Gravação inútil

Sem perícia de voz, TJ-SP mantém absolvição de acusada de 'rachadinha'

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2 de abril de 2024, 15h51

Sem perícia de voz que comprove quem são os envolvidos no diálogo e prova que identifique os aparelhos usados na ligação, apenas a conversa telefônica gravada por um dos interlocutores não é apta para sustentar uma condenação. Com essa fundamentação, a 5ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a absolvição de uma ex-vereadora de Guarujá e um assessor acusados de “rachadinha”.

Gravação telefônica foi considerada insuficiente pelo TJ de São Paulo

“A Justiça Pública deixou de requerer a produção de exame pericial visando à identificação vocálica dos envolvidos nas chamadas telefônicas — única prova capaz de aferir seguramente a identidade dos interlocutores e, via de consequência, conferir fidedignidade ao conteúdo dos diálogos”, anotou o desembargador Geraldo Luís Wohlers, relator do recurso de apelação interposto pelo Ministério Público.

A ex-vereadora foi denunciada pelo promotor Cássio Serra Sartori por supostamente exigir parcelas do salário de um ex-assessor parlamentar para ele continuar ocupando o cargo comissionado. Para isso, a acusada teria contado com o envolvimento do assessor incluído na denúncia.

Segundo o representante do MP, de janeiro a junho de 2017, os acusados cometeram seis crimes de concussão em continuidade delitiva, consistentes na exigência, em razão da função pública, de cerca de R$ 3 mil mensais dos vencimentos de R$ 7,7 mil do assessor alvo da rachadinha. Após esse período, ele foi desligado do gabinete da vereadora. Os supostos repasses indevidos totalizaram aproximadamente R$ 19,5 mil.

No âmbito de procedimento investigatório criminal (PIC) do MP, o assessor pretensamente prejudicado disse que foi obrigado a entregar aos réus parte dos seus salários para se manter no cargo. Porém, ele não foi localizado para ser ouvido em juízo e não pôde confirmar, sob o crivo do contraditório, “como se exige”, aquilo que declarou na fase pré-processual, frisou o juiz André Rossi, da 2ª Vara Criminal de Guarujá (SP).

Por esse motivo, Rossi absolveu os acusados por insuficiência de provas. O MP recorreu e sustentou na apelação que as declarações extrajudiciais da vítima da “rachadinha” “foram devidamente corroboradas pelas provas dos autos, especialmente pela degravação, pelos extratos e pela quebra de sigilo dos demais assessores, da qual vislumbra-se expediente idêntico ao relatado pelo ex-assessor”.

Análise das conversas

A degravação mencionada pelo MP se refere a dois telefonemas gravados pela vítima da “rachadinha”. Em uma ligação, ela supostamente conversou com o corréu. Na outra, o diálogo teria sido travado com um terceiro assessor da vereadora, que também seria obrigado a repassar parte do salário. De acordo com Geraldo Wohlers, a prova arrecadada “não possui vocação para condenar”, devendo a sentença ser mantida.

O relator observou que a gravação foi feita diretamente pelo assessor que denunciou o esquema, sem prévia interceptação telefônica, “de sorte que inexiste informação a respeito das linhas telefônicas envolvidas nas chamadas e suas respectivas titularidades”. Além disso, o terceiro assessor gravado, devidamente compromissado, negou que a voz captada na gravação fosse sua.

“A despeito do sintomático teor das conversas (com menções expressas a repasses de verbas salariais), tal elemento de convicção não se reveste de confiabilidade a ponto de escorar édito de censura”, concluiu o relator. O seu voto foi seguido pelos desembargadores Cláudia Fonseca Fanucchi e Guimarães Pereira.

O colegiado também considerou sem a “envergadura probatória propalada pelo Ministério Público” os extratos bancários de três assessores que foram juntados aos autos. “Enfim, tem-se mesmo conjunto probante escasso, restrito às declarações extrajudiciais de J.C.S.A. (denunciante) e, por conseguinte, incapaz de proporcionar a tranquilizadora certeza reclamada pela procedência da acusação”, finalizou o acórdão.

Processo 1002664-70.2018.8.26.0223

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