Opinião

Diálogos da "vaza jato" são provas lícitas para punir crimes de agentes de Estado

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25 de setembro de 2023, 18h19

A decisão do Supremo Tribunal Federal, proferida pelo ministro Dias Toffoli, de anulação dos elementos fornecidos no acordo de leniência da Odebrecht, é mais um passo a devolver o país sua normalidade constitucional. A decisão reconheceu que o processo criminal orquestrado pelos agentes do sistema de justiça desviou para fins políticos e teve como um de seus resultados a prisão provisória do presidente Lula. Somou-se a isso a impossibilidade de participação na eleição, constituindo-se "um dos maiores erros judiciários da história do país".

Pouco depois o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) divulgou o relatório parcial de inspeção da 13ª Vara Federal de Curitiba, responsável pela "lava jato", apontando a gestão caótica de valores oriundo de acordos de colaboração. O relatório indica falta de cautela, de transparência, de imparcialidade e de prudência de magistrados que atuaram na operação.

Boa parte da decisão do Toffoli, proferida nos autos da Reclamação 43.007, utiliza como fundamentação as famosas mensagens trocadas entre os agentes públicos que dirigiam malfadada operação. É notório que mensagens do Telegram entre procuradores e o ex-juiz suspeito e parcial, Sérgio Moro, foram captadas pelo hacker Walter Delgatti, alguns trechos foram publicados pelo Intercept Brasil no que ficou conhecido como a "vaza jato" e foram objeto da operação "spoofing".

Já em 2019 apontávamos, em texto publicado nesta Conjur, que estávamos diante de um "cyberpunk que afrontou o poder de Sergio Moro e dos procuradores revelando ilegalidades e o ilícito cometido por eles."

A decisão do ministro Toffoli aponto que é necessário que o Estado apure responsabilidades funcionais, administrativas, civis e criminais desses agentes públicos que deturparam o sistema de justiça e fizeram do consórcio de Curitiba uma zona de exceção.

A utilização das mensagens obtidas pelo hacker e em parte divulgadas pelo Intercept, ainda que obtidas com invasão das nuvens, podem ser usadas para constatar os ilícitos praticados pelos agentes públicos?  Temos defendido a tempos: a jurisprudência e a doutrina são claras que a prova ilícita é permitida para uso da defesa, exatamente porque servirá a defender o cidadão.

A prova ilícita é inadmissível em processo judicial é aquela produzida pelo Estado contra o cidadão e representa uma perda do direito de punir em razão de ter sido obtida em violação a normas constitucionais ou legais, conforme dispõe do artigo 157, da Lei Processual Penal. Através da aplicação de um princípio de proporcionalidade é que se afirmar que a prova ilícita pode ser usada em favor do réu.

A punição do cidadão não pode ser viabilizada por elementos colhidos de forma ilegal. A ilicitude da prova pesa contra o poder do Estado e a favor das garantias constitucionais para salvaguardar o cidadão perante o Estado, e não o contrário. Isso significa que no caso em os agentes públicos, representantes do Estado que são, não tem a proteção correspondente à inadmissibilidade de provas obtidas por meios ilícitos quanto para punir seus atos realizados como agentes do estado. Desse modo que as mensagens coletadas na operação "spoofing" podem, sim, ser usadas como motivação para investigação de membros da operação em razão de seus abusos.

Portanto a perda da prova, quanto considerada ilícita, é uma punição e limitação ao poder punitivo do Estado!

Nesse contexto, imprescindível ressaltar que os diálogos interceptados e divulgados na vaza jato são verdadeiros atos processuais [1]. Mensagens que tratavam sobre a condução de processos judiciais em detalhes e combinações, sobre como se daria a prestação de serviços públicos pelo judiciário, a indicar que devem ser compreendidos sob a égide do artigo 98, inciso IX, da Constituição, eis que a regra é que os julgamentos são públicos.

Além disso, vale recordar que os telefones que continham as mensagens, equipamentos funcionais usados para realização de atos processuais, foram apreendidos por ordem judicial justamente para averiguar o contexto dos fatos.

Basta uma abstração para esclarecer: imaginemos que uma pessoa entre em uma delegacia, presencie e registre a prática de tortura por agentes públicos contra um cidadão, é evidente que nessa hipótese não seria razoável afirmar-se que a proteção do domicílio protegeria a delegacia do ingresso sem ordem judicial, para a anulação de provas ilícitas para impedir a investigação do crime praticado por aquele que representa o Estado.

Na decisão da Reclamação 43.007, o ministro Dias Toffoli, portanto, determinou a expedição de ofício a órgãos públicos para que os envolvidos nas ilegalidades da "lava jato" sejam investigados e responsabilizados, a recordar que ainda existem juízes em Berlim.

De outro lado, na contramão da decisão que prestigia um sistema de justiça civilizatório, a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e a Associação Nacional de Procuradores da República manifestaram publicamente seu desacordo com a decisão, e a ANPR apresentou recurso contra a decisão autos no último dia 11 de setembro, buscando invalidar os atos processuais realizados naquele processo.

Ora, é necessário atenção ao óbvio, as associações de juízes e procuradores não tem qualquer legitimidade para recorrer da decisão proferida pelo ministro do STF no procedimento de reclamação constitucional, porque não estão no âmbito de decisões que afetem a coletividade da classe dos procuradores. Mais ainda, cada órgão a ser oficiado verificará danos causados pelas autoridades que lhe competem — para ilustrar, a Advocacia da União não deverá apurar os fatos do ponto de vista formal da atividade, mas naquilo que a atividade de seus membros pode ter lesado a União, e em razão de ilícitos pode entrar verificar a necessidade de ações de improbidade ou relacionadas a recuperação de prejuízos.

A gravidade dos fatos indicados pelas mensagens obtidas dos equipamentos de membros da "lava jato" torna-se imprescindível, questão de preservação da democracia em vista da interferência política causada pela operação, a concessão de acesso da integralidade do material para conhecimento histórico e público, com a devida preservação de conteúdo íntimo e sigiloso. E, fatalmente, indispensável que sejam promovidas as apurações determinadas pela decisão da Recl 43.007 do Supremo para que todos os órgãos públicos envolvidos nos fatos identifiquem agentes que atuaram na produção de provas sem observação dos procedimentos legais.

A afronta à democracia do 8 de janeiro de 2023 não iniciou naquele dia, mas foi consequência de desvios e abusos judiciais que tiveram origem na "lava jato". Tanto a decisão do ministro Toffoli quanto o relatório do CNJ dão conta de submissão dos agentes do Estado (procuradores e juízes da 13ª Vara Criminal de Curitiba, incluindo Sergio Moro) aos interesses internacionais em ofensa a soberania nacional.

O livro Geopolítica da Intervenção traz elementos que estão sendo confirmados nas novas páginas do judiciário brasileiro. A apuração do ocorrido é fundamental para que não aconteçam novos desvios e novas tentativas de golpe.

 


[1] Circunstância que foi notícia nesta Conjur notícia em 2019: "As mensagens entre o ex-juiz federal Sergio Moro, hoje ministro da Justiça, e os procuradores que trabalham na 'lava jato' são atos processuais. Se não há registro íntegro da totalidade dessas conversas, uma vez que os envolvidos já disseram que elas foram apagadas, não há como controlar esses atos". Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-jul-19/mensagens-moro-sao-atos-processuais-paulo-okamotto).

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