Opinião

Alocação de riscos: cláusulas limitativas, de exoneração e de agravamento de responsabilidade

Autor

  • Nilson de Oliveira Moraes Junior

    é advogado sócio da Moraes e Leal Advogados mestrando em Direito pela FGV-SP pós-graduado em Direito Civil e Empresarial pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus especialista em Direito Contratual pela PUC/SP-COGEAE e especialista em Direito Corporativo pelo IBMEC-SP.

29 de fevereiro de 2024, 11h18

A definição clássica de contrato é como acordo de vontades entre as partes, com o fim de adquirir resguardar, transferir, modificar, conservar ou extinguir direitos [1].

Ainda que essa conceituação tradicional ofereça um sólido ponto de partida para o entendimento dos contratos, Enzo Roppo, jurista italiano, já definia o contrato como “a veste jurídico-formal de operações econômicas” [2].

Essa segunda definição merece destaque pois possui uma visão mais prática e lógica sobre a razão pelas quais as pessoas contratam.

Ora, na verdade, o contrato é simplesmente o meio jurídico pelo qual as pessoas realizaram operações econômicas e buscam atingir objetivos específicos dentro da esfera do direito privado.

Considerando essa natureza econômica, é certo que o contrato é um meio eficiente das partes definirem como e quem deve suportar riscos específicos daquela relação, incluindo a possibilidade excluir, limitar e/ou agravar responsabilidade.

Portanto, este artigo visa a defender a prerrogativa das partes de, exercendo sua autonomia privada, definirem a alocação dos riscos contratuais, o que foi referendado referendada pela Lei da Liberdade Econômica, dando vigência ao inciso II do artigo 421-A do Código Civil, que garante que a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada.

Esta capacidade de negociação baseia-se na lógica econômica e no princípio de livre negociação, permitindo uma definição mais precisa e adaptada dos termos contratuais em relação aos riscos envolvidos.

Análise econômica do direito como indicativo de quem deve suportar os riscos
Na acepção jurídica, o conceito de risco engloba a noção de perigo, a chance de acontecer algum prejuízo, a antecipação de perda ou a obrigação de reparar danos. Isso inclui situações incertas e eventos futuros que, embora não esperados, são temidos ou receados por poderem resultar em perdas ou danos [3].

De forma mais direta, risco refere-se à probabilidade de que um evento adverso resulte em prejuízo. Para fins deste artigo, a definição de risco está ligada a ideia a quem será conferida a responsabilidade pela perda ou dano por uma situação de prejuízo.

Considerando que já se compreendeu o que é o risco a ser alocado no contrato e a possibilidade de as partes fazerem de forma livre e consciente, questiona-se qual das partes deve assumir tal ônus.

Remontando ao fato de que o contrato é uma veste jurídico-formal da operação econômica, é certo que necessária uma análise econômica dor risco, que, entre as teorias, existe o chamado risco-proveito, que de forma simplificada, aponta que a pessoa que extrair proveito de certa atividade, deve responder pelos riscos que ela traz [4].

Comumente, se uma obrigação se torna impraticável ou excessivamente onerosa, o devedor é eximido de sua responsabilidade pelo não cumprimento.

Posner e Rosenfield apontam que esse entendimento transfere o risco ao credor, pois aquele seria mais avesso ao risco do que este. [5]

Aqui entendemos a importância da análise econômica do direito a este estudo. Em suma, o risco deve ser suportado de forma mais eficiente possível, ou seja, por aquele que é menos custoso a assunção do risco.

Nessa visão, a alocação eficaz do risco em acordos contratuais é melhor realizada através da análise econômica da relação contratual. Isso envolve considerar os investimentos feitos pelos envolvidos e a possibilidade de recuperá-los, além da expectativa de lucro [6].

Desse modo, recomenda-se que as partes ao decidirem dispor sobre a alocação de riscos, realizem verdadeira análise econômica da relação jurídica, de modo, inclusive a limitar eventual responsabilidade pelo risco, como é tão comum nos contratos de seguro.

Cláusulas limitativas, de exoneração e de agravamento de responsabilidade
Existem diversos instrumentos contratuais que permitem a alocação de riscos, mas, de forma didática, abordaremos essa perspectiva por meio da categoria de cláusulas de responsabilidade [7], como, por exemplo, cláusulas limitativas, cláusulas de exoneração e cláusulas de agravamento de responsabilidade.

Cláusulas excludentes ou limitadoras são estabelecidas com o objetivo de prevenir ou reduzir, de forma prévia, a responsabilidade que possa surgir de falhas ou de execuções imperfeitas de obrigações em um acordo contratual [8].

Conforme descrito por José de Aguiar Dias, essas cláusulas criam compromissos entre as partes envolvidas, focando em danos futuros que ainda não se materializaram, baseando-se em um acordo que proporciona uma vantagem ou benefício econômico para o devedor, o qual é aceito pelo credor [9]. Importante ressaltar que o impacto dessas cláusulas se limita às consequências financeiras da obrigação de compensar, sem eliminar a responsabilidade propriamente dita [10].

As cláusulas de agravamento de responsabilidade, por sua vez, é um dispositivo contratual que majora as obrigações de indenizar do devedor em casos de descumprimento ou cumprimento defeituoso das obrigações estipuladas.

Tal cláusula visa assegurar um maior nível de proteção ao credor, impondo penalidades ou aumentando as compensações devidas além do que seria normalmente exigido, incentivando assim o cumprimento rigoroso do contrato.

Dessa forma, enquanto as cláusulas excludentes ou limitadoras buscam reduzir a exposição ao risco, as cláusulas de agravamento visam fortalecer a garantia de cumprimento, estabelecendo consequências mais severas para falhas contratuais.

O exemplo mais evidente de agravamento de responsabilidade ocorre quando um devedor é responsabilizado por prejuízos causados por caso fortuito ou força maior. O artigo 393 do Código Civil esclarece que o devedor geralmente não é responsável por danos decorrentes dessas circunstâncias, a menos que tenha expressamente aceitado essa responsabilidade.

Assim, enquanto normalmente um devedor seria isento de responsabilidade em tais situações, a existência de uma cláusula que expressamente agrava sua responsabilidade implica uma obrigação adicional de indenizar, mesmo diante de eventos imprevisíveis ou inevitáveis.

Ao elaborar cláusulas de alocação de riscos, um aspecto crucial a ser considerado é a verificação de seu potencial abusividade, não somente sob a ótica da boa-fé objetiva, mas também em cenários onde a atividade do devedor possui significância social ou está sujeita a limitações legais específicas.

Exemplos incluem restrições explícitas ao prazo de prescrição, conforme estabelecido no artigo 191 do Código Civil, — ou de estímulo de determinadas categorias profissionais, como a transformação de obrigação de resultado de um cirurgião cardíaco.

Conclusão
Em síntese, a alocação de riscos em contratos representa uma ferramenta essencial para a gestão de incertezas nas relações contratuais, permitindo às partes maior controle sobre as consequências econômicas de eventos imprevistos.

Através da aplicação de cláusulas limitativas, excludentes e de agravamento, juntamente com uma análise econômica aprofundada, os contratantes podem estabelecer acordos mais equilibrados e justos. Contudo, é imperativo que tais cláusulas sejam formuladas com atenção à boa-fé objetiva e às regulamentações legais pertinentes, evitando-se disposições abusivas que possam comprometer a validade do contrato.

 


[1] PEREIRA, Caio Mario da Silva, Instituições de Direito Civil, 3ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1975, vol. III, p. 35.

[2] ROPPO, Enzo.  O contrato. Coimbra: Almedina, 1988, p. 11

[3] WOLKOFF, Alexander Porto Marinho. A teoria do risco e a responsabilidade civil objetiva do empreendedor. Disponível em http://www.tjrj.jus.br/c/document_library/get_file?uuid=ae2e5cc8-fa16-4af2-a11f-c79a97cc881d.

[4] Marchi. Cristiane de. A culpa e o surgimento da responsabilidade objetiva: Evolução histórica, noções gerais e hipóteses previstas no Código Civil. Revista dos Tribunais | vol. 964/2016 | p. 215 – 241 | Fev / 2016.

[5] POSNER, Eric. Análise econômica do Direito contratual: Sucesso ou fracasso? (tradução e adaptação ao direito brasileiro: Luciano Benetti Tim, Cristiano Carvalho e Alexandre Viola). São Paulo, Saraiva, 2010. P. 36

[6]  TARTUCE, Flavio. A “lei da liberdade econômica” (lei 13.874/19) e os seus principais impactos para o Direito Civil. Segunda parte. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/313017/a–lei-da-liberdade-economica—lei-13-874-19–e-os-seus-principais-impactos-para-o-direito-civil–segunda-parte. Acesso em: 14.12.2021.

[7] RODRIGUES JUNIOR, Luiz Otávio. Função, natureza e modificação da cláusula penal no direito brasileiro. 2006. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006. p. 25/29.

[8] MONTEIRO, António Pinto. Cláusulas limitativas e de exclusão de responsabilidade civil,. 2ª reimpressão. Coimbra: Almedina, 2011. p. 100

[9] DIAS, José de Aguiar. Cláusula de não-indenizar: chamada cláusula de irresponsabilidade. Rio de Janeiro: Forense, 1947, p. 57-59

[10] BANDEIRA, Luiz Octávio V. V. As cláusulas de não indenizar no direito brasileiro. São Paulo: Almedina, 2016, p. 113. WALD, Arnoldo. A cláusula de limitação de responsabilidade no direito brasileiro. Revista de Direito Civil Contemporâneo, São Paulo, vol. 4, n. 2, jul./set. 2015, p. 132

Autores

  • é advogado, sócio da Moraes e Leal Advogados, mestrando em Direito pela FGV-SP, pós-graduado em Direito Civil e Empresarial pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus, especialista em Direito Contratual pela PUC/SP-COGEAE e especialista em Direito Corporativo pelo IBMEC-SP.

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