Opinião

A ascensão dos finfluencers como novos atores no mercado de capitais

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28 de janeiro de 2024, 13h14

O ano de 2023 foi marcado por um crescimento do mercado de capitais brasileiro. Chegou-se à marca dos R$ 5,5 trilhões em volume de investimentos realizados por 18 milhões de pessoas físicas — na faixa etária dominante entre 25 e 39 anos[1] —, que povoam um mercado cada vez mais democrático e pulsante.

Não há dúvida dos benefícios deste crescimento; porém, estes números conduzem ao questionamento sobre o papel da transparência e processamento das informações para investimento, principalmente quando pesquisa recente da B3 [2] mostrou que cerca de 75% das pessoas iniciaram suas aplicações com base unicamente em informações de canais de influenciadores no YouTube.

Os chamados “finfluencers oferecem informações no YouTube, Instagram, Facebook, TikTok, Twitter, Spotify e newsletters sobre como tomar decisões no mercado. Os serviços vão desde treinamentos, cursos e até assinaturas de comunidades online restrita.

Embora saudáveis e robustas, as discussões entre os investidores podem potencialmente aumentar a volatilidade do mercado, promover especulação excessiva e levar a aportes que não são baseados em fundamentos reais; devendo se ter atenção aos autoproclamados “gurus do investimento”, os quais, por vezes, dão conselhos questionáveis.

O poder dos feeds
Na lógica da confiança nos mercados, o papel das redes sociais [3] é teoricamente ambíguo — legítimo x fraudulento —, tendo a literatura financeira dos últimos anos apontando que informações como opiniões encontradas em feeds do (antigo) Twitter — rede mais consultada para obter dicas de investimento —, fóruns no Facebook [4], humores político-coletivos e emoções são mais capazes de impulsionar os investimentos do que informações sobre fundamentos relevantes da empresa.

Para os economistas, este sentimento de pertencimento virtual pode levar a problemas associados a transações irracionais, com aportes na heurística de confirmação [5]. E isto é evidenciado no resultado do estudo do mercado europeu formulado pela Financial Conduct Authority (FCA), no qual conclui-se que 38% dos investidores inquiridos não conseguiram enumerar uma única razão para investir nos seus três principais investimentos, indicando que confiavam em sentimentos coletivos e instinto [6].

CVM aponta falta de transparência
Essa preocupação foi incluída na agenda regulatória do triênio da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), sendo publicado estudo[7] sobre influenciadores digitais e o mercado de capitais, buscando investigar a possível regulamentação da relação comercial entre os influenciadores e participantes do mercado.

O maior problema, segundo a CVM, é a falta de transparência no relacionamento entre os influenciadores digitais e os participantes do mercado. A Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) apontou[8] que as parcerias entre influencers e as instituições dos mercados (corretoras, bancos, casas de análise) funcionam como um ganha-ganha, identificando 364 parcerias ao longo do período de monitoramento. Entre os 515 influencers da amostra, 249 tinham algum tipo de relação com players do mercado, contudo, são raras as vezes que as relações comerciais entre aqueles são divulgadas claramente.

Manual de conduta
Estes dados foram decisivos para a Anbima criar [9] o regramento nº 10, de 13/10/2023 [10], responsável por formular regra expressa sobre a obrigatoriedade de os finfluencers deixarem claro quando a dica de investimento se trata de publicidade de algum produto financeiro, também tornando obrigação o ato de o influenciador digital exercer as ações de publicidade com boa-fé, transparência e diligência, empregando o cuidado que toda pessoa prudente e diligente costuma dispensar à administração de seus próprios negócios.

A pauta, também discutida pela International Organization of Securities Commissions, aponta três questões: o papel das “celebridades” em influenciar a tomada de decisões de investimentos, mesmo sendo agentes não licenciados; indivíduos localmente famosos falando sobre investimentos “bem-sucedidos” ou com “dicas quentes” com o objetivo de persuadir os investidores; e indivíduos que podem tirar proveito do anonimato nos canais de mídia social para divulgar informações falsas ou enganosas.

Alerta ativado
Casos recentes como o GameStop [11], IRB [12] e os golpes de investimento em “cripto”[13] ativaram o alerta de como o mundo virtual tem o poder de influenciar no regular funcionamento do mercado, o que, por vezes, é eivado de intenções espúrias, podendo caracterizar ilícitos administrativos e penais. A BSM já recebeu denúncias envolvendo opiniões expressas nas mídias sociais: indicações indevidas de investimentos; informações falsas; e atuação irregular de influenciadores contratados ou mandatados pelos participantes dos mercados da B3.

Na regulamentação ora vigente no país, a despeito dos influenciadores digitais não serem regulamentados, utilizar as redes sociais — ainda que em caráter não profissional — pode constituir infração administrativa prevista na ICVM 8/79 e sujeita às sanções penais previstas no artigo 27-C da Lei nº 6.385/76, caso tenha por objetivo criar condições artificiais de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários, viabilizar práticas não equitativas, realizar operações fraudulentas ou manipular preços, para auferir vantagem para si ou para terceiros. E é neste tópico que devemos voltar nossa atenção.

Manipulação é qualquer interferência no mercado por meio de mecanismo que impeça a determinação de um preço justo, bem como qualquer fator que possa afetar o preço das ações artificialmente. É comportamento intencional e pré-planejado para controlar ou influenciar artificialmente o mercado de títulos com o intuito de enganar os investidores[14].

Enquanto no insider trading “omite-se um dado real”, a manipulação do mercado consiste na inserção de “elemento falso no processo de formação dos preços dos valores mobiliários”, tendo a execução de manobras fraudulentas o potencial de “desviar a função que o mercado deve desempenhar”, vinculando-se o termo “fraudulenta” à capacidade de induzir terceiros a erro[15].

No Brasil, da leitura do tipo penal do artigo 27-C da Lei nº 6.385/1976, extrai-se que “elevar, manter ou baixar a cotação, o preço ou o volume negociado de um valor mobiliário” são características definidoras do potencial lesivo daquelas condutas, isto é, da sua idoneidade em produzir o resultado que a incriminação pretende evitar — resultado que não é imprescindível à caracterização do ilícito.

Visão da doutrina
Ao mencionar as formas de manipulação de mercado, a doutrina [16] indica primeiramente a manipulação baseada em informações (information-based), a que ocorre pela disseminação de falsas informações ou rumores sobre uma companhia, para depreciar ou inflar a cotação de um valor mobiliário e lucrar com esse movimento.

O “wash trade”, por sua vez, é a realização de transações fictícias. Nesta modalidade, o manipulador se encontra, direta ou indiretamente, nas duas pontas da transação. Por se tratar de operação simulada, o operador não se encontra em verdadeiro risco de mercado e a operação tem apenas a finalidade de dar aparência de liquidez ou elevar ou diminuir artificialmente o valor de um ativo[17].

Um terceiro tipo de manipulação é “pump and dump” e envolve a inflação artificial (pump) do preço de um título por meio de declarações falsas, enganosas ou exageradas sobre o preço do título. O fraudador pode lucrar com a inflação de preços vendendo rapidamente os títulos a um preço alto (dump). Ao mesmo tempo, o novo proprietário das ações provavelmente perderá uma parte substancial de seu capital porque o preço do título cairá rapidamente.

Um dos exemplos mais recentes envolve uma acusação movida nos Estados Unidos pela SEC[18] contra oito influenciadores digitais em um esquema de fraude calculado em US$ 100 milhões. Eles teriam usado as plataformas de mídia social para manipular ações negociadas na bolsa norte-americana, por meio da construção da imagem como traders bem-sucedidos, conquistando milhares de seguidores no Twitter e em salas de bate-papo focadas na negociação de ações criadas no Discord.

Assim, os manipuladores teriam supostamente comprado determinadas ações e, em seguida, incentivado seus seguidores a também adquirir os mesmos títulos mobiliários. Contudo, de acordo com a denúncia, quando os preços dos títulos promovidos e/ou volumes de negociação inflavam, os influenciadores vendiam regularmente os papéis sem nunca terem mencionado seus planos de se desfazer desses enquanto os promoviam.

Consequências da manipulação
As práticas manipulativas levam a uma alocação ineficiente de recursos e distorcem o mecanismo de fixação de preços de instrumentos financeiros, corroendo a confiança nos mercados de valores mobiliários.

Os preços dos valores mobiliários no mercado — ou sua cotação — devem ser formulados pelo livre jogo da oferta e procura, refletindo todas as informações disponíveis sobre tais ativos, sobre as companhias emissoras, incluindo-se a total transparência ao relacionamento possivelmente existente entre influenciadores digitais (não regulados) e os participantes do mercado de valores mobiliários regulados pela CVM.

Ao reprimir as manobras potencialmente artificiosas que alteram o jogo normal da oferta e da procura, a lei penal tutela o mecanismo da formação dos preços no mercado de títulos de interferências indevidas, inclusive dos finfluencers. Embora esse fenômeno ofereça oportunidades, é fundamental equilibrar a liberdade de expressão com a proteção dos investidores e a integridade do mercado.

Neste contexto, propõem-se as seguintes recomendações com o intuito de prevenir o mercado de possíveis atos manipuladores, fruto da atuação dos influenciadores:

  • Transparência Total: Os influenciadores devem divulgar claramente se estão atuando no mercado em determinada direção, seja comprando ou vendendo ativos relacionados às suas recomendações.
  • Aviso de Não Recomendação: Influenciadores devem deixar claro que suas opiniões e análises não constituem uma recomendação de investimento. Os investidores devem ser incentivados a conduzir sua própria pesquisa e buscar orientação profissional antes de tomar decisões financeiras.
  • Período de Lock-Up: Para evitar qualquer possibilidade de conflito de interesses, os influenciadores devem ser proibidos de realizar operações por conta própria ou por pessoas vinculadas com relação aos ativos sobre os quais emitiram opiniões durante um período de lock-up mínimo, por exemplo, 30 dias após a divulgação das análises.
  • Monitoramento Eficiente: As autoridades reguladoras devem continuamente investir em tecnologia e recursos, para monitoramento eficaz das atividades de influenciadores financeiros e identificar comportamentos suspeitos.
  • Educação Continuada: Os influenciadores devem ser incentivados a buscar educação contínua sobre os princípios éticos e regulatórios do mercado de capitais.

Conclusão
Em resumo, as recomendações apresentadas visam a promover transparência, evitar conflitos de interesse e proteger os investidores, enquanto ainda permitem que influenciadores desempenhem um papel construtivo no mercado financeiro.

A colaboração entre influenciadores, instituições financeiras e autoridades reguladoras é essencial para alcançar esses objetivos e garantir um mercado equitativo e confiável a todos os participantes.


[1] https://www.b3.com.br/pt_br/market-data-e-indices/servicos-de-dados/market-data/consultas/mercado-a-vista/perfil-pessoas-fisicas/perfil-pessoa-fisica/

[2] A Descoberta da Bolsa pelo Investidor Brasileiro –https://www.b3.com.br/data/files/DE/47/57/09/B3866710D32004679C094EA8/Pesquisa%20 PF_Apresentacao_final_11_12_20_.pdf

[3] Para além dos mercados, o ano de 2023 foi um ano de intensa discussão sobre a abrangência da influência que estes atores exercem sobre os seus seguidores, os quais se tornam, por vezes, consumidores dos produtos indicados. Com possíveis reflexos criminais, o último exemplo foi o caso BLAZE, plataforma de jogos de azar suspeita de aplicar supostos golpes em seus usuários.

[4] O artigo de Karabulut, ao aplicar o índice de Felicidade Nacional Bruta (FGNHI) do Facebook como uma medida direta indicadora do sentimento do investidor e seu resultado nas aplicações do dia, mostra a capacidade do FGNHI de prever mudanças no mercado agregado dos EUA, em uma forma de previsão externa do indíce de volatilidade mercantil. Cf KARABULUT, Yigitcan. Can facebook predict stock market activity?. In: AFA 2013 San Diego meetings paper. 2013.

[5] COMET, Catherine. Anatomy of a fraud: Trust and social networks. Bulletin of Sociological Methodology/Bulletin de Méthodologie Sociologique, v. 110, n. 1, p. 45-57, 2011.

[6] FCA warns that younger investors are taking on big financial risks. https://www.fca.org.uk/news/press-releases/fca-warns-younger-investors-are-taking-big-financial-risks

[7]https://www.gov.br/cvm/pt-br/assuntos/noticias/cvm-divulga-estudo-sobre-possivel-regulamentacao-envolvendo-influenciadores-digitais-e-o-mercado-de-capitais>

[8]https://www.anbima.com.br/data/files/B6/66/20/C1/7D69B810E50986B8B82BA2A8/Relatorio-FInFluence-5ed.pdf

[9] Bastante inspirado na carta direcionada ao mercado, em setembro de 2021, publicada pela Financial Industry Regulatory Authority,<https://www.finra.org/rules-guidance/guidance/targeted-examination-letters/social-media-influencers-customer-acquisition-related-information-protection>

[10]www.anbima.com.br/data/files/29/47/49/82/CDE8A810B1E0B8A8B82BA2A8/1.%20RP%20Influenciador%20digital_13.09.23.pdf

[11] “GameStop, short squeeze e Reddit: tudo o que você precisa saber” https://einvestidor.estadao.com.br/videos/gamestop-short-squeeze-e- -reddit-tudo-o-que-voce-precisa-saber/

[12] CVM alerta: possível atuação irregular de pessoas em mídias sociais, com vistas a influenciar o comportamento de investidores. https://www.gov.br/cvm/pt-br/assuntos/noticias/cvm-alerta-possivel-atuacao-irregular-de-pessoas-em-midias-sociais-com-vistas-a-influenciar-o-comportamento-de-investidores.

[13] Golpes com criptomoedas causam perda de R$ 40 bi a 4 milhões de brasileiros em 5 anos; quem ainda cai?. Infomoney [on-line].:<https://www.infomoney.com.br/onde-investir/golpes-com-criptomoedas-causam-perda-de-r-40-bi-a-4-milhoes-de-brasileiros-em-5-anos-quem-ainda-cai/#:~:text=As%20pirâmides%20(de%20cripto%20e,primeiros%20três%20trimestres%20de%202022>

[14] MOAZENI, Bahram; ASADOLLAHI, Faride. Manipulation of stock price and its consequences. European Online Journal of Natural and Social Sciences: Proceedings, v. 2, n. 3 (s), p. pp. 430-433, 2013.

[15] CAVALI, Marcelo Costenaro. Manipulação do mercado de capitais: fundamentos e limites da repressão penal e administrativa. São Paulo: Quartier Latin, 2018.

[16] ALLEN, Franklin; GALE, Douglas. Stock-price manipulation. The review of financial studies. Oxford: Oxford University Press, v. 5, i. 3. 1992. pp. 503-507.

[17] CAVALI, Marcelo Costenaro. Op. Cit.

[18] https://www.sec.gov/oiea/investor-alerts-and-bulletins/social-media-and-investment-fraud-investor-alert

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