Opinião

Red flags para identificar abuso de poder político antes da pré-campanha eleitoral

Autores

  • João Vitor Gomes Corrêa

    é advogado do Vinhas Menezes Netto Advogados nas áreas eleitoral e criminal e especialista em direito processual.

  • Ozório Vicente Netto

    é advogado e sócio do Vinhas Menezes Netto Advogados mestre em direito processual pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e professor de Direito do Trabalho na Faculdade de Ensino Superior de Linhares (Faceli).

9 de fevereiro de 2024, 15h19

Este ano de 2024 é de eleições municipais, e podemos perceber uma mudança de comportamento no perfil de pré-candidatos, especialmente aqueles que atuam lado a lado com o Poder Executivo, ou até mesmo são parte integrante dele, como secretários, diretores e assessores, com destaque para os mandatários.

Entretanto, pouco se fala na utilização da máquina estatal e sua aparelhagem em torno de projetos eleitorais ainda na pré-campanha. A Justiça Eleitoral pouco parece fazer para coibir esses comportamentos antes que gerem um dano considerável nas eleições, desbalanceado o pleito e fazendo com que alguns candidatos, devido à posição privilegiada, obtenham vantagens sob os demais. Afinal, parafraseando Orwel, os porquinhos não podem ser mais especiais do que os outros [1].

Dito isso, antes de falarmos sobre a necessidade de sermos vigilantes, devemos repassar alguns conceitos. Primeiramente, deve ser explicado o que é o abuso de poder político e quais são suas consequências nas eleições.

Previsto nos artigos 19 [2] e 22 [3], caput, da Lei Complementar nº 64/1990, o abuso de poder político pode ser classificado como uma perversão das ações ou atividades públicas, com a intenção de influenciar o eleitorado e obter os votos a partir da posição de poder dada pela máquina pública.

Conforme a explicação de José Jairo Gomes:

“O abuso de poder político pode ser considerado uma forma de abuso de poder de autoridade, pois ocorre na esfera público-estatal sendo praticado por autoridade pública. Consubstancia-se no desvirtuamento de ações ou atividades desenvolvidas por agentes públicos no exercício de suas funções. A função pública ou a atividade da Administração estatal é desviada de seu fim jurídico-constitucional com vistas a condicionar o sentido do voto e influenciar o comportamento eleitoral de cidadãos.”[4]

Em igual sentido leciona Jaime Barreiros Neto:

“O abuso do poder político, neste sentido, é observado quando o detentor do poder, na órbita do Poder Executivo, principalmente, mas também no âmbito do Legislativo, valendo-se de sua condição, age com abuso de autoridade, prejudicando a liberdade do voto.” [5]

Evitar a todo custo a malversação da administração pública é essencial para garantir a isonomia [6] do processo eleitoral e também  a sinceridade e liberdade do voto [7], uma vez que o eleitor tem o direito de ser convencido, mas não de ser manipulado.

Atos de atenção da Justiça Eleitoral
A prevenção e repressão de atos de abuso de poder político durante o período de campanha, que se iniciará no dia 15 de agosto de 2024, é pacífica e funcional, porém, existem atos praticados ainda na pré-campanha que podem causar uma perturbação nas forças eleitorais e que merecem mais atenção da Justiça Eleitoral.

Afinal, não se pode presumir que somente existirão atos de abuso de poder político durante a campanha eleitoral, como se tudo o que veio antes não tivesse poder de influenciar no desfecho do pleito.

O princípio republicano, quando aplicado ao direito eleitoral [8], tem o condão de proteger a democracia de todo e qualquer ato que venha a macular a lisura das eleições [9], garantindo que, mesmo antes da campanha eleitoral, aqueles que pretendem concorrer tenham o direito de competir em um ambiente isonômico.

Importante ressaltar que, com a chegada da tecnologia e a presença cada vez maior das redes sociais na formação da opinião do eleitor, nem todo ato que pode ser considerado abuso de poder político necessita ser gritante ou pouco sutil. Por vezes, uma comunicação social mais patrimonialista, conduzida de forma de suave, pode ser suficientemente considerada uma violação da isonomia eleitoral. Tudo depende da forma como esse trabalho é conduzido.

Por óbvio, não se pode estimular um comportamento paranoico em que tudo pode ser considerado abuso de poder político. O fato de alguém ser mandatário e chefiar o Poder Executivo, por exemplo, já tem impactos eleitorais, e isso é inevitável.

Por isso, a criação de red flags são importantes, já que se tratam de gatilhos que acionam a atenção da Justiça Eleitoral para comportamentos problemáticos que podem levar a um desbalanço no jogo eleitoral, ainda que fora do período eleitoral. E o mais importante é que esses sinais sejam públicos e permitam a todos os pré-candidatos fiscalizarem uns aos outros.

Identificação das red flags
A título de exemplo, pode ser considerada uma red flag sinalizada o (mau) uso da máquina pública — o que infelizmente é comum — na autopromoção de políticos. Usar as redes sociais institucionais, canais que deveriam ser uma comunicação direta e fácil com o público, de maneira a transformá-las em veículos pessoais dos políticos é uma red flag. Outro exemplo é a seletividade no direcionamento de ações governamentais para os redutos eleitorais de políticos específicos, o que certamente desequilibra a corrida eleitoral.

Entretanto, não se trata de uma lista fechada, podendo haver diversos outros casos em que o abuso de poder político ocorre. Felizmente, conforme a fiscalização aumenta, novos meios de evitá-la são criados.

O fato é que, como a lei impõe marcos temporais bem definidos para o início das vedações, a atividade política ardilosa acaba por ser eficiente em buscar métodos de influenciar na corrida eleitoral antes mesmo de serem iniciados os períodos de vedação e isso precisa ser fiscalizado.

Da mesma maneira, deve-se ter cuidado para não passar a considerar todo o mandato político como sendo suscetível à aplicação das red flags de maneira indiscriminada. É necessário, primeiro, averiguar se e em que medida certo ato praticado antes das eleições, de fato, pode influenciar no resultado do pleito. Essa medida de tempo deve ser mensurada.

Isso porque não é interessante para a democracia um Poder Judiciário vigilante e interventor, devendo ser estabelecidas algumas medidas que permitam aos pré-candidatos saber os limites em que podem trabalhar. Do contrário, poderão sofrer sanções eleitorais ou ter prejuízos no momento de registrarem suas candidaturas. A insegurança jurídica também é um perigo. É necessário permitir aos candidatos que tenham efetiva ciência das regras do jogo e as consequências para eventuais violações dessas mesmas regras.

Trata-se, portanto, de dar melhores contornos ao princípio da candidatura aparente [10], forçando os pré-candidatos que estejam em posição politicamente privilegiada a adotarem condutas públicas como se candidatos fossem, inclusive no tratamento dado à coisa pública.

Enfim, a ideia deste texto não é trazer uma discussão sobre como aperfeiçoar o nosso sistema eleitoral com medidas simples e que podem garantir eleições mais éticas, republicanas e democráticas. O que se pretende é trazer uma reflexão sobre a necessidade de regulamentação de como agir diante de red flags nas pré-campanhas, de maneira que esse regramento seja utilizado como ferramenta capaz de verdadeiramente equilibrar as forças do jogo político.


[1] Orwell, George. “A revolução dos bichos.” São Paulo: Círculo do Livro (1945).

[2] Art. 19. As transgressões pertinentes à origem de valores pecuniários, abuso do poder econômico ou político, em detrimento da liberdade de voto, serão apuradas mediante investigações jurisdicionais realizadas pelo Corregedor-Geral e Corregedores Regionais Eleitorais.

[3] Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:

[4] Gomes, José Jairo Direito eleitoral / José Jairo Gomes. – 16. ed. – São Paulo: Atlas, 2020, p. 967.

[5] Direito eleitoral/ Jaime Barreiros Neto – 10. ed. rev., atual, e ampl. – Salvador:Juspodivm, 2020, p 327/328.

[6] “Previsto no artigo 5º da Lei Maior, o princípio da isonomia ou da igualdade impõe que a todos os residentes no território brasileiro deve ser deferido o mesmo tratamento ou tratamento igual, não se admitindo discriminação de espécie alguma – a menos que o tratamento diferenciado reste plena e racionalmente justificado, quando, então, será objetivamente razoável conceder a uns o que a outros se nega. Esse princípio apresenta especial relevo nos domínios do Direito Eleitoral. Avulta sua importância para o desenvolvimento equilibrado do processo eleitoral, bem como para a afirmação da liberdade e do respeito a todas as expressões políticas.” Gomes, José Jairo Direito eleitoral / José Jairo Gomes. – 16. ed. – São Paulo: Atlas, 2020, p. 144.

[7] “A Justiça Eleitoral é o Poder responsável por prezar pela efetividade do princípio da autenticidade, sobretudo porque é sua missão organizar as eleições e zelar por sua legitimidade. Neste contexto, demonstra-se relevante a veracidade do escrutínio, a liberdade do voto e da eleição de mandatários constituindo-se na fidedignidade da representação política. O princípio da autenticidade, em nosso entendimento, absorve o que grande parte da doutrina denomina como princípio da liberdade do voto.” Vasconcelos, Clever Direito eleitoral / Clever Vasconcelos, Marco Antonio da Silva. – 2. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p.33.

[8] “De sorte que o princípio republicano também implica a tomada de decisões com base na racionalidade, na objetividade e na impessoalidade, sendo abolidos quaisquer privilégios ou distinções de pessoas, classes, grupos ou instituições sociais. Impõe, ainda, haja transparência e publicidade nos atos estatais. Veda, ademais, que o Estado seja gerido tal qual o patrimônio privado da autoridade pública (= patrimonialismo) – que o usa de forma discricionária e em proveito próprio para atingir fins meramente pessoais e não coletivos. Na presente dimensão, o princípio republicano não tolera o abuso de poder político, em que recursos públicos são empregados em prol de determinado candidato, partido ou grupo político, de modo a carrear ao beneficiário vantagens indevidas na disputa eleitoral frente aos demais concorrentes.” Gomes, José Jairo Direito eleitoral / José Jairo Gomes. – 16. ed. – São Paulo: Atlas, 2020, p. 129.

[9] O princípio da lisura das eleições pretende garantir a liberdade na formação da convicção política do eleitor e a conservação da higidez do processo eleitoral, ou seja, a inocorrência de condutas ilícitas que pretendam desequilibrar o processo eleitoral e macular o resultado com o êxito daquele que não seria o naturalmente eleito. Portanto, é necessário combater o que denominamos de poluição do processo eleitoral.” Vasconcelos, Clever Direito eleitoral / Clever Vasconcelos, Marco Antonio da Silva. – 2. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p.40.

[10] “Ainda que se diga que tais condutas são anteriores à data do registro de candidatura, é mister saber que inúmeras outras condutas anteriores à mesma data podem ser objeto de punição. Isso porque não serão apenas os poucos dias de propaganda eleitoral que definirão a eleição. Com a diminuição dos prazos de propaganda eleitoral, de filiação e de domicílio eleitoral, é necessário dar maior importância aos acontecimentos ocorridos no período de pré-campanha, sob pena de as eleições transformarem-se em eventos meramente formais.” Vasconcelos, Clever Direito eleitoral / Clever Vasconcelos, Marco Antonio da Silva. – 2. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p.52/53.

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