Licitações e Contratos

Lei 14.133/21 e regulamentação pelos Tribunais de Contas: ausência de atribuição

Autor

  • Guilherme Carvalho

    é doutor em Direito Administrativo mestre em Direito e políticas públicas ex-procurador do estado do Amapá bacharel em administração sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).

15 de setembro de 2023, 8h00

Em incontáveis trechos, a Lei nº 14.133/2021 aponta para a necessidade de regulamentação de vários de seus dispositivos, fato este que não soa estranho, uma vez que vai ao encontro da redação inserta no caput do artigo 1º, cuja menção às normas gerais de licitação e contratação demanda a edição de regras minudentemente específicas.

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Logo, por se tratar de uma lei nacional avaliada, quase sempre, sob o prisma de normas gerais, o espaço para o acerto ajustado às singulares especificidades práticas somente pode ser entendido como um objetivo pragmático do próprio legislador, aderente ao propósito de não esgotar (embora não atingisse tal imprecisa tarefa) a particularidade que das normas gerais podem e devem exsurgir, quanto mais em se tratando de realidades díspares, as quais passeiam por um país de dimensão continental.

Ultrapassada a incontestabilidade quanto à fiel necessidade de regulamentar a Lei nº 14.133/2021, surge o principal desafio: a quem a Constituição Federal de 1988 defere a competência para a edição de normas que complementem as normas gerais ou mesmo a atribuição para edição de atos administrativos por vezes, de conteúdo normativo , que também possam auxiliar na aplicação da lei?

Pelo teor do parágrafo único do artigo 22 da Constituição Federal, lei complementar poderá autorizar os estados (e Distrito Federal, exercendo competência legiferante que não dos municípios) a legislarem sobre questões específicas de matérias relacionadas ao aludido artigo, cujo inciso XXVII faz menção às normas gerais de licitação e contratos.

Aos Municípios, por igual exercentes de típica e usual função administrativa, cabelhes, senão competência legiferante própria, ao menos atribuição para a edição de atos administrativos normativos, os quais possam conceder a fidedigna possibilidade de aplicação da Lei nº 14.133/2021, sendolhes facultado (como também aos Estados e Distrito Federal) a adoção dos regulamentos editados pela União para a execução desta lei, conforme expressa redação do artigo 187.

Portanto, o principal desafio quanto à regulamentação da Lei nº 14.133/2021 não se encontra alocado nos entes federativos e suas autarquias e fundações públicas , mas sim em interpretações excêntricas ou de originalidade (normativa) duvidosa oriunda dos mais diversos órgãos de controle externo.

A insegurança causada pelas distintas vertentes apreciativas advindas do Judiciário ou até mesmo do Ministério Público são, embora (e por vezes) inapropriadas, de consequências tópicas e sem a abrangência normativa genérica e abstrata que somente ao legislador o Constituinte fora deferida, pelo que se infere que há ainda um maior contratempo a ser solucionado, por quê?

Porque os Tribunais de Contas, à míngua de qualquer competência legiferante, exclusive quando exercem, atipicamente, função administrativa, absorvem, sem qualquer autorização de conteúdo constitucional e, inclusive, de organização política, um espaço que somente aos frequentes exercentes da função administrativa é destinado.

Tal dinâmica, de matiz constitucional (reitere-se), quanto ao exercício da típica função administrativa é deferida aos entes políticos, ao Executivo, e não a agentes alheios, que, igualmente por vontade do constituinte originário, apenas podem se limitar ao exercício de um controle externo, notadamente posterior nada para além disso.

Com tamanha frequência essa afirmação é evidente que, ao longo da Lei nº 14.133/2021, refere-se o legislador à proeminência do controle interno vide, por exemplo, as linhas de controle estabelecidas nos incisos do artigo 169, bem assim toda a estrutura de atribuições conferidas ao órgão de assessoramento jurídico.

À vista disso, qualquer inserção dos Tribunais de Contas quanto à regulamentação da Lei nº 14.133/2021 é, para além de inapropriada, ofensiva ao texto constitucional e à própria redação do artigo 173, cuja expressividade literal deságua em uma só interpretação: "os tribunais de contas deverão, por meio de suas escolas de contas, promover eventos de capacitação para os servidores efetivos e empregados públicos designados para o desempenho das funções essenciais à execução desta Lei, incluídos cursos presenciais e a distância, redes de aprendizagem, seminários e congressos sobre contratações públicas".

É dizer, aos Tribunais de Contas cabe, tão apenas, a formatação de congressos, seminários, treinamentos e afins, mas, jamais (e isso se afirma em conteúdo peremptório), usurpar, sob o contexto de auxílio, a competência e/ou atribuição dos verdadeiros exercentes da função administrativa, que, não por acaso, coincide com o Poder Executivo.

Pensar de forma contrária é propulsar indelével desequilíbrio entre os Poderes, sobretudo se se considera (tal como assim deve ser interpretado artigo 71, da CF/1988) que os tribunais de contas não são, por si sós, poderes autônomos, mas mero auxiliares do Poder Legislativo, cuja competência normativa é inconteste.          

Autores

  • é doutor em Direito Administrativo, mestre em Direito e políticas públicas, ex-procurador do estado do Amapá, bacharel em administração e sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).

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