Povos originários

Zanin e Barroso votam contra tese do marco temporal das terras indígenas

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31 de agosto de 2023, 17h22

Os ministros Cristiano Zanin e Luís Roberto Barroso, do Supremo Trubunal Federal, votaram nesta quinta-feira (31/8) contra a tese do marco temporal para a demarcação de terras indígenas. Ambos acompanharam o voto do relator do caso, ministro Edson Fachin. Com isso, o julgamento está 4 a 2 contra a tese, e a análise será retomada na próxima semana. 

Nelson Jr./SCO/STF
Zanin votou contra tese do marco
temporal na sessão desta quinta do Supremo
Nelson Jr./SCO/STF

Zanin entendeu que a proteção constitucional dada aos indígenas quanto às terras tradicionalmente ocupadas independe da existência de um marco temporal em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.

Para o ministro, as populações indígenas têm direito às terras que tradicionalmente ocupam desde o Império e, em sede constitucional, desde a Constituição de 1934. 

"O constituinte de 1988, ao reconhecer o direito originário sobre as terras tradicionalmente ocupadas, determinou à União a demarcação como ato meramente declaratório. Ao admitir tais direitos como originários, a Constituição os admitiu como direitos mais antigos do que qualquer outro, de modo a preponderar sobre pretensos direitos adquiridos, ainda que materializados em escrituras públicas ou títulos de legitimação da posse", disse o ministro. 

Ainda segundo Zanin, a demarcação não pode estar condicionada à ausência de título sobre as terras, isso porque a Constituição reconhece o direito à posse dos indígenas como originário. 

"Diante desse panorama, verifica-se a impossibilidade de se impor qualquer tipo de marco temporal em desfavor dos povos indígenas, que possuem a proteção da posse exclusiva desde o Império e, em sede constitucional, a partir de 1934. Ademais, o regime jurídico previsto na Constituição de 1988 solapa qualquer dúvida no sentido de que a garantia de permanência dos povos indígenas nas terras tradicionalmente ocupadas é indispensável para a concretização dos direitos fundamentais básicos destes povos."

O ministro também entende que particulares que adquiriram terras indígenas dos entes federados ou da União podem ser indenizados. Nesses casos, disse o ministro, é preciso apurar a responsabilidade dos entes públicos pela titulação indevida. 

Para Barroso, a tradicionalidade e a persistência da reivindicação de terras por indígenas, mesmo que eles não vivessem nelas na data da promulgação da Constituição, "constituem fundamento de direito para as comunidades indígenas". 

"A Constituição de 1988 protege a identidade cultural dos povos indígenas e assegura o direito à terra à luz de sua cultura, não tendo em vista os comportamentos e conceitos da sociedade dominante", afirmou o ministro.

O processo que motivou a discussão no STF trata da disputa pela posse da Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ, em Santa Catarina. No local vivem indígenas Xokleng, Guarani e Kaingang, e o governo catarinense entrou com pedido de reintegração de posse. Hoje existem mais de 300 processos de demarcação de terras indígenas abertos em todo o território nacional.

Idas e vindas
Relator do recurso extraordinário com repercussão geral, Fachin votou em 2021 contra o marco temporal. De acordo com o ministro, os direitos originários dos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam não dependem da existência de uma delimitação.

Nunes Marques abriu a divergência argumentando que a proteção constitucional das terras indígenas depende do marco temporal. Conforme o magistrado, os povos originários devem comprovar que ocupavam a área em 5 de outubro de 1988 ou que tenham sido expulsos dela. Sem essa limitação, há insegurança jurídica, disse o ministro.

Em voto-vista apresentado em junho, Alexandre de Moraes opinou que a fixação de um marco temporal viola direitos fundamentais dos indígenas.

O ministro ressaltou que o Estado deve indenizar quem, de boa-fé, comprou terra indígena. Afinal, nessa situação a culpa é do poder público, que não arcou com o dever de proteger as áreas pertencentes aos povos originários.

Em voto-vista apresentado nesta quarta-feira (30/8), André Mendonça seguiu Nunes Marques pela validade da tese do marco temporal. O ministro apontou que os constituintes de 1988 estabeleceram um marco para a demarcação de terras indígenas com o objetivo de pacificar conflitos.

"Não se trata de negar as atrocidades cometidas, mas antes de compreender que o olhar do passado deve ter como perspectiva a possibilidade de uma construção do presente e do futuro. Entendo eu que essa solução é encontrada a partir da leitura do texto, e a intenção do constituinte originário foi trazer uma força estabilizadora a partir da sua promulgação", disse Mendonça.

O ministro opinou que o Supremo não pode, 14 anos depois, alterar o entendimento fixado no julgamento do "caso Raposa Serra do Sol" (Pet 3.388). Na ocasião, a corte entendeu que as populações indígenas tinham direito às terras que ocupavam na data da promulgação da Constituição, 5 de outubro de 1988, ou seja, o marco temporal que agora está em discussão.

Caso o STF mudasse de entendimento, avaliou o ministro, permitiria discussões que remeteriam a "tempos imemoriais", gerando insegurança jurídica.

RE 1.017.365

Texto atualizado às 18h50 para acréscimo de informações.

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