Opinião

Mudança em mercado de valores mobiliários gera debates

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12 de fevereiro de 2024, 13h16

Em junho de 2023, foi apresentado ao Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 2.925/23, que pretende alterar as Leis nº 6.385/76 (Lei de Valores Mobiliários) e nº 6.404/76 (Lei das S.A.), com o objetivo, segundo a ementa, de “dispor sobre a transparência em processos arbitrais e o sistema de tutela privada de direitos de investidores do mercado de valores mobiliários”. Mesmo antes de ter sido aprovado, o PL já vem gerando uma série de debates.

O PL pretende tratar de questões apontadas em estudos realizados pela CVM em colaboração com a OCDE [1] e, nos termos atuais, promete alterar o atual regime de private enforcement. Trata-se de assunto de grande relevância, na medida em que “a tutela privada dos interesses pode ser tão ou mais eficiente do que a regulação estatal — ou a ela complementar” [2].

Incentivos à litigância
No caso das ações de responsabilidade previstas atualmente, contra administradores (artigo 159, da LSA) ou controladores (artigo 246, da LSA), a lei societária confere legitimidade extraordinária para os acionistas minoritários desde que representem ao menos 5% do capital social ou, nas ações contra controladores, que prestem caução.

O PL, por sua vez, traz novos incentivos à litigância. Isso porque as ações de responsabilidade passariam a poder ser propostas por acionistas que representassem 2,5% do capital social ou valor igual ou superior a R$ 50 milhões, atualizados anualmente pelo IPCA, no caso das companhias abertas (redação do PL para os artigos 159, § 4º e 246, §1º, da LSA) — contra, portanto, os atuais 5%.

Além disso, o autor responsável receberia um prêmio de 20% sobre o valor da condenação, deduzidos os honorários sucumbenciais (proposta do PL para os artigos 159, §5º-A e 246, §2º, da LSA), inclusive em caso de transação bem-sucedida (redação proposta para os artigos 159, §5º-C e 246, §2-Bº, da LSA). A previsão, inédita no caso das ações contra o administrador [3], tem por pretenso objetivo proteger os direitos dos investidores e, consequentemente, os investimentos nas companhias brasileiras.

Divisão do prêmio e desconto dos honorários de sucumbência
O PL também propõe a divisão do prêmio, caso haja litisconsórcio ativo, conforme a “contribuição para o resultado do processo” (redação do PL para os artigos 159, §5º-B e 246, §2º-A, da LSA). Considerando, porém, a complexidade das disputas societárias, talvez andasse bem o PL se, desde logo, fixasse parâmetros objetivos para aferição do esforço de cada autor para fins de repartição do prêmio pelo juiz.

Outra crítica feita à redação proposta diz com a imprecisão ao determinar o desconto dos honorários de sucumbência. Isso porque não se esclarece qual a repartição a ser realizada entre o acionista e seu advogado da bonificação a ser paga pelo controlador ou administrador, especialmente se se considerar que os valores das verbas sucumbenciais podem atingir 20% do valor da condenação (artigo 85, §2º, do CPC). Esse tipo se situação poderá reduzir o prêmio do autor vencedor, bem como gerar desconforto entre ele e seu advogado [4].

No mais, inspirada pelo modelo das ações coletivas norte-americanas, conhecidas como class actions, bem como nas ações coletivas do CDC que tutelam direitos individuais homogêneos, a ação societária passaria a adotar a regra do opt out na tutela coletiva [5]. Assim, definida a classe de investidores, aqueles que não se manifestarem de forma expressa permaneceriam como parte do processo. A decisão final, genérica, produziria coisa julgada para todos os membros da classe e determinaria parâmetros claros e precisos para posterior liquidação individual (proposta para o artigo 27-H, §11, I, da Lei nº 6.385/76). O PL, contudo, permite que interessados, que não tenham intervindo na ação coletiva, proponham ações individuais (redação do PL para o artigo 27-H, §8º, da Lei nº 6.385/76), a quem a sentença coletiva não fará coisa julgada (redação do PL para o artigo 27-H, §11, II, da Lei nº 6.385/76).

Arbitragem
O PL também contempla a possibilidade de solução por via arbitral. Porém, por mais que preveja a publicidade dos precedentes e dos processos (redação do PL para o artigo 109, §§4º e 5º, da LSA), e a possibilidade de disposição da CVM sobre requisitos adicionais (proposta para o artigo 109, §6º, da LSA), “Exigir das instituições arbitrais previsões claras sobre reunião de processos sem dúvida é medida salutar porque é sabido que, na ausência de aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, a falta de clareza de regulamentos pode propiciar decisões conflitantes, o que não é desejável na esfera transindividual em que a uniformidade é altamente esperada”6.

Conclusão
As mudanças propostas atraem olhares apreensivos ao PL, já que a legislação, em regra e salvo melhor juízo, parece funcionar bem. Há aqueles que, entretanto, veem a possível nova lei como uma boa ferramenta para conferir maior efetividade ao sistema de enforcement privado. Qualquer seja a opinião do leitor, o momento parece propício aos debates na busca pelo melhor para o sistema de tutela privada dos interesses.


1 Disponível em: https://web-archive.oecd.org/2022-03-25/570298-Shareholder-Rights-Brazil.pdf.

“Cf. EIZIRIK, Nelson. “PL 2925 merece uma audiência pública para repensá-lo”, disponível em: https://capitalaberto.com.br/temas/legislacao-e-regulamentacao/pl-2925-merece-uma-audiencia-publica-para-repensa-lo/, publicado 24.8.2023, acesso em 5.2.2024.

3 A legislação atual prevê, no caso das ações de responsabilidade contra o acionista controlador, o pagamento dos honorários advocatícios de 20% e de um bônus de 5%ao autor da ação, ambos calculados sobre o valor da condenação, além do reembolso de custas (art. 246, §2º, da LSA), enquanto, nas ações contra o administrador, há apenas previsão de indenização pelas despesas (art. 159, §5º, da LSA).

4 Como bem observado por Aline Dias e Mateus Assis, em “O PL 2.925/23 e a divisão do ‘prêmio’ entre o acionista e seu advogado”, disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/395630/o-pl-2-925-23-e-a-divisao-do-premio-entre-o-acionista-e-seu-advogado, publicado em 19.10.203, acesso em 5.2.2024.

5 Mais considerações sobre a ação coletiva societária podem ser encontradas em PARENTE, Arthur. “No PL das ações coletivas societárias, a melhor novidade é o que não está lá”, disponível em: https://pipelinevalor.globo.com/mercado/noticia/opiniao-no-pl-das-acoes-coletivas-societarias-a-melhor-novidade-e-o-que-nao-esta-la.ghtml, publicado em 16.7.203, acesso em 5.2.2024.

6 Cf. YARSHELL, Flávio Luiz; RODRIGUES, Viviane Siqueira. “Um novo capítulo da arbitragem societária coletiva: o PL 2925/2023”, disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/um-novo-capitulo-da-arbitragem-societaria-coletiva-o-pl-2925-2023-17102023, publicado em 11.10.2023, acesso em 5.2.2024.

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