Golpismo em Brasília

Por crime multitudinário, primeiro réu do 8 de janeiro é condenado a 17 anos

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14 de setembro de 2023, 12h51

Em crimes multitudinários, cometidos de modo coletivo, todos devem responder pelo resultado comum, ainda que não seja possível apurar as condutas de modo individualizado. Com base nesse entendimento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal condenou nesta quinta-feira (14/9) Aécio Lúcio Costa Pereira a 17 anos por participação nos atos de 8 de janeiro. 

Tiago Angelo/ConJur
Supremo começou a julgar ações
penais de envolvidos no 8 de janeiro
Tiago Angelo/ConJur

Trata-se do primeiro julgamento contra um réu por participação no ato golpista, em que manifestantes bolsonaristas insatisfeitos com o resultado das eleições de 2022 invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes pedindo intervenção militar no país.

O réu tem 51 anos, integra o grupo "patriotas" e se deslocou até Brasília para participar dos acampamentos em frente ao Quartel General do Exército e dos atos do 8 de janeiro. Ele invadiu o Plenário do Senado e gravou vídeos incentivando outros manifestantes e defendendo uma intervenção militar. 

Foi condenado pelos crimes de associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. 

Venceu o voto do ministro Alexandre de Moraes, relator do caso. Ele fixou pena de 15 anos e seis meses de reclusão, a ser cumprida em regime fechado, e de um ano e seis meses de detenção, a ser cumprida posteriormente e em regime inicial aberto. O réu também foi condenado ao pagamento de multa de aproximadamente R$ 44 mil e ao pagamento solidário de R$ 30 milhões por dano moral coletivo. 

Segundo Alexandre, houve o cometimento dos chamados "crimes multitudinários", que são consumados de modo coletivo, a exemplo de linchamentos e brigas envolvendo torcidas de futebol. Em casos assim, afirmou ele, não é necessário descrever condutas individualizadas, uma vez que todos os participantes respondem pelo resultado do crime. 

"Razão assiste ao MP ao afirmar que esses crimes são multitudinários e que em crimes dessa natureza a individualização detalhada das condutas encontra barreiras intransponíveis pela própria caracterização da conduta. Não resta dúvidas de que todos os crimes multitudinários contribuíram com o resultado, já que se tratava de uma ação conjunta perpetrada por inúmeros agentes e destinada a um devido fim", afirmou o ministro. 

Nelson Jr./SCO/STF
Relator do caso, Alexandre de Moraes ironizou alegações de que o 8 de janeiro foi pacífico
Nelson Jr./SCO/STF

Alexandre rejeitou o argumento defensivo de que o réu, embora tenha entrado no Senado, não participou de atos de violência e de depredação. Isso porque, segundo o ministro, a própria invasão da Esplanada dos Ministérios, depois da Praça dos Três Poderes e, por fim, do Congresso, do Supremo e do Palácio do Planalto já constitui crime. Ele também ironizou o argumento de que havia manifestantes pacíficos dentro das sedes do Legislativo, do Judiciário e do Executivo.

"As pessoas vieram, pegaram um tíquete como fazem no Hopi Hari, em São Paulo, ou na Disney, (e disseram) 'agora vamos invadir o Supremo e vamos quebrar uma coisinha aqui, agora vamos invadir o Senado, vamos invadir o Palácio do Planalto, agora vamos orar da cadeira do presidente do Senado'. O terraplanismo e o negacionismo obscuro de algumas pessoas faz parecer que no dia 8 de janeiro tivemos um domingo no parque", disse o magistrado. 

"Não houve nada de pacífico nesse dia, até porque a tentativa de morte da democracia não é pacífica e foi um ato violentíssimo o que ocorreu no dia 8 de janeiro. Foi um ato violento contra o Estado democrático de Direito", prosseguiu. 

Segundo o ministro, há uma série de indícios de que havia divisão de tarefas entre os participantes, que alguns estavam armados e que pretendiam, por meio da invasão e depredação dos prédios, instigar as Forças Armadas, em especial o Exército, a aderir a um golpe de Estado. 

"Não existe aqui liberdade de manifestação para atentar contra a democracia, pedir a volta da tortura, para pedir a morte dos inimigos políticos, os comunistas, e para pedir intervenção militar. Isso é crime. Houve a entrada criminosa e golpista em um prédio onde havia bloqueios, em dinâmica de vandalismo e violência, com ações organizadas que se estenderam muito além do ingresso no edifício e não houve recuo, porque o objetivo era claro: obter uma intervenção militar, conseguir o golpe de Estado e derrubar o governo democraticamente eleito", disse Alexandre.

Todos os ministros votaram pela condenação, mas com penas diferentes. Seguiram Alexandre quanto à condenação por 17 anos os ministros Edson Fachin, Dias Toffoli, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber. 

A denúncia analisada pelo Supremo foi apresentada pela Procuradoria-Geral da República. A defesa do réu foi feita com base no argumento de que a acusação não fez a individualização das condutas. 

O caso foi colocado na pauta do tribunal junto com outras três denúncias contra acusados de invadir e depredar as sedes dos Três Poderes. As demais ações penais estão na pauta da sessão desta quinta-feira e serão analisadas na parte da tarde.

Divergência e demais votos
O julgamento começou na quarta-feira (13/9) com os votos do relator e do ministro Nunes Marques. Foi retomado nesta quinta-feira com os demais votos. 

Nunes Marques propôs pena de dois anos e seis meses pelo cometimento dos crimes de dano qualificado e deterioração de patrimônio. Ele divergiu, no entanto, quanto aos crimes de associação criminosa, golpe de Estado e abolição violenta do Estado democrático de Direito. 

Felipe Sampaio/STF
Nunes Marques votou por condenar o réu em dois crimes, divergindo do relator
Felipe Sampaio/STF

Segundo Nunes Marques, para a ocorrência do crime de abolição violenta do Estado democrático de Direito, seria necessário que a conduta do réu pudesse levar, de modo concreto, a uma ruptura. 

"Torna-se necessário para o cometimento do crime em análise que a conduta tenha ao menos o potencial de produzir no plano concreto o resultado pretendido, ainda que não venha a ocorrer, uma vez que o verbo núcleo do tipo é 'tentar' abolir o Estado democrático de Direito."

Na sessão desta quinta votaram Cristiano Zanin, André Mendonça, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber. 

Zanin, assim como Alexandre, votou para condenar o réu por cinco crimes, mas propôs pena de 15 anos. Ele concordou com o relator quanto à ocorrência de um crime praticado por multidão. 

“Estamos a falar de crime praticado por multidão em tumulto para deposição de governo legitimamente eleito e para aniquilar o Estado Democrático de Direito, além de outras práticas criminosas. Em crimes multitudinários, todos devem responder pelo resultado comum”, afirmou. 

Mendonça votou pela condenação por quatro crimes: divergindo parcialmente de Alexandre, absolveu o réu do crime de golpe de Estado por entender que a abolição violenta do Estado Democrático de Direito já pressupõe a tentativa de golpe. Assim, um crime absorveria o outro. 

“Toda tentativa de golpe pressupõe a tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito. Dentro dessa perspectiva, entendo que se aplica o princípio da consunção ou absorção”, afirmou. 

Ele propôs pena de 8 anos. Barroso entendeu da mesma forma, mas propôs pena maior, de 10 anos de reclusão e um ano e seis meses de detenção. 

Fellipe Sampaio /SCO/STF
Rosa encerrou a sessão afirmando que o 8 de janeiro foi um "dia da infâmia"

Ao encerrar a sessão, a ministra Rosa Weber, presidente do Tribunal, afirmou, que o 8 de janeiro não teve nada de um "domingo no parque". 

"Foi um domingo de devastação e um dia da infâmia. Um domingo de devastação do patrimônio físico e cultural do povo brasileiro e perpetrada por uma turba que, com total desprezo pela coisa pública, invadiu esses prédios históricos da Praça dos Três Poderes, coração da capital do nosso país", disse. 

Segundo a ministra, não se pode desconhecer nem minimizar "o incalculável poder antissocial e desagregador emergente de multidões inflamadas pelo ódio e pela cólera". 

Por fim, a ministra afirmou, em referência ao filósofo austríaco Karl Popper, que uma sociedade tolerante não deve tolerar a intolerância. 

"Os crimes multitudinários envolvem, por definição, esses crimes cometidos em massa. As dificuldades observadas para detalhar a conduta de cada um dessa multidão não pode conduzir à letargia dos órgãos responsáveis pela persecução penal sob pena de eventos criminosos extremamente graves e potencialmente disruptivos tornarem-se, na prática, imunes à jurisdição criminal do Estado", prosseguiu.

AP 1.060

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