Passos de formiga

Mulheres são 40% na 1ª instância, mas só 12% entre desembargadores no TJ-SP

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10 de abril de 2024, 18h11

Em mandado de segurança apresentado contra a formação de uma lista exclusivamente feminina para promoção na magistratura, um grupo de 20 juízes homens argumentou que a medida era desencessária porque “aqui em São Paulo nunca houve desigualdade”.

tribunal de justiça de são paulo tj-sp

TJ-SP foi primeira corte a aplicar resolução do CNJ sobre concurso para mulheres

Dados do próprio Tribunal de Justiça paulista, no entanto, ajudam a contextualizar essa percepção. Atualmente, entre os 2.188 magistrados de primeiro grau em todo o estado, 894 são mulheres — elas representam, portanto, 40,8% do total.

Na hora de galgar o degrau seguinte na carreira, porém, o gargalo se estreita: entre os 351 desembargadores atuantes no TJ hoje, só 43 são mulheres, o equivalente a 12,2% (já incluindo a juíza Maria de Fátima dos Santos Gomes, promovida nesta quarta-feira pelo edital aberto exclusivamente para elas).

A proporção de mulheres na primeira instância do estado de São Paulo está dentro da média nacional, que é de 40%. Na segunda instância, está abaixo: a média do Brasil é de 21,2%.

Crescimento lento

A situação já foi bem pior. Em 2019, as mulheres eram 8% entre os desembargadores (contra 39,9% entre juízes de primeira instância). Em 2005, havia nada mais do que oito mulheres na segunda instância, para os mesmos 360 desembargadores. E, de 1874 até 1997, nenhuma.

Uma nota no jornal Folha de S.Paulo, de 2005, informa que o presidente da corte na época, desembargador Luiz Elias Tâmbara, constatou que as mulheres eram barradas dos concursos até 1980. Isso ocorria, segundo ele, devido a “um conservadorismo que existia no estado de São Paulo, não porque fosse proibido. Os candidatos eram identificados nas provas escritas, e as mulheres eram reprovadas”.

No final do ano passado, o Conselho Nacional de Justiça editou a Resolução 525/2023, determinando que as promoções por merecimento sejam feitas alternando-se as listas mistas com outras só de mulheres nos tribunais em que ainda não haja ao menos 40% de desembargadoras.

O TJ-SP, maior tribunal do país, foi o primeiro a implantar a resolução. E a reação veio de dentro da corte: um grupo de 20 juízes impetrou um mandado de segurança questionando o edital. O concurso acabou suspenso por decisão do Órgão Especial, mas foi novamente liberado pelo relator do caso, desembargador Campos Neto, que reconheceu que o processo tinha sido dirigido à instância errada — só o Supremo Tribunal Federal pode avaliar atos do CNJ.

Normas internacionais

A desembargadora aposentada do TJ-SP Kenarik Boujikian considera que a resolução do CNJ não é nenhum favor às mulheres, mas um passo para fazer o Brasil cumprir regramentos internacionais sobre igualdade de gênero na Justiça.

“O Judiciário viu a necessidade de dar cumprimento às normas internacionais que indicam que as ações afirmativas devem ser usadas para que situações estruturais sejam enfrentadas, até que se encontre um equilíbrio”, afirma ela. “Nesse sentido, a resolução do CNJ vem dar efetividade aos princípios constitucionais e aos princípios que regem o Estado brasileiro, firmando que todos os tribunais devem atingir o percentual de 40% de mulheres. O caminho ainda será muito lento, mas o importante é caminhar em direção à paridade, para que a democracia substancial seja realizada.”

O conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) Jayme de Oliveira opina que o maior mérito da resolução do CNJ é “recuperar um tempo perdido em que as mulheres eram simplesmente alijadas dos concursos pelo simples falto de serem mulheres”.

Oliveira apresentou uma proposta em termos equivalentes à do CNJ no Conselho do MP, com a previsão de que as listas tríplices encaminhadas aos tribunais devem observar a alternância. A sugestão está sendo analisada pelo relator.

Ele opina que, se as mulheres foram reprovadas pelo fato de serem mulheres, “isso significa que homens ocuparam esses espaços, essas vagas, o que causou enorme prejuízo à estrutura e ao equilíbrio da carreira. Não fosse por isso, é bem provável que o TJ-SP tive o percentual mínimo desejado de 40% de mulheres”.

Grande avanço

Em artigo publicado pela revista eletrônica Consultor Jurídico, a advogada e professora Alessandra Okuma ressalta que a resolução “foi um grande avanço para reverter a sub-representação feminina e tem fundamento em disposições constitucionais e convenções internacionais de direitos humanos”.

A constitucionalista Vera Chemin aponta que a competência não é o critério preferencial adotado na ascensão de mulheres a cargos de chefia e direção, já que essas posições são ocupadas por homens, que adotam a mentalidade predominante de que eles próprios estão mais preparados para exercer cargos de mais responsabilidade.

“É de fundamental importância criar mecanismos e procedimentos no Poder Judiciário que agilizem a participação das mulheres em tais cargos, tendo em vista que a sua competência já foi corroborada no exercício da magistratura.”

Mas ela pondera que, a despeito dessa urgência, o CNJ não poderia ter determinado um concurso exclusivo para mulheres porque a própria Constituição previu expressamente os critérios para promoção por antiguidade e merecimento, e porque o Estatuto da Magistratura também não contempla nenhuma norma que coincida com a previsão da resolução do Conselho.

* Com colaboração de Tiago Angelo e José Higídio

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