Mais um passo

Ministro Dias Toffoli vota contra tese do marco temporal das terras indígenas

Autor

20 de setembro de 2023, 19h19

O ministro Dias Toffoli, do Supremo Trubunal Federal, votou nesta quarta-feira (20/9) contra a tese do marco temporal para a demarcação de terras indígenas. Com isso, o julgamento está 5 a 2 contra a tese, e a análise será retomada nesta quinta (21/9).

Carlos Moura/SCO/STF
Dias Toffoli afirmou que Constituição protege o modo de vida dos indígenas
Carlos Moura/SCO/STF

"A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal, em 5 de outubro de 1988, ou da configuração do renitente esbulho, como conflito físico ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da Constituição", afirmou Toffoli.

O ministro também entendeu que o procedimento de apuração da indenização a ser paga pela perda da terra que foi declarada indígena deve correr em paralelo ao processo de demarcação. O objetivo é evitar a demora na regularização da área tradicional.

No fim de maio, a Câmara dos Deputados aprovou o marco que limita a demarcação de terras indígenas. De acordo com o texto — ainda sujeito a alterações pelo Senado —, a demarcação será restrita às terras já ocupadas por esses povos em 5 de outubro de 1988.

O processo que motivou a discussão no STF trata da disputa pela posse da Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ, em Santa Catarina. No local vivem indígenas Xokleng, Guarani e Kaingang, e o governo catarinense entrou com pedido de reintegração de posse. Hoje existem mais de 300 processos de demarcação de terras indígenas abertos em todo o território nacional.

Idas e vindas
Relator do recurso extraordinário com repercussão geral, o ministro Edson Fachin votou em 2021 contra o marco temporal. De acordo com o magistrado, os direitos originários dos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam não dependem da existência de uma delimitação.

O ministro Kassio Nunes Marques abriu a divergência argumentando que a proteção constitucional das terras indígenas depende do marco temporal. Conforme o magistrado, os povos originários devem comprovar que ocupavam a área em 5 de outubro de 1988 ou que tenham sido expulsos dela. Sem essa limitação, há insegurança jurídica, disse o ministro.

Em voto-vista apresentado em junho, o ministro Alexandre de Moraes opinou que a fixação de um marco temporal viola direitos fundamentais dos indígenas.

Ele ressaltou que o Estado deve indenizar quem, de boa-fé, comprou terra indígena. Afinal, nessa situação a culpa é do poder público, que não arcou com o dever de proteger as áreas pertencentes aos povos originários.

Em voto-vista apresentado em 30 de agosto, o ministro André Mendonça seguiu Nunes Marques pela validade da tese do marco temporal. O magistrado apontou que os constituintes de 1988 estabeleceram um marco para a demarcação de terras indígenas com o objetivo de pacificar conflitos.

"Não se trata de negar as atrocidades cometidas, mas antes de compreender que o olhar do passado deve ter como perspectiva a possibilidade de uma construção do presente e do futuro. Entendo eu que essa solução é encontrada a partir da leitura do texto, e a intenção do constituinte originário foi trazer uma força estabilizadora a partir da sua promulgação", disse Mendonça.

O ministro opinou que o Supremo não pode, 14 anos depois, alterar o entendimento fixado no julgamento do "caso Raposa Serra do Sol" (Pet 3.388). Na ocasião, a corte entendeu que as populações indígenas tinham direito às terras que ocupavam na data da promulgação da Constituição, 5 de outubro de 1988, ou seja, o marco temporal que agora está em discussão.

Caso o STF mudasse de entendimento, avaliou o ministro, permitiria discussões que remeteriam a "tempos imemoriais", gerando insegurança jurídica.

No dia seguinte, os ministros Cristiano Zanin e Luís Roberto Barroso votaram contra a tese do marco temporal para a demarcação de terras indígenas.

Para Zanin, as populações indígenas têm direito às terras que tradicionalmente ocupam desde o Império e, em sede constitucional, desde a Constituição de 1934. 

"O constituinte de 1988, ao reconhecer o direito originário sobre as terras tradicionalmente ocupadas, determinou à União a demarcação como ato meramente declaratório. Ao admitir tais direitos como originários, a Constituição os admitiu como direitos mais antigos do que qualquer outro, de modo a preponderar sobre pretensos direitos adquiridos, ainda que materializados em escrituras públicas ou títulos de legitimação da posse", disse o ministro. 

Já Barroso apontou que a tradicionalidade e a persistência da reivindicação de terras por indígenas, mesmo que eles não vivessem nelas na data da promulgação da Constituição, "constituem fundamento de direito para as comunidades indígenas". 

"A Constituição de 1988 protege a identidade cultural dos povos indígenas e assegura o direito à terra à luz de sua cultura, não tendo em vista os comportamentos e conceitos da sociedade dominante", afirmou o ministro.

RE 1.017.365

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!