Opinião

O regime de bens como ferramenta de proteção e planejamento empresarial

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17 de abril de 2024, 7h13

Nem sempre é uma decisão fácil para os nubentes ou quem convive em união estável discutir francamente sobre a escolha do regime de bens que irá reger a relação patrimonial do casal.

Ainda é comum que casamentos sob o regime da comunhão parcial de bens sejam estabelecidos sem maior reflexão dos seus impactos na relação patrimonial futura, inclusive empresarial.

Os motivos podem vir desde o simples medo de que a abertura do tema possa prejudicar o relacionamento afetivo ou porque vivenciam um momento de romantismo em que legitimamente acreditam que as contribuições emocionais e materiais no relacionamento serão equivalentes ao longo da convivência – o que justificaria um compartilhamento patrimonial mais amplo. Ou ainda simplesmente porque não temos a cultura de refletir que essa “sociedade”, que é o casamento ou a união estável, pode também gerar o compartilhamento de riscos de negócios malsucedidos do(a) parceiro(a) e que podem ir além do campo empresarial propriamente dito.

Do ponto de vista empresarial, o tema é de extrema relevância, uma vez que o regime de bens de casamento de um sócio ou do herdeiro de um sócio falecido pode impactar sobremaneira no âmbito interno de uma sociedade, tanto economicamente quanto na própria composição do seu quadro social.

A importância do assunto é tamanha que famílias empresárias mais atentas a esse aspecto já buscam mitigar alguns riscos decorrentes do regime de bens de casamento ou união estável de seus sócios nos contratos sociais ou em acordos de sócios ou acionistas.

Há ainda famílias com um planejamento sucessório e empresarial mais estruturado, em que a escolha do regime de bens de casamento dos sócios é tratada em protocolos familiares.

A preocupação é legítima, do ponto de vista empresarial, porque tendo como exemplo um processo de dissolução de casamento ou união estável de um sócio a quem seja aplicável o regime da comunhão parcial de bens poderá impactar economicamente a sociedade em razão de processos de apuração de haveres sociais, ou pelo risco do ingresso de um(a) sócio(a) indesejado, a depender das regras estabelecidas no respectivo contrato social ou estatuto social. Além do custo econômico, litígios societários costumam ter um alto custo emocional e impactos na gestão do negócio.

Vale anotar, contudo, que o regime de bens não é imutável e o Código Civil em vigor (artigo 1.639, §2º) já admite a sua alteração “mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros”.

Spacca

Apesar da notória utilidade da previsão legal, há pelos menos duas observações que merecem ser destacadas: (1) os efeitos da decisão são futuros, ou seja, não retroagem para o patrimônio já existente, salvo se as partes também optarem por realizar a partilha dos bens; (2) a autonomia das partes é tutelada pelo Estado, pois não basta a vontade manifesta do casal para que o juiz defira a modificação do regime de bens, é preciso que seja apresentada uma motivação que será submetida ao crivo do juiz.

“Desjudicialização”

É possível notar avanço neste tema, com a proposta de reforma do Código Civil que foi recentemente apresentada ao Senado pela comissão de juristas criada para formular a atualização.

Uma das alterações almejadas envolve justamente o artigo 1.639 e seus parágrafos, e visa a “desjudicialização” da alteração do regime de bens no casamento e na união estável para facultar a modificação por escritura pública, com reflexos também no artigo 734 e seus parágrafos do Código de Processo Civil, quando se tratar de conversão pela via judicial.

Os efeitos continuarão a valer para o futuro, ou seja, a partir do ato de alteração do regime de bens, porém, o novo texto, tal como proposto, exclui a exigência de motivação. Para as partes, a via extrajudicial representará a possibilidade de concluir em poucos dias um ato que no judiciário tem levado meses ou anos. Para os processos judiciais, a nova proposta tem o potencial de reduzir o grau de subjetividade interpretativa que hoje acompanha as causas dessa natureza.

Numa sociedade em transformação, em que a mulher assume a cada dia mais seu protagonismo profissional, inclusive empresarial, precisamos ampliar esse debate, pois a escolha do regime de bens de casamento é também uma ferramenta para o exercício da autonomia.

O tema comporta ainda muitas reflexões (e muitas outras virão), inclusive do ponto de vista sucessório.

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