerj mestre em Direito da Cidade pela Uerj e autora de publicações na área de Direito Urbanístico e Municipal.

18 de fevereiro de 2024, 15h20

A quem pertence a última palavra em um regime democrático ?

Em ditaduras, a primeira e a última pertencem ao ditador. Em democracias, deveria ser ao povo.

Mas quem exerce a soberania popular numa democracia?

Somente os representantes ungidos pelo voto popular (Legislativo, Executivo) ou também os órgãos aos quais tenha sido conferida legitimidade por vezes justamente para fazer frente à la volonté générale em prol dos direitos de minorias (Judiciário)?

A matéria não é nova e dela se originou uma expressão irônica por muitos atribuída a Rui Barbosa. Repetida em sua sabatina no Senado, o ministro Carlos Ayres Britto disse que o Supremo Tribunal Federal era aquele que tinha “o direito de errar por último”.

Mas quem numa democracia teria o monopólio — e por que não dizer, o arbítrio — da última palavra?

As cartas do jogo democrático parecem comportar blefes, mas não royals street flashes: the game is never over, porque as instituições democráticas representativas de maiorias ou defensoras de minorias — e a última ratio de suas existências, as liberdades — devem estar continuamente em ação.

Defende-se a permanência das rodadas democráticas, de modo que uma nova composição da realidade social possa suscitar uma nova “cartada” da democracia.

Para Rodrigo Brandão, em matéria de controle de constitucionalidade da ordem jurídica, à supremacia judicial deveria se sobrepor o diálogo institucional.

Em artigo da Revista Carioca de Direito da Procuradoria Geral do Município do Rio de Janeiro, volume 3, nº 1, em uma homenagem às bodas de coral da Constituição de 5/10/1988, cita-se a “superação legislativa” como um dos novos vieses da separação dos poderes no constitucionalismo brasileiro, junto com outros mecanismos de legitimação democrática de um debate mais plural, “aberto aos demais intérpretes da Constituição” (Herman Hesse).

Waldemir Barreto/Agência Senado

Humilde e magnanimamente, o STF inclusive reconhecera o fenômeno da superação legislativa. É do ministro Luiz Fux a relatoria da ADI  5105, em que se refere à “reversão jurisprudencial” e à possibilidade de “correção jurisprudencial” da decisão da corte pela ação do legislador.

Semiparlamentarismo
Em tempos de um “semiparlamentarismo à brasileira”, todavia, coube ao Legislativo investir-se daquele poder autoritário dos que, com poucos argumentos para manter uma boa prosa ou contenda, preferem dar a última palavra. E sair de cena…

Não bastava então contrariar a jurisprudência do STF. Era preciso colocar um ponto final na discussão!

“Levado ao limite, em cenário de discordância republicana entre poderes acerca de determinado conteúdo normativo, a última palavra em um regime democrático, sempre deve ser do Poder Legislativo, verdadeira casa da democracia.”

Essa é a fala do presidente do Congresso, quando da derrubada de vetos à lei do marco temporal, discutida e votada no Parlamento após a decisão do STF por sua inconstitucionalidade.

A quem caberia a última palavra da democracia brasileira ?

Fico com a resposta de Ran Hirschl: “o poder, como última palavra, não o detém nenhuma instituição em uma democracia constitucional”.

A democracia sempre acaba — ou recomeça… — numa boa conversa.

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