Opinião

A reclamação pré-processual: inovações na Justiça do Trabalho e desafios

Autor

  • Douglas Hengen

    é mestre em Direito do Trabalho pela PUC-RS advogado (com atuação focada em consultivo e compliance trabalhista) pesquisador escritor e membro dos grupos Trabalho Tecnologia e Sindicalismo (PPGD PUC-RS) e Direito e Processo do Trabalho (OAB-RS).

3 de abril de 2024, 6h35

O Conselho Superior de Justiça do Trabalho (CSJT), em sessão no ultimo dia 22 de março, instituiu uma inovadora metodologia para a resolução de litígios denominada reclamação pré-processual. Essa iniciativa permite que tanto empregadores quanto empregados apresentem suas demandas ao Judiciário buscando a conciliação, que será validada por um juiz, sem que haja a formalização de um processo jurídico tradicional.

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Desde 2010, a prática de composição consensual de conflitos encontra-se sob regulamentação da Resolução CNJ 125/2010, emanada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Essa resolução institui a Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses, determinando que as atividades de mediação ocorram nos Centros Judiciários de Solução de Conflitos (Cejusc).

Ao adotar uma abordagem semelhante à do CNJ, o presidente do Conselho Superior de Justiça do Trabalho (CSJT), ministro Lelio Bentes Corrêa, ressaltou que, conforme estipulado pela Resolução CSJT 288/2021, é possível submeter tanto disputas individuais quanto coletivas ao procedimento conciliatório nos Cejuscs-JT de primeiro e segundo graus.

Essa orientação visa promover a resolução eficiente de litígios, reforçando a importância e a eficácia da mediação como ferramenta de solução de controvérsias no âmbito judiciário.

Essa nova abordagem visa simplificar o procedimento existente, eliminando custos processuais e a exigência de representação por advogado. No entanto, essa dispensa tem provocado reações adversas por parte da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

Conforme as diretrizes estabelecidas pelo CSJT, para a realização de um acordo, é necessário que a parte interessada submeta sua questão à Justiça do Trabalho, fornecendo um relato preliminar do objeto a ser mediado.

Posteriormente, a reclamação pré-processual é encaminhada para análise por uma Vara do Trabalho, que, por sua vez, direciona o caso ao Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc). Este centro é incumbido de mediar conflitos no âmbito judicial antes da emissão de sentenças. Se alcançado um acordo, este é formalizado por uma sentença irrecorrível.

Conciliação, RPP e dispensa de advogado

A conciliação, embora reconhecida e normatizada no artigo 764 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), tradicionalmente ocorre dentro de um processo judicial formal, caracterizado por ser um procedimento legal, contraditório, dialético e discursivo, com a garantia de direitos constitucionais, incluindo a participação de um advogado, conforme estipulado no artigo 133 da Constituição.

Spacca

Ademais, é relevante destacar que, em 21 de março de 2024, um dia antes da aprovação mencionada, foi promulgada a Lei 14.824/2024. Esta legislação detalha a estrutura, operação e competências do CSJT e promove alterações na CLT.

As atribuições conferidas por essa nova lei não incluem a capacidade do CSJT de criar procedimentos procedimentais novos ou modificar práticas legais estabelecidas, limitando-se a responsabilidades administrativas internas dos tribunais trabalhistas e suas gestões em território nacional.

A criação de um mecanismo conciliatório que dispensa a presença de advogados e a implementação de regras procedimentais novas, sem amparo legal explícito, coloca em risco garantias fundamentais como a soberania popular (artigo 1º, parágrafo único, da Constituição), a separação dos Poderes (artigo 2º), e direitos constitucionais tais como a legalidade (artigo 5º, inciso II), a proibição de tribunais de exceção (artigo 5º, inciso XXXVII), o devido processo legal (artigo 5º, inciso LIV), o contraditório e a ampla defesa (artigo 5º, inciso LV), a competência exclusiva da União (artigo 22, inciso I) e as prerrogativas do Poder Legislativo (artigo 59 da Constituição).

Portanto, questiona-se a legitimidade e a competência constitucional do Conselho para estabelecer procedimentos que se desviem das normas previamente instituídas por uma autoridade legítima e habilitada.

Considerações finais

A instituição da reclamação pré-processual pelo Conselho Superior de Justiça do Trabalho (CSJT), assim como a previsão de procedimentos conciliatórios em consonância com as diretrizes estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) através da Resolução CNJ 125/2010, reflete uma evolução significativa na maneira como o sistema judiciário brasileiro aborda a resolução de conflitos.

Esse movimento rumo à facilitação da conciliação e à desjudicialização evidencia um esforço contínuo para tornar o acesso à justiça mais ágil, econômico e acessível, priorizando o entendimento mútuo e a solução amistosa das disputas.

Além disso, a capacidade de resolver litígios fora do ambiente processual formal não apenas alivia a carga dos tribunais, mas também promove uma cultura de paz e compreensão, ressaltando o valor da mediação e do diálogo na gestão de divergências.

No entanto, a implementação dessas inovações procedimentais suscita questões importantes sobre as garantias processuais, a atuação e as competências institucionais no âmbito do Direito do Trabalho, especialmente no que tange à representação por advogados e à observância das normas legais vigentes.

A tensão entre inovação processual e a aderência a princípios constitucionais fundamentais, como o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório, destaca a necessidade de um equilíbrio cuidadoso.

Esse equilíbrio deve assegurar que, enquanto se busca a eficiência e a acessibilidade na resolução de conflitos, as garantias processuais e os direitos fundamentais dos indivíduos sejam rigorosamente protegidos.

Assim, o desafio reside em harmonizar essas inovações com os preceitos do Estado democrático de Direito, garantindo que a evolução das práticas judiciárias contribua para a justiça social sem comprometer os pilares da justiça formal.

Autores

  • é mestre em Direito do Trabalho pela PUC-RS, advogado (com atuação focada em consultivo e compliance trabalhista), pesquisador, escritor e membro dos grupos Trabalho, Tecnologia e Sindicalismo (PPGD PUC-RS) e Direito e Processo do Trabalho (OAB-RS).

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