Opinião

Análise econômica do contrato e o direito brasileiro

Autor

  • Paulo Lôbo

    é advogado doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP) professor emérito da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e ex-conselheiro do CNJ.

25 de abril de 2024, 6h41

Tendo por fundamento a concepção inteiramente liberal da economia de mercado, desenvolveu-se nos Estados Unidos corrente teórica denominada “análise econômica do direito”. Inicialmente voltada à experiência de common law, difundiu-se em alguns centros da Europa, com repercussões na América Latina, na doutrina e na jurisprudência dos tribunais, inclusive brasileiros.

Postula essa corrente que a produção e, principalmente, a aplicação do direito deve contemplar princípios ou diretrizes de natureza econômica, tais como a equação de custo e benefício, a eficiência, a maximização da riqueza, que delimitariam o interesse social e deveriam prevalecer quando colidissem com valores ou princípios jurídicos consagrados.

Seus formuladores argumentam não somente que a análise econômica, ou, mais especificamente, a hipótese econômica da maximização da riqueza, é útil em explicar o desenvolvimento institucional do anglo-american judge-made law, mas também que é uma norma ética valiosa para que os juízes possam conscientemente basear suas decisões.

Contra essa corrente, puseram-se filósofos e juristas, inclusive nos Estados Unidos, entre eles Ronald Dworkin, para quem o lado empírico ou positivo é usualmente útil, mas o lado normativo é simplista e confuso.

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Para ele, a maximização da riqueza é incoerente como norma ética e, sob o aspecto normativo, deixa dúvida sobre sua validade como hipótese positiva ou descritiva. No ensaio Is wealth a value? considera que a maximização da riqueza, como definida nessa teoria, é alcançada quando produtos ou outros bens estão nas mãos daqueles que os valorizam mais; e valoriza mais um bem quem pode pagar mais em dinheiro para tê-lo.

Um indivíduo maximiza sua própria riqueza quando ele aumenta o valor dos bens que detém; quando ele pode, por exemplo, comprar alguma coisa ele valoriza mais quando a adquire por menos do que gostaria de pagar por ela.

Mas, chega-se ao nervo do problema, segundo Dworkin: a análise econômica mantém, em seu lado normativo, que a maximização social ou individual da riqueza é um objetivo valioso, devendo as decisões judiciais tentá-la, por exemplo, para definir direitos de acordo com os custos de transação. Mas não está claro porque a riqueza social é um objetivo valioso.

Quem pensaria que uma sociedade que tem mais riqueza é melhor ou pior que a sociedade que a tem menos? Se a análise econômica do direito argumenta que os processos devem ser decididos no sentido de aumentar a riqueza social, então ela deve mostrar porque a sociedade com mais riquezas é, por esta razão somente, melhor ou pior que sociedade que tem menos.

Com efeito, é proveitosa a pesquisa econômica das causas e consequências das normas jurídicas, na tentativa de prever como cidadãos e agentes públicos se comportarão diante delas e como alterarão seus comportamentos se elas forem alteradas. Mas é insustentável a negação da normatividade, se houver colisão entre as normas jurídicas e os postulados econômicos, pois se nega a própria essência do ordenamento jurídico democrático.

Segundo o jurista italiano Stefano Rodotà, é claro que o estudioso da análise econômica do direito tende a excluir tudo que é referência, por exemplo, de valores que acredita ser irredutíveis ao cálculo econômico.

Exemplifica com a hipótese de transplante de órgãos, que, apenas do ponto de vista da eficiência e da disponibilidade e uso dos recursos escassos da análise econômica, leva à conclusão que o modo economicamente mais eficiente é aquele de consentir, por exemplo, a venda de um rim. Se se acredita, entretanto, que nessa matéria possam intervir outras considerações, parte-se de um ponto de vista diferente, com recurso à análise jurídica.

Richard Posner — um dos principais teóricos norte-americanos dessa corrente no campo jurídico — concorda, por exemplo, que a sanção pelo inadimplemento contratual é meramente uma atribuição jurisdicional de compensação dos danos suportados pela vítima e que a opção de violar um contrato estaria implícita como um direito da parte na relação negocial.

Por esse raciocínio, a lógica da moralidade contida no cumprimento do dever contratual é afastada em favor de um raciocínio de custo e benefício.

A análise econômica do direito, aplicada aos contratos, tem levado a resultados discutíveis, do ponto de vista dos princípios constitucionais e dos valores jurídicos predominantes em nosso sistema. A lógica do mercado e os princípios de economia liberal terminam por prevalecer sobre os valores e princípios jurídicos, quando estes colidem com as diretrizes de maximização da riqueza, de eficiência e de custos sociais.

Citemos dois exemplos paradigmáticos

O STF (RE 1.307.334 – Tema 1.127 de repercussão geral) decidiu que a norma legal correspondente (inciso VII do artigo 3º da Lei n. 8.009/1990, com a redação dada pela Lei nº 8.245/1991) é constitucional, permitindo-se a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, seja residencial, seja não residencial.

Prevaleceu o entendimento de que deve ser respeitada a livre iniciativa do locatário e a autonomia de vontade do fiador. A tese da minoria do tribunal, que acompanhamos, fazia prevalecer o princípio da dignidade da pessoa humana e do direito à moradia sobre o direito de crédito, considerando ainda que há outras garantias locatícias, previstas em lei, ao lado da fiança.

O STJ, nos casos de corte de energia elétrica pelo não pagamento, tomou orientação majoritária no sentido de sua admissibilidade (REsp 647.222), por ato direto da concessionária, como forma de compelir ao pagamento, sem necessidade de ação judicial de cobrança, com o argumento prevalecente dos custos sociais do inadimplemento.

A corrente minoritária sustentou haver afronta à dignidade da pessoa humana, por ser serviço essencial à sua vida, máxime em se tratando de pessoa física miserável, ou de hospitais e escolas; por outro lado, com uso inverso da análise econômica, argumentou que as concessionárias “consagram um percentual de inadimplemento na sua avaliação de perdas”.

Para o direito brasileiro — não apenas por sua derivação do sistema romano-germânico, distanciado do sistema de common law —, mais importante que a análise econômica do direito é a consistente análise jurídica da economia, ou melhor, da atividade econômica, para a qual sobrelevam os valores e princípios jurídicos, voltados à construção de uma sociedade “livre, justa e solidária” (artigo 3º, I, da Constituição), que não podem ser sacrificados em razão de maior eficiência econômica, de custos sociais ou de maximização da riqueza individual ou social.

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