Golpismo em Brasília

Alexandre vota para condenar primeiro réu do 8 de janeiro a 17 anos

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13 de setembro de 2023, 18h57

A Constituição Federal não permite a propagação de ideias golpistas e contrárias à ordem constitucional e ao Estado democrático de Direito, tampouco de manifestações públicas ilícitas visando à ruptura da ordem democrática por meio da instalação do arbítrio. E não é possível atentar violentamente contra os Três Poderes, impedindo ou tentando constrangê-los a não exercer as suas funções.

Tiago Angelo/ConJur
Supremo começou a julgar ações
penais de envolvidos no 8 de janeiro
Tiago Angelo/ConJur

Com base nesse entendimento, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, votou nesta quarta-feira (13/9) para condenar Aécio Lúcio Costa Pereira a uma pena de 17 anos por participação nos atos de 8 de janeiro. Alexandre também fixou o pagamento de cerca de R$ 44 mil em multa e de R$ 30 milhões a título de danos morais coletivos, valor a ser pago solidariamente.

Trata-se do primeiro julgamento contra um réu por participação nos atos de 8 de janeiro, quando manifestantes bolsonaristas insatisfeitos com o resultado das eleições de 2022 invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes pedindo intervenção militar no país.

O ministro Kassio Nunes Marques, revisor do caso, votou na sequência, propondo uma pena de dois anos e seis meses, em regime inicial aberto. O caso foi suspenso e será retomado na sessão extraordinária desta quinta-feira (14/9). 

Alexandre propôs pena de 15 anos e seis meses de reclusão, a ser cumprida em regime fechado, e de um ano e seis meses de detenção, a ser cumprida posteriormente e em regime inicial aberto.

O réu tem 51 anos, integra o grupo "patriotas" e se deslocou até Brasília para participar dos acampamentos em frente ao Quartel General do Exército e dos atos do 8 de janeiro. Ele invadiu o Plenário do Senado e gravou vídeos incentivando outros manifestantes e defendendo uma intervenção militar. 

Segundo Alexandre, houve o cometimento dos chamados "crimes multitudinários", que são consumados de modo coletivo, a exemplo de linchamentos e brigas envolvendo torcidas de futebol. Em casos assim, afirmou ele, não é necessário descrever condutas individualizadas, uma vez que todos os participantes respondem pelo resultado do crime. 

"Razão assiste ao MP ao afirmar que esses crimes são multitudinários e que em crimes dessa natureza a individualização detalhada das condutas encontra barreiras intransponíveis pela própria caracterização da conduta. Não resta dúvidas de que todos os crimes multitudinários contribuíram com o resultado, já que se tratava de uma ação conjunta perpetrada por inúmeros agentes e destinados a um devido fim", afirmou o ministro. 

Alexandre rejeitou o argumento defensivo de que o réu, embora tenha entrado no Senado, não participou de atos de violência e de depredação. Isso porque, segundo o ministro, a própria invasão da Esplanada dos Ministérios, depois da Praça dos Três Poderes e, por fim, do Congresso, do Supremo e do Palácio do Planalto já constitui crime. Ele também ironizou o argumento de que havia manifestantes pacíficos dentro das sedes do Legislativo, do Judiciário e do Executivo.

"As pessoas vieram, pegaram um tíquete como fazem no Hopi Hari, em São Paulo, ou na Disney, (e disseram) 'agora vamos invadir o Supremo e vamos quebrar uma coisinha aqui, agora vamos invadir o Senado, vamos invadir o Palácio do Planalto, agora vamos orar da cadeira do presidente do Senado'. O terraplanismo e o negacionismo obscuro de algumas pessoas faz parecer que no dia 8 de janeiro tivemos um domingo no parque", disse o magistrado. 

"Não houve nada de pacífico nesse dia, até porque a tentativa de morte da democracia não é pacífica e foi um ato violentíssimo o que ocorreu no dia 8 de janeiro. Foi um ato violento contra o Estado democrático de Direito", prosseguiu. 

Segundo o ministro, há uma série de indícios de que havia divisão de tarefas entre os participantes, que alguns estavam armados e que pretendiam, por meio da invasão e depredação dos prédios, instigar as Forças Armadas, em especial o Exército, a aderir a um golpe de Estado. 

"Não existe aqui liberdade de manifestação para atentar contra a democracia, pedir a volta da tortura, para pedir a morte dos inimigos políticos, os comunistas, e para pedir intervenção militar. Isso é crime. Houve a entrada criminosa e golpista em um prédio onde havia bloqueios, em dinâmica de vandalismo e violência, com ações organizadas que se estenderam muito além do ingresso no edifício e não houve recuo, porque o objetivo era claro: obter uma intervenção militar, conseguir o golpe de Estado e derrubar o governo democraticamente eleito", disse Alexandre.

Divergência
Segundo a votar na sessão desta quarta, o ministro Nunes Marques propôs pena de dois anos e seis meses pelo cometimento dos crimes de dano qualificado e deterioração de patrimônio. Ele divergiu, no entanto, quanto aos crimes de associação criminosa, golpe de Estado e abolição violenta do Estado democrático de Direito. 

Segundo Nunes Marques, para a ocorrência do crime de abolição violenta do Estado democrático de Direito, seria necessário que a conduta do réu pudesse levar, de modo concreto, a uma ruptura. 

"Torna-se necessário para o cometimento do crime em análise que a conduta tenha ao menos o potencial de produzir no plano concreto o resultado pretendido, ainda que não venha a ocorrer, uma vez que o verbo núcleo do tipo é 'tentar' abolir o Estado democrático de Direito."

Ainda segundo ele, não houve violência direta contra representantes dos poderes, porque os atos ocorreram num domingo e durante o recesso do Judiciário e do Legislativo. 

"As lamentáveis manifestações de 8 de janeiro, apesar da gravidade, não tiveram o alcance de consistir em uma tentativa de abolir o Estado de Direito. Os atos de vandalismo com o objetivo de desencadear uma intervenção militar constituíram, segundo penso, expediente inapto ao alcance do objetivo almejado pelos manifestantes, porque as Forças Armadas jamais sinalizaram adesão aos objetivos ilícitos dos manifestantes."

A denúncia analisada pelo Supremo foi apresentada pela Procuradoria-Geral da República. A defesa do réu foi feita com base no argumento de que a acusação não fez a individualização das condutas. 

O caso foi colocado na pauta do tribunal junto com outras três denúncias contra acusados de invadir e depredar as sedes dos Três Poderes. Os demais casos estão na pauta da sessão de quinta-feira (14/9). 

AP 1.060

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