Opinião

Tema 1.184-STF e Resolução 547 do CNJ: observações de ordem jurídica

Autor

  • Eurípedes Gomes Faim Filho

    é doutor e mestre em Direito pela faculdade de Direito do Largo de São Francisco da USP (Universidade de São Paulo). Juiz de Direito substituto em 2º Grau. Desembargador nos termos no Provimento 2.376/2016 do CSM/TJ-SP. Atuando na 15ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (execuções fiscais e tributos municipais).

6 de abril de 2024, 6h02

O Tema 1.184 do Supremo Tribunal Federal é vinculante conforme o disposto no artigo 927 do Código de Processo Civil, além de ter evidente amparo constitucional no artigo 37 da Constituição que exige a eficiência administrativa, e no artigo 70, também da Constituição, que estipula a obrigação de a administração pública observar o princípio da economicidade.

Óbvio que as execuções fiscais de pequeno valor não satisfazem nem a regra da eficiência e nem a da economicidade.

Nesse último aspecto, se deve considerar o gasto da atividade da República e não das suas partes, pois nos termos no artigo 1º da Constituição, a República é “formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e Distrito Federal”, razão pela qual o gasto com a execução deve considerar o que gasta o Judiciário estadual e federal, incluindo as cortes superiores, e não apenas o gasto da administração exequente. Isso estabelecido torna evidente a falta de interesse de agir quando se propõe uma ação cujo valor ultrapassa o gasto da ação em si.

Já, com relação ao poder normativo do CNJ, nos termos do artigo 103B, §4º, e 236, §1º, ambos da Constituição, cabe ao Conselho Nacional de Justiça basicamente quatro atribuições:

  1. O controle da atuação administrativa do Poder Judiciário;
  2. O controle financeiro do Poder Judiciário;
  3. O controle do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes; e
  4. O controle dos cartórios extrajudiciais.

O CNJ não pode criar regras jurisdicionais ou para quem não faz parte do Poder Judiciário, contudo poderá fazer recomendações aos magistrados que decidirão se as aplicam ou não no exercício da jurisdição, sem vinculação, porém, com alto teor de persuasão em virtude da fonte da recomendação.

Estabelecido isso se pode analisar o tema e a resolução.

Tema 1.184, item 1

Esse item é repetido no artigo 1º da resolução e ele dispõe:

1. É legítima a extinção de execução fiscal de baixo valor pela ausência de interesse de agir tendo em vista o princípio constitucional da eficiência administrativa, respeitada a competência constitucional de cada ente federado.

A questão da possibilidade jurídica desse tipo de extinção já foi discutida acima quando se viu que isso é possível em virtude da regra do interesse de agir e dos princípios constitucionais da eficiência e economicidade. Resta saber o que significa a parte que diz “respeitada a competência constitucional de cada ente federado”.

Spacca

Convém observar que nem o tema e nem a resolução proíbem a distribuição de ações de qualquer valor. Elas podem ser distribuídas normalmente e, para isso, o ente federado pode fazer uma lei dispensando os valores que entender pequenos. Mas isso é uma faculdade, e não uma obrigação.

A existência ou não do interesse de agir, por outro lado, é uma questão jurisdicional que independe de lei da entidade da federação, pois é feita com base no Código de Processo Civil, na Constituição e no Tema vinculante que se analisa aqui, além de outras normas que possam ser pertinentes ao caso concreto.

Isso fica muito claro no artigo 1º, §1º, da resolução que dispõe:

Art. 1º § 1º Deverão ser extintas as execuções fiscais de valor inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais) quando do ajuizamento, em que não haja movimentação útil há mais de um ano sem citação do executado ou, ainda que citado, não tenham sido localizados bens penhoráveis.

A extinção não é feita no momento do ajuizamento, mas apenas se ficar sem movimentação útil por mais de um ano. E essa regra do CNJ tem amparo no Código de Processo Civil que diz:

Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando: […] II – o processo ficar parado durante mais de 1 (um) ano por negligência das partes; […]

A ausência de movimentação útil configura negligência do exequente. Cabe ao juiz decidir no caso concreto o que se entende por “movimentação útil”.

O artigo 1º, §1º, da resolução cria duas situações:

  1. Executado não citado: passado um ano; e
  2. Executado citado, mas passou-se um ano sem localização de bens.

Nessas duas situações, cabe a extinção por negligência, desde que não haja movimentação útil nesse período.

Ressalte-se que aqui não foi criada uma espécie de prescrição intercorrente, pois a questão é apenas processual, não afetando o direito material contido na execução. E, além disso, o CNJ não teria amparo legal para criar esse tipo de norma que vincularia pessoas estranhas ao Poder Judiciário, e isso fica evidente no seguinte ponto da resolução:

Art. 1º § 3º O disposto no § 1º não impede nova propositura da execução fiscal se forem encontrados bens do executado, desde que não consumada a prescrição.

Convém ressaltar que não foi revogada a Súmula 106 do Superior Tribunal de Justiça que dispõe:

Súmula 106 — Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da argüição de prescrição ou decadência.

Ou seja, se houve movimentação útil por parte do exequente, mas o processo não andou por falha do Judiciário, por extensão lógica não se deve considerar cabível a extinção prevista no artigo 485, II, do Código de Processo Civil.

Rômulo Serpa/CNJ
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Conforme consta na resolução o valor de R$ 10 mil foi estabelecido porque é o que mais se aproxima do gasto que a República tem com uma execução fiscal.

Pode-se dizer que esse valor não tem amparo legal ou no tema vinculante, mas ele deve ser entendido como uma recomendação ao juiz e é o valor mais razoável que o juiz pode usar quando for aquilatar a existência ou não do interesse de agir, pois é o que mais se aproxima do binômio custo-benefício que caracteriza o princípio da economicidade.

Convém lembrar que o que interessa aqui é o custo da execução fiscal, e não o porte econômico da entidade pública, pois só analisando-se o que se gasta com execução fiscal é que se percebe o mencionado binômio custo-benefício.

Também convém observar que os R$ 10 mil previstos na resolução não podem se referir ao valor nominal histórico da data do ajuizamento, devendo se fazer uma correção monetária para evitar extinguir execuções que na época tinham valor equivalente ou superior a 10 mil reais de hoje, embora o valor nominal histórico fosse menor.

Isso porque utilizar o valor nominal histórico não faz sentido, considerando-se o fenômeno da inflação. Deve-se também corrigir o parâmetro da resolução, pois 10 mil reais hoje não será o mesmo valor no futuro.

Também, nos termos do artigo 1º, §2º, da resolução, “deverão ser somados os valores de execuções que estejam apensadas e propostas em face do mesmo executado”, o que não é vinculante também, mas é bastante razoável o juiz utilizar essa recomendação quando for exercer seu poder jurisdicional.

Considerando a questão custo-benefício, o juiz pode avaliar o interesse de agir já na propositura da ação. Embora a resolução não diga isso, o tema autoriza sim essa atitude, pois não põe limitações temporais e nem fixa maiores exigências como faz a resolução, a qual não vincula nesse ponto.

Já a regra do artigo 1º, §4º, da resolução não deve ser aplicada, dispondo ela:

Art. 1º § 4º Na hipótese do § 3º, o prazo prescricional para nova propositura terá como termo inicial um ano após a data da ciência da Fazenda Pública a respeito da não localização do devedor ou da inexistência de bens penhoráveis no primeiro ajuizamento.

Essa regra não se aplica porque transborda a competência do CNJ e não tem amparo legal e nem no Tema, devendo-se aplicar as regras legais normais relativas à questão da prescrição do crédito tributário.

Aqui se trata da prescrição do crédito, e isso só pode ser veiculado em lei complementar. E assim é porque a execução foi extinta, portanto só resta o crédito que pode ser cobrado em nova ação, sem qualquer relação com a anterior.

Além disso, também não é a mesma situação que trata a seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça:

Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº. 1.340.553/RS, submetido ao julgamento dos Recursos Repetitivos (art. 1.036 e seguintes do CPC/2015 e art. 543-C do CPC/73) […]

4. Teses julgadas para efeito dos arts. 1.036 e seguintes do CPC/2015 (art. 543-C, do CPC/1973):

4.1.) O prazo de 1 (um) ano de suspensão do processo e do respectivo prazo prescricional previsto no art. 40, §§ 1º e 2º da Lei n. 6.830/80 – LEF tem início automaticamente na data da ciência da Fazenda Pública a respeito da não localização do devedor ou da inexistência de bens penhoráveis no endereço fornecido, havendo, sem prejuízo dessa contagem automática, o dever de o magistrado declarar ter ocorrido a suspensão da execução; […]

A decisão do Superior Tribunal de Justiça trata de suspensão do processo e prescrição intercorrente, enquanto a resolução fala em nova propositura e, portanto, de prescrição originária do crédito tributário.

Também, o §4º do artigo 1º da Resolução está dizendo que o prazo da prescrição originária seria contado enquanto ainda existe a execução velha, o que não faz sentido, pois a execução velha não vincula a execução nova e não interfere nas regras prescricionais originárias do crédito previstas no Código Tributário Nacional, lembrando-se que o prazo da prescrição originária é interrompido pelo despacho de citação da execução velha e não continua correndo enquanto a execução está em andamento, somente se a execução velha for extinta que se reinicia a contagem do prazo da prescrição originária do crédito tributário, que não se confunde com a prescrição intercorrente.

Por fim, dispõe o artigo 1º, §5º, da resolução:

Art. 1º § 5º A Fazenda Pública poderá requerer nos autos a não aplicação, por até 90 (noventa) dias, do § 1º deste artigo, caso demonstre que, dentro desse prazo, poderá localizar bens do devedor.

Em respeito ao contraditório e ampla defesa, bem como ao princípio da não surpresa, o juiz deve mandar a parte se manifestar antes de decidir e, nesse momento, a parte pode pedir a suspensão do feito pelo prazo que quiser, pois resolução do CNJ não vincula a Fazenda Pública, cabendo ao juiz decidir se concede ou não, de acordo com seu poder jurisdicional, não se submetendo à resolução que, nesse ponto, ultrapassa a competência do CNJ.

Tema 1.184, item 2, letra a

Esse item se aplica a todas as execuções fiscais, independentemente de seu valor, o que fica muito claro na discussão do tema disponível no Youtube e se percebe por ausência de exigência de valor na redação dele. O acórdão ainda não está disponível.

Ele cria uma série de exigências para o ajuizamento da ação de execução fiscal e, como se trata de decisão vinculante do Supremo Tribunal Federal, ele deve ser cumprido.

Dispõe o item:

2. O ajuizamento da execução fiscal dependerá da prévia adoção das seguintes providências: a) tentativa de conciliação ou adoção de solução administrativa; […]

Como o tema diz respeito ao ajuizamento da execução, as execuções já ajuizadas não têm esses requisitos, cabendo ao juiz indeferir a inicial da execução apenas no momento do ajuizamento, caso as exigências vinculantes do tema não sejam cumpridas.

O artigo 2º da resolução se limita no caput a repetir o que diz o tema, mas o artigo tem alguns parágrafos, sendo o primeiro o seguinte:

Art. 2º § 1º A tentativa de conciliação pode ser satisfeita, exemplificativamente, pela existência de lei geral de parcelamento ou oferecimento de algum tipo de vantagem na via administrativa, como redução ou extinção de juros ou multas, ou oportunidade concreta de transação na qual o executado, em tese, se enquadre.

No caso, o CNJ apenas deu um exemplo do que pode ser aceito como conciliação, o que não vincula nem a Fazenda e nem o juiz, pois não tem previsão legal e nem no tema, mas pode servir como recomendação que poderá ser aplicada se o juiz julgar que deve fazê-lo no caso concreto. A conciliação pode ser tentada por vários outros meios.

Por sua vez, diz o artigo 2º, §2º, da resolução:

Art. 2º § 2º A notificação do executado para pagamento antes do ajuizamento da execução fiscal configura adoção de solução administrativa.

Também se trata de mero exemplo sem efeito vinculante, cabendo ao juiz no caso concreto decidir o que seria ou não “solução administrativa.

Reza o parágrafo seguinte:

Art. 2º § 3º Presume-se cumprido o disposto nos §§ 1º e 2º quando a providência estiver prevista em ato normativo do ente exequente.

O tema não diz isso, nem a lei, portanto não é vinculante.

Tema 1.184, item 2, letra b

Dispõe o tema:

2 e b) protesto do título, salvo por motivo de eficiência administrativa, comprovando-se a inadequação da medida.

Por sua vez diz a resolução:

Art. 3º O ajuizamento da execução fiscal dependerá, ainda, de prévio protesto do título, salvo por motivo de eficiência administrativa, comprovando-se a inadequação da medida.

Embora a redação seja diversa, na essência a resolução repete o tema.

Se observa pela partícula aditiva “e” no Tema que a exigência desse item b se soma à do item a, ou seja, precisa cumprir os dois.

Segue a resolução no artigo 3º:

Art. 3º Parágrafo único. Pode ser dispensada a exigência do protesto nas seguintes hipóteses, sem prejuízo de outras, conforme análise do juiz no caso concreto:

I – comunicação da inscrição em dívida ativa aos órgãos que operam bancos de dados e cadastros relativos a consumidores e aos serviços de proteção ao crédito e congêneres (Lei nº 10.522/2002, art. 20-B, § 3º, I);

II – existência da averbação, inclusive por meio eletrônico, da certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora (Lei nº 10.522/2002, art. 20-B, § 3º, II); ou

III – indicação, no ato de ajuizamento da execução fiscal, de bens ou direitos penhoráveis de titularidade do executado.

Trata-se de uma recomendação que pode ajudar o juiz na sua decisão, mas não o vincula. Cabe ao juiz analisar a situação caso a caso.

Artigo 4º da resolução

Reza tal artigo:

Art. 4º Os cartórios de notas e de registro de imóveis deverão comunicar às respectivas prefeituras, em periodicidade não superior a 60 (sessenta) dias, todas as mudanças na titularidade de imóveis realizadas no período, a fim de permitir a atualização cadastral dos contribuintes das Fazendas Municipais.

Trata-se de norma administrativa, da competência do CNJ, e, por isso, deve ser obedecida pelos cartórios extrajudiciais.

Por fim, o Tema e a Resolução constituem grande avanço no sentido de tornar mais racionais as execuções fiscais e se aplicados pelos juízes resultaram em considerável melhora na prestação jurisdicional.

Autores

  • é doutor e mestre em Direito pela faculdade de Direito do Largo de São Francisco da USP (Universidade de São Paulo). Juiz de Direito substituto em 2º Grau. Desembargador nos termos no Provimento 2.376/2016 do CSM/TJ-SP. Atuando na 15ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (execuções fiscais e tributos municipais).

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