Direito Eleitoral

A propaganda eleitoral na internet no mundo perfeito de Nárnia

Autores

  • Leonardo Santos de Souza

    é analista judiciário do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Paraná especialista em Direito Eleitoral e Processual Eleitoral e membro da Abradep.

  • Leonardo Fernandes de Souza

    é mestre em Direito Processual e Cidadania pela Unipar (Universidade Paranaense) analista do TRE-PR (Tribunal Regional Eleitoral do Paraná) especialista em Direito Civil e Processo Civil e especialista em Direito Eleitoral e Processo Eleitoral. Membro da Abradep (instagram: @lfsouza1979).

8 de abril de 2024, 8h00

A política mundial e brasileira começa a tomar novos rumos a partir de 2015, tendo como marco a eleição presidencial norte-americana de 16 e no Brasil a partir da eleição geral de 2018, “baseando-se no forte apelo emocional, a política brasileira se polarizou criando a disseminação do ódio como estratégica eleitoral”. [1]

O tema de propaganda eleitoral é um dos temas mais ricos em análise dentro do estudo do direito eleitoral, também “[…] é um dos que mais geram ações nos tribunais, tendo em vista os ânimos estarem mais exaltados durante a campanha”. [2]

Muitos questionam se a Justiça Eleitoral, ao expedir a Resolução Tribunal Superior Eleitoral TSE n° 23.610/19, com redação dada pela Resolução TSE 23.732/2024, extrapolou os seus limites regulamentares no que diz respeito à propaganda eleitoral na internet.

A desinformação (fake news) se tornou mais do que uma realidade e sim uma ferramenta para atingir os objetivos de se ganhar uma eleição a qualquer custo: “Ocorre que a desinformação atrapalha esse fluxo informativo. Ela confunde o eleitoral, traz uma quebra de confiança nas instituições e nos sistemas, fazendo com as pessoas tenham sua liberdade de expressão vilipendiada através da utilização de artifícios que objetivam mexer com suas emoções”.[3]

Muito se fala em uma extrapolação de atribuições, ativismo judicial e ampliação desproporcional das sanções às chamadas big techs em casos específicos.

Pois bem.

Lembre-mo-nos que está entre as atribuições da Justiça Eleitoral a função normativa, explicitada no artigo 23, IX do Código Eleitoral e no artigo 105 da Lei das Eleições. Estes dispositivos fundamentam a expedição das Resoluções pela Corte Superior Eleitoral acerca dos trabalhos e procedimentos realizados durante o processo eleitoral e devem ser publicadas até o dia 5 de março do ano da eleição. Nessa toada, em 27 de fevereiro deste ano foram publicadas as regras que vão reger o pleito de 2024.

Não menos importante, embora menos lembrada, quando se fala em poder normativo da Justiça Eleitoral, é a disposição do artigo 57-J da Lei das Eleições:

“Art. 57-J.  O Tribunal Superior Eleitoral regulamentará o disposto nos arts. 57-A a 57-I desta Lei de acordo com o cenário e as ferramentas tecnológicas existentes em cada momento eleitoral e promoverá, para os veículos, partidos e demais entidades interessadas, a formulação e a ampla divulgação de regras de boas práticas relativas a campanhas eleitorais na internet. (Incluído pela Lei nº 13.488, de 2017)”

Perceba que o próprio legislador concedeu ao Tribunal Superior Eleitoral a prerrogativa de regulamentar a disciplina da propaganda eleitoral na internet “(…) de acordo com o cenário e as ferramentas tecnológicas existentes em cada momento eleitoral (…)”.

É de conhecimento público que as inovações tecnológicas têm avançado a passos largos nos últimos anos. Em 2017, ano da redação do dispositivo mencionado, quem imaginaria que as discussões sobre propaganda eleitoral passariam pela obrigatoriedade de se falar em inteligência artificial ou deepfake?

Não faz muito tempo, por exemplo, era necessário ficar horas diante do jurássico aparelho de fax do cartório eleitoral a fim de encaminhar decisões judiciais urgentes acerca de propaganda eleitoral irregular. Inimaginável este cenário nos dias atuais, ante as inovações da tecnologia até mesmo no processo judicial eletrônico.

Andrew Adamson/Reprodução

Diante deste contexto, parece pouco crível que se fosse possível fazer uma eleição minimamente legítima e preservando a paridade entre os concorrentes sem que as normas acerca de novas tecnologias digitais e desinformação sobre o processo eleitoral estivessem postas. Não há eleição justa com lacunas na legislação de regência.

Não menos importante é recordar que o PL 2.630/2020, chamado Projeto de Lei (PL) das Fake News, continua tramitando no Congresso a passos lentos, sem sinais evidentes de que será votado tão cedo.

Reconhece-se que o cenário ideal seria se o Legislativo se antecipasse e discutisse essas e outras importantes matérias importantes acerca das novas tecnologias e da desinformação relacionadas ao processo eleitoral, cabendo à Justiça Eleitoral apenas a aplicação da norma posta.

Contudo, sabemos que não vivemos essa Nárnia em tempos de desinformação deliberada. O mundo fora do guarda-roupa é muito mais complexo e desafiador.

 


[1]GUARATY, Kaleo Dornaika. Discurso de ódio no direito eleitoral: conceito jurídico e hermenêutica. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2023, p. 6.

[2]  PEREIRA, Diego Franco; WASILEWSKI, Tatiana; VALENCIANO, Tiago. Direito Eleitoral: teoria e prática. Curitiba: Ponto Vital, 2018, p. 130.

[3]GOLTZMAN, Elder Maia. Liberdade de expressão e desinformação em contextos eleitorais. Belo Horizonte: Fórum, 2022, 106-107

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  • é analista judiciário do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Paraná, especialista em Direito Eleitoral e Processual Eleitoral e membro da Abradep.

  • é mestre em Direito Processual e Cidadania pela Unipar (Universidade Paranaense), analista do TRE-PR (Tribunal Regional Eleitoral do Paraná), especialista em Direito Civil e Processo Civil e especialista em Direito Eleitoral e Processo Eleitoral. Membro da Abradep (instagram: @lfsouza1979).

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