Opinião

Compliance empresarial: entre normas, contratos e condutas

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  • é advogado e consultor em Direito Empresarial sócio do João Carlos de Paiva Advogados Associados mestre em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas especialista em Direito Administrativo Civil e Empresarial professor em cursos de pós-graduação e preparatório para Exame de Ordem e autor de livros e artigos jurídicos.

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31 de outubro de 2023, 9h17

Muito mais que seguir a lei, o compliance impõe uma nova forma de atuação empresarial. Há um plexo de normas cada vez mais robusto, e há, talvez mais contundente, o movimento de empresas e cidadãos que não admitem mais se relacionar com condutas fora de um padrão de comportamento aceito pela sociedade contemporânea.

Não é hora de se omitir. O mês de abril deste ano fora inaugurado com notícias de relatos de trabalhadoras da Petrobrás denunciando terem sido vítimas ou testemunhas de assédio sexual na companhia, tanto em plataformas quanto em unidades como o centro de pesquisas. Diante dessas denúncias, a Petrobras informou a criação de um grupo para rever fluxos de denúncias de assédio sexual na companhia e confirmou, em julho, ter comprovado dez casos de assédio e importunação sexual e, por isso, realizado cinco demissões.

Casos como esses parecem estar cada vez mais denunciados e noticiados, ao menos. Só em São Paulo, por exemplo, o Ministério Público do Trabalho aponta um aumento de 1.500% nas denúncias por assédio sexual no ambiente de trabalho no período de 2018 a 2022. No entanto, agora, essas fatídicas ocorrências não têm apenas consequências interna corporis. Quando denunciadas e tornadas de conhecimento público, os efeitos punitivos atingem a pessoa jurídica, privada ou pública.

Denúncias de assédio sexual levaram à queda altos dirigentes, como os presidentes da Caixa Econômica Federal e da Confederação Brasileira de Futebol, além do afastamento de juízes, de vara cível e do trabalho, por exemplo.

Como não poderia deixar de ser, as denúncias ganham forçam e se tornam verdadeiros movimentos, que ganham as ruas e as redes, como o "Mexeu com uma, mexeu com todas!" e a campanha "Não é não!".

No Direito não é diferente. Há um plexo de normas surgindo nos últimos anos, cada vez mais específicas e preocupadas em antecipar e impedir situações danosas e punir quando elas ocorrerem, não apenas quanto a assédios, mas quanto à tutela de diversos direitos. A proteção de dados pessoais, trazida pela Lei nº 13.709/2018, foi colocada entre as preocupações das pessoas jurídicas públicas e privadas, promovendo mudanças significativas nos fluxos e usos de dados.

A preocupação em evitar práticas de corrupção ganhou a positivação na Lei nº 12.846/2013, conhecida como Lei Anticorrupção, revelando um caráter mais preventivo e sinalizando que a corrupção não deve ser apenas não praticada, mas igualmente combatida. Esta lei deu base para a adoção e fortalecimento "de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica", até para redução de sanções (artigo 7º, VIII).

Compliance, governança corporativa, corporate social responsability  ainda que não gozem de conceitos uniformes e sejam expressões até mesmo polissêmicas  estão cada vez mais presentes entre as pautas e preocupações das pessoas jurídicas, públicas e privadas.

É que é nítido, inclusive, um movimento do próprio mercado, retratado pelas cláusulas contratuais regrando os comportamentos esperados da contraparte, de modo a não se relacionar com quem estiver envolvido em assédios, abusos, racismo, violações de direitos humanos, corrupção, violências, danos ao meio ambiente etc. Geralmente tais previsões, se ocorrerem, permitem a resolução do contrato e a aplicação de sanções.

Ademais, para além das consequências penais, civis e administrativas que podem ser impostas ao agressor, há ainda uma outra que pesa contra a pessoa jurídica: a "mancha" na marca, no nome dessas empresas. Os consumidores estão preocupados em não adquirir bens e serviços de empresas envolvidas com aqueles escândalos, o que leva a uma diminuição em seus faturamentos e lucros.

Enfim, o compliance empresarial não está em "ser bonzinho" ou atender pautas de determinado espectro político, mas em cuidar em manter a empresa na cadeia de produção e consumo afastada de motivos que possam causar a repulsa de fornecedores e clientes.

Isso porque "responsabilidade social traz a noção de que a atividade empresarial envolve uma dimensão de responsabilidade para com toda a cadeia produtiva da empresa  clientes, funcionários, fornecedores  além da comunidade, ambiente e sociedade como um todo" (SCHOMMER; FISCHER, 1999, p. 103-104).

No entanto, é bem verdade que às vezes ainda se houve que há "muitos excessos nessas denúncias". Excessos, por evidente, precisam ser igualmente combatidos, mas isso jamais poderia justificar a inexistência ou ineficiência de processos internos de recebimento e apuração de acusações e tomada de decisões a respeito, por exemplo.

O motivo dessas posturas furtivas, a nosso aviso, é porque ainda não há uma real preocupação. Enquanto as altas direções não tomarem consciência do quão impactante é, inclusive para o caixa, essa postura displicente (para dizer o mínimo), casos de assédio e outros absurdos continuarão sendo noticiados.

O brasileiro, tão acostumado a leis que "não pegam", a "jeitinho", parece que ainda não se deu conta da dimensão da gravidade dessas denúncias. Parece existir uma crença de que esses casos serão tratados, ainda hoje, como seriam no século passado, com uma demissão "exemplar" contra quem denuncia, ou um pagamento pelo silêncio, ou uma perseguição.

A sociedade, porém, exige mais que o aceite de um pedido de exoneração, uma transferência para outro posto de trabalho ou uma demissão por justa causa do agressor. Exige mais que o pagamento de uma indenização à vítima. Exige mais que uma nota registrando que a empresa repudia esses atos e não compactua com assédios. Exige mais que uma campanha publicitária na qual a pessoa jurídica, ao invés de se penitenciar, mais parece "inverter" a lógica e dizer que está revendo e aprimorando seus processos internos e sendo cada dia mais um paraíso para se trabalhar.

A sociedade quer estar a salvo dessas agressões. O que se quer, em última análise, é não ter que ver mais essas notícias, é saber que esses abusos não acontecem naquela empresa. Não é a reparação do dano, mas a sua prevenção!

E esse olhar vigilante, cuidadoso, precisa mesmo ser uma preocupação das empresas e, por conseguinte, do direito societário, o qual deve ter em conta os interesses de indivíduos, coletividades e grupos terceiros. (SALOMÃO FILHO, 2019).

A Lei de Sociedades por Ações, aliás, já em sua redação original, previra que o acionista controlador tem deveres e responsabilidades não só diante dos acionistas, mas em face dos trabalhadores e da comunidade em que inserida (artigo 116, parágrafo único). Mais: além de atuar para "lograr os fins e no interesse da companhia", o seu administrador igualmente deve cuidar para que sejam "satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa" (artigo 154, caput), inclusive podendo praticar "atos gratuitos razoáveis em benefício dos empregados ou da comunidade de que participe a empresa, tendo em vista suas responsabilidades sociais" (artigo 154, §4º).

O compliance, como "conjunto de ações a serem adotadas no ambiente corporativo para que se reforce a anuência da empresa à legislação vigente" (FRAZÃO, 2017a, p. 18) faz norma no ambiente empresarial. Os contratos produzem uma rede de obrigações, sinalizando com multas, resoluções e outros em caso de violação. Tudo isso contribui para uma tomada de decisão e conduta das empresas mais alinhada à responsabilidade social corporativa.

Em uma nota conclusiva: empresas existem para dar lucro, mas só haverá lucro se houver respeito ao ser humano e ao ambiente que lhe for meio. A realidade do século 21 não quer conviver comprando produtos e serviços de empresas que ostentam uma marca poderosa e um marketing envolvente, mas que estão, a bem da verdade, sustentadas por um modelo de negócio que sobrevive da exploração de pessoas (inclusive crianças), da degradação ao meio ambiente e de outros males.

Não é hora de se omitir. É hora de as empresas se organizarem e revisitarem suas posturas. A "mão invisível" do mercado está deixando bem claro que as mãos dos abusadores não passarão!

 

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Referências
FRAZÃO, Ana. Direito antitruste e direito anticorrupção: pontes para um diálogo. Constituição, empresa e mercado. Brasília: Faculdade de Direito/UnB, 2017a.

SALOMÃO FILHO, Calixto. O Novo Direito Societário. Eficácia e Sustentabilidade. São Paulo: Saraiva, 2019, pp. 17-18.

SCHOMMER, Paula Chies; FISCHER, Tânia. Cidadania empresarial no Brasil: os dilemas conceituais e a ação de três organizações baianas. Organizações & Sociedade, [S. l.], v. 6, n. 15, mai-ago 1999. Disponível em: <https://periodicos.ufba.br/index.php/revistaoes/article/view/10414>. Acesso em: 06 abr. 2023.

https://www.prt2.mpt.mp.br/1059-denuncias-por-assedio-sexual-ao-mpt-aumentam-1-500-nos-ultimos-4-anos-em-sp

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  • é advogado e consultor em Direito Empresarial, sócio do João Carlos de Paiva Advogados Associados, mestre em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas, especialista em Direito Administrativo, Civil e Empresarial, professor em cursos de pós-graduação e preparatório para Exame de Ordem e autor de livros e artigos jurídicos.

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