Opinião

Polêmica sobre intermediárias do salário-maternidade e necessária responsabilização digital

Autor

28 de abril de 2024, 15h35

Nos últimos dias, influenciadores digitais — alguns deles com milhões de seguidores — divulgaram em suas redes sociais o serviço de empresas privadas que trabalham como intermediárias na solicitação de benefícios previdenciários, em especial, do salário-maternidade.

Marcello Casal Jr./Agência Brasil
Ocorre que o salário-maternidade é um benefício concedido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) com base em solicitação simples que pode ser (e normalmente é) feita diretamente pela pessoa interessada por meio dos canais oficiais (site [1], aplicativo Meu INSS e central telefônica 135) ou, ainda, com o apoio do Centro de Referência da Assistência Social da cidade em que reside a segurada.

Quando se diz que é uma solicitação bastante simples, é porque as plataformas previdenciárias são propositalmente desenhadas para garantir o mais fácil entendimento por quem as acessa, além de contarem com manuais de passo-a-passo que norteiam esse pedido de maneira didática e eficiente.

E, como se não bastasse, a solicitação não demanda sequer a reunião de uma extensa quantidade de informações e documentos por parte da pessoa interessada. No caso do salário-maternidade urbano, o requerimento depende unicamente do número da certidão de nascimento ou do termo de adoção da criança.

Contratação de assessoria é exceção

Estamos falando, portanto, de um sistema que faz parte de um conjunto integrado de ações do poder público brasileiro com o objetivo de garantir a proteção social plena da população sem a necessidade da contratação de serviços particulares, em atenção ao artigo 194 da Constituição. Ou seja, a regra é o requerimento direto, de maneira que a contratação de assessoria ou pessoa advogada de confiança é exceção voltada aos casos de injusta negativa do benefício.

A polêmica nas redes sociais, direcionada aos influenciadores que divulgaram o serviço de intermediação, tem como fundamento a inexatidão da informação veiculada em algumas dessas publicidades digitais, que dariam a entender que o benefício só poderia ser usufruído por quem contratasse as empresas divulgadas.

E, embora o marketing de influência digital não conte com regulamentação específica, o oferecimento de serviços ao público em geral encontra embasamento no Código de Defesa do Consumidor, que garante os direitos básicos de informação clara e precisa sobre aquilo que é oferecido e de proteção contra publicidade enganosa ou abusiva (conforme o artigo 6º, incisos III e IV).

Spacca

Em um país vasto e carente como o nosso, é um desserviço que se divulguem estratégias comerciais predatórias que não fortaleçam a autonomia das pessoas em exercer seus direitos diretamente. A situação fica ainda mais grave por se tratar do salário-maternidade, benefício social destinado ao amparo de mulheres e suas famílias durante um período de enorme vulnerabilidade financeira e emocional, como o pós-parto ou o pós-adoção.

Tarefa é vigiar a prática

Como consequência, o INSS solicitou providências institucionais para que haja a investigação sobre as tais assessorias divulgadas [2]. Há uma preocupação, além da possível abusividade mencionada, sobre como são tratados os dados de clientes coletados para amparar a solicitação dos benefícios.

Esse questionamento não é leviano, uma vez que, ao se consultar o endereço eletrônico de uma das empresas divulgadas, não há qualquer menção sobre número de CNPJ, sede ou profissional responsável pela condução do empreendimento. De que tipo de profissional estamos falando, afinal?

Além disso, considerando-se que as assessorias puderam dispor de meios significativos para financiar publicidade com influenciadores digitais de grande porte, é razoável indagar, ainda, a fonte do faturamento que sustentou essa ação.

Trata-se de meios obtidos simplesmente em contrapartida pelo (muitas vezes desnecessário) serviço de intermediação ou haveria ainda alguma outra receita, tal qual o compartilhamento de informações dos clientes com outras empresas? Estariam essas empresas cumprindo fielmente a Lei Geral de Proteção de Dados [3] brasileira?

São essas as perguntas que devem nortear a investigação a ser agora empreendida pelas autoridades. De nossa parte, a tarefa é vigiar e não tolerar, enquanto opinião pública, outras campanhas com potencial danoso.

 


[1] https://www.gov.br/inss/pt-br. Acesso em 22.abr.2024.

[2] Conforme matéria veiculada no jornal O Globo, disponível em https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2024/04/15/inss-aciona-agu-apos-posts-de-influenciadores-digitais-sobre-salario-maternidade.ghtml. Acesso em 22.abr.2024

[3] Trata-se da Lei n. 13.709/08.

Autores

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!