Opinião

Princípio da segregação de funções, improbidade administrativa e NLLC

Autor

  • Caio Fabio Rufino Barros

    é advogado assessor e consultor jurídico parecerista pós-graduando em Direito Administrativo pelo IDP/DF e membro efetivo do Instituto de Direito Administrativo do Pará (Idapar).

12 de janeiro de 2024, 21h38

Ao longo dos 30 anos de império da Lei nº 8.666/93, não raras vezes, os chefes do Poder Executivo, bem como secretários e o presidente da Comissão Permanente de Licitação são alvos de investigações, as quais podem (ou não) ensejar no ajuizamento de ação de improbidade administrativa pelo Ministério Público ou pelo próprio Município quando da sucessão do chefe do Poder Executivo municipal, nos termos da Lei nº 8.429/92 (conforme entendimento do julgamento das ADI’s 7.042 e 7.043).

Ora, a transparência, publicidade e a integridade nas contratações públicas sempre foram temas amplamente discutidos pela legislação, doutrina e jurisprudência do nosso ordenamento jurídico pátrio, de modo que há muito já se falava da separação de funções dos servidores na operacionalização do processo licitatório, seja por lisura, seja por efetiva necessidade, como também se tratava a respeito da impossibilidade de servidores, membros da comissão de licitação, entre outros, participassem diretamente ou indiretamente da licitação ou da execução de obra ou serviço e do fornecimento de bens a eles necessários.

Ocorre que, diante de intensos diálogos jurídicos ao longo dos anos, o legislador administrativista entendeu oportuna a positivação do princípio da segregação de funções, o qual agora se encontra capitulado no caput do artigo 5º da Lei nº 14.133/21.

Ainda sobre a temática, Guimarães e Sampaio [1] lecionam que o princípio da segregação de funções estipula o desmembramento de atribuições entre servidores públicos nas fases do processo licitatório, visto a necessidade de separação de funções como autorização, aprovação, execução, controle e contabilização na contratação pública.

Portanto, resta evidente que o princípio da segregação dos poderes se propõe a orientar a interpretação da legis, assim como dos procedimentos a serem definidos pela administração pública e as próprias atribuições dos servidores, com fito na prevenção de falhas procedimentais ou realização de atividades incompatíveis por agentes públicos.

Nesse sentido, a Lei nº 14.133/21 estabeleceu em seu artigo 7º e incisos que cabe à autoridade máxima do órgão ou entidade, ou quem for indicado pela organização administrativa, promover gestão por competências e designar agentes públicos para o desempenho das funções essenciais à execução da Lei de Licitações e que preencham os seguintes requisitos: sejam, preferencialmente, servidor efetivo ou empregado público dos quadros permanentes da Administração Pública; tenham atribuições relacionadas a licitações e contratos ou possuam formação compatível ou qualificação atestada por certificação profissional emitida por escola de governo criada e mantida pelo poder público; e não sejam cônjuge ou companheiro de licitantes ou contratados habituais da Administração nem tenham com eles vínculo de parentesco, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, ou de natureza técnica, comercial, econômica, financeira, trabalhista e civil.

Dessa forma, a autoridade deverá observar o princípio da segregação de funções, vedada a designação do mesmo agente público para atuação simultânea em funções mais suscetíveis a riscos, de modo a reduzir a possibilidade de ocultação de erros e de ocorrência de fraudes na respectiva contratação. Tal entendimento também se aplica aos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno da administração. (Lei 14.133/21, §§ 1º e 2º, artigo 7º).

O princípio em comento também busca mapear o momento da irregularidade procedimental e, por conseguinte, trazer parâmetros aptos a quantificar e atribuir a penalidade (civil, administrativa ou criminal) diante do caso concreto, podendo trazer reflexões (ainda que mediatas) sobre “quem errou?”, “por que errou?”, “onde errou?”, “quando errou?”, “qual a motivação?”, “houve dolo ou culpa?”.

A Lei nº 14.133/21, em seu capítulo III, no artigo 169, destaca que, ao tratar do controle das contratações, estabeleceu que as contratações devem estar submetidas a boas práticas de gestão de riscos e controle preventivo, devendo sujeitar-se às linhas de defesas impostas nos incisos I, II, III do mesmo novel.

Ocorre que, os integrantes das linhas defesas supramencionadas, ao constatarem impropriedade formal simples, deverão realizar seu saneamento, assim como adotar medidas práticas para mitigação de riscos de sua nova ocorrência, ao passo que, quando constatarem irregularidade que configure dano à administração, deverão realizar tais medidas mencionadas alhures e tomarão providências necessárias para a apuração das infrações administrativas, de maneira a observar a segregação das funções, a individualização das condutas, para então encaminhar ao Ministério Público competente cópias dos documentos cabíveis para a apuração dos ilícitos de sua competência.

No entanto, caberá ainda ao Município ou ao Parquet, antes do ajuizamento da ação de improbidade administrativa, a análise do caso concreto para avaliar o cometimento (ou não) de ato ímprobo, ou se o agente público tão somente realizou mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, uma vez que, diante da não comprovação de ato doloso com fim ilícito, restaria afastada a responsabilidade pelo suposto ato de improbidade administrativo, conforme dispõe o §3º do artigo 1 da Lei 8.429/92.

Isto posto, a Lei de Licitações em vigor acaba por dar maior rigor ao acompanhamento das contratações públicas, de modo a segregar funções de servidores, individualizar responsabilidade dos agentes, averiguar internamente equívocos ou fraudes para então combater possíveis fraudes no processo licitatório, visando assim ao resguardo do patrimônio público.


[1] GUIMARÃES, Edgar e SAMPAIO, Ricardo. Dispensa e inexigibilidade de licitação: Aspectos jurídicos à luz da Lei nº 14.133/2021. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 29.

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  • é advogado, assessor e consultor jurídico, parecerista, pós-graduando em Direito Administrativo pelo IDP/DF e membro efetivo do Instituto de Direito Administrativo do Pará (Idapar).

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