Opinião

Prioridades da supervisão da CVM para os próximos dois anos

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15 de fevereiro de 2024, 18h14

No final de 2023, a Comissão de Valores Mobiliários divulgou a revisão de seu plano bienal de supervisão baseada em risco para o próximo biênio. Nesse plano, a CVM traz os riscos considerados como prioritários em sua supervisão do mercado de capitais, servindo de um bom parâmetro para os participantes do mercado sobre onde estará o foco de atuação da autarquia.

O plano bienal aborda riscos gerais, subdivididos em riscos específicos. Entre os riscos gerais estão temas como transação com partes relacionadas, prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo, perda de controle de informações relevantes, falhas de gestão de risco de liquidez e alavancagem em fundos de investimento.

Na revisão do plano, alguns temas deixaram de ser de supervisão prioritária, entre eles as regras de suitability, testes de impairment, avaliação de ativos e riscos de irregularidades e vícios na condução de ofertas públicas de distribuição via crowdfunding.

Logicamente, isso não significa que a CVM deixará de supervisionar esses temas, mas que eles não serão o foco principal da autarquia, baseado em uma análise de uso eficiente dos recursos e exposição de riscos.

Como novidade no plano, além da reclassificação de riscos anteriormente previstos, foram incluídos na agenda da CVM novos riscos específicos referentes à atividade de distribuição de valores mobiliários e áreas de supervisão temática relativas a influenciadores digitais, governança ESG/ASG, ofertas de security tokens e novas regras de coordenadores de ofertas públicas. Passaremos a tratar dessas novidades que serão priorizadas no próximo biênio.

Novos riscos prioritários: distribuição de valores mobiliários
Nos novos riscos referente as atividades de distribuição de valores mobiliários, a CVM divide o risco geral em dois grupos de riscos específicos.

O primeiro risco diz respeito à atuação de assessores e agentes autônomos de investimento nas operações de distribuição.

Divulgação

Nesse caso, além da atuação em casos específicos, a CVM realizará anualmente, ao menos, duas inspeções quanto à atuação regular dos agentes regulados e quatro ações de supervisão para identificar possíveis infrações à legislação ou irregularidades normativas de materiais divulgados pelos agentes regulados em sites da internet ou rede sociais.

O segundo risco está relacionado à possível deficiência na atuação da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima) nas atividades de autorregulação compartilhadas com a CVM.

Nesse sentido, a autarquia supervisionará, por meio de uma ferramenta automatizada, os fundos de investimentos quanto à publicidade e à conformidade de suas captações junto ao público de varejo e regimes próprios de previdência social (RPPS).

A supervisão se dará por meio de uma análise abrangente de todas as publicações nas redes sociais relacionadas aos fundos, incluindo posts, comentários, notícias e propagandas, visando assegurar sua conformidade com as normas estabelecidas.

Adicionalmente, uma ferramenta automatizada será utilizada mensalmente para identificar os fundos destinados ao varejo ou ao público dos RPPS que tenham alcançado captação positiva no mês de referência e será realizada uma verificação, por amostragem, para garantir que o público-alvo esteja em conformidade com as regras do segmento.

Supervisão temática
Como mencionado, o plano bienal trouxe como novidade áreas de supervisão temáticas, que refletem o reconhecimento da CVM na necessidade de antecipação e gestão proativa diante das mudanças e desafios que podem impactar o mercado de valores mobiliários.

Influenciadores digitais
O primeiro novo tema de supervisão está relacionado aos influenciadores digitais com impacto no mercado de capitais.

A CVM passou a adotar a fase inicial de um processo de supervisão que visa a analisar e monitorar, por meio de ferramentas de inteligência artificial, a atuação de influenciadores digitais que focam seu conteúdo no mercado financeiro e de capitais.

Com o aumento do ingresso de pessoas físicas na Bolsa e o crescimento exponencial do uso das redes sociais por investidores individuais, cumulado com a atuação de influenciadores digitais, a CVM busca entender a capacidade de influência desses agentes na decisão de investimentos, o impacto das recomendações nos mercados, assim como irregularidades de atuação, como a eventual classificação como agentes autônomos ou assessores de investimento.

A implementação dessa fase inicial pretende proporcionar uma base sólida para aprimorar a supervisão nos próximos anos.

Governança em ações ESG/ASG no mercado de valores mobiliários
Nos últimos dois anos, a CVM publicou novas resoluções que ampliaram o escopo regulatório quanto aos critérios ambientais, sociais e de governança (ESG/ASG) nas prestações de informações periódicas e financeiras.

De acordo com essa regulamentação, as companhias abertas passaram a ter que apresentar informações sobre ESG no formulário de referência e os players do mercado foram incentivados, de forma voluntária, a divulgar relatórios financeiros elaborados em conformidade com as normas do International Sustainability Standards Board (ISSB).

Para o próximo biênio, a CVM identificou a necessidade da condução de uma análise aprofundada sobre o cumprimento e a divulgação das determinações ESG, recentemente aprovadas.

Essa avaliação não se limita meramente a ajustar, quando necessário, o alinhamento das práticas de mercado, mas visa também a compreender o impacto dessas divulgações nas decisões de investimento.

Com isso, a CVM pretende exercer um papel ativo na promoção e consolidação de práticas ESG no cenário nacional e internacional, inclusive participando ativamente de fóruns, tanto no âmbito nacional quanto internacional, com o propósito de estabelecer no Brasil os padrões internacionais de governança sustentável.

Ofertas não registradas de security tokens
O crescimento exponencial das ofertas de tokenização acarreta a preocupação da CVM com ofertas não registradas distribuídas por grandes corretoras de criptoativos.

Diante da convergência com algumas dessas ofertas com os contratos de investimento coletivo (CIC), especialmente quando os tokens oferecem rendimentos mensais fixos, e com valores mobiliários, ao oferecerem remuneração fixa ou variável, a CVM apontou a necessidade de uma análise aprofundada e do mapeamento das ofertas de tokens em curso nas principais exchanges — corretoras — de criptoativos.

Nesse sentido, a autarquia se compromete a realizar, nos próximos dois anos, o mapeamento das ofertas de tokens, visando à adequada categorização e classificação dessas ofertas. O objetivo primordial é assegurar que as ofertas estejam devidamente enquadradas, identificando possíveis irregularidades em ofertas que careçam de registros adequados.

Registro de coordenadores de ofertas públicas
A inauguração da regulação das atividades dos coordenadores de ofertas públicas no mercado de valores mobiliários, trazida pela Resolução CVM n°161/2022, acarretou na necessidade de supervisão sobre o cumprimento dos requisitos da nova norma.

Diante dessa novidade regulatória, a CVM monitorará o comportamento dos agentes do mercado em relação ao cumprimento das regras. A supervisão será feita em conjunto com a Anbima, conforme previsto no acordo de cooperação técnica firmado entre as entidades, visando não apenas ao atual estado da atuação dos coordenadores de oferta, mas também aos próximos anos, em função da novidade do tema.

O plano bienal de supervisão baseada em risco, além de ser uma importante ferramenta regulatória para permitir a eficiência da atuação da CVM, fornece aos participantes do mercado um mapa do foco da atuação da autarquia para os próximos anos, permitindo que eles se antecipem e adotem medidas preventivas em relação às principais áreas de supervisão.

Na mais recente revisão do plano pela CVM, nota-se, pelos novos temas tratados, o foco contínuo nas atividades relacionadas à distribuição de valores mobiliários, que é sempre um tema caro à autarquia, e uma preocupação mais ampla com áreas que vem ganhando mais relevância nos últimos anos, como é o caso dos influenciadores digitais no mercado de capitais, a agenda ESG, que é um tema de importância global, e a tokenização de valores mobiliários ou criptoativos, com seus desafios do correto enquadramento normativo.

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