direito líquido e certo

É possível contestar arquivamento de caso de violência doméstica, decide STJ

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5 de setembro de 2023, 13h47

Em hipóteses excepcionalíssimas, nas quais há flagrante violação a direito líquido e certo da vítima, como em casos envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher, é possível contestar a decisão judicial que arquiva inquérito criminal a pedido do Ministério Público.

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Arquivamento foi pedido pela promotoria por entender que acervo probatório seria frágil para manter inquérito em andamento
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Com esse entendimento, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento a recurso em mandado de segurança para determinar que a Procuradoria-geral de Justiça de São Paulo analise a necessidade de prosseguir investigando um caso de lesão corporal.

O caso trata de uma mulher vítima de agressão pelo namorado. A Promotoria de Justiça entendeu que o acervo probatório do caso é frágil: há versões conflitantes sobre o ocorrido, a dinâmica dos fatos não estava estabelecida e laudos periciais de ambas as partes apontaram lesões corporais.

Assim, o Ministério Público requereu o arquivamento, que foi deferido pelo juízo. Por ausência de previsão legal, a jurisprudência majoritária do STJ firmou posição no sentido de que essa decisão é irrecorrível, sendo alterada apenas em situações excepcionalíssimas.

A vítima pediu reconsideração ao juízo da causa e apresentou novos documentos, mas teve o pedido indeferido. Depois, pediu remessa dos autos para revisão do arquivamento pelo Procurador-Geral de Justiça, o que foi igualmente negado.

Restou ajuizar mandado de segurança, instrumento que serve proteger direito líquido e certo que tenha sido violado por ato ilegal ou abusivo de autoridade pública. O Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu que o uso do remédio para rever o arquivamento não seria viável.

Relatora na 6ª Turma, a ministra Laurita Vaz identificou no caso excepcionalidade apta a permitir a concessão da segurança. Especialmente por se tratar de crime envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher, cuja proteção é reforçada por tratados e normas internacionais.

Seu voto destacou decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos censurando o Brasil por não fazer controle efetivo da investigação (Favela Nova Brasilia v. Brasil) e pela ineficácia judicial frente a casos individuais de violência contra as mulheres, que propicia ambiente de impunidade (Barbosa de Souza e outros v. Brasil).

Para a ministra Laurita Vaz, a palavra segura da vítima, aliada à existência de laudo pericial, indicam que caberia ao órgão investigador realizar novas diligências que poderiam melhor esclarecer a situação. Para ela, o arquivamento se mostrou prematuro e insustentável.

"A vítima buscou, perante o Juízo de origem, reverter a decisão de arquivamento, inclusive apresentando esclarecimentos adicionais, novos documentos e rol de testemunhas. Porém, tanto a Promotoria de Justiça quanto o Juízo de origem não lhe deram a necessária atenção", avaliou a relatora.

A conclusão é de que a decisão que homologou o arquivamento do inquérito foi proferida sem a verificação da devida diligência na investigação e com inobservância de aspectos básicos do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça.

O voto da relatora ainda aponta que a concessão da segurança não confere nenhum juízo sobre a veracidade ou não da narrativa apresentada pela vítima, pois isso competirá às instâncias ordinárias, no curso do devido processo legal.

"Constata-se, apenas, que a palavra de pessoa que se apresenta como vítima de violência doméstica contra a mulher deve ser examinada com a seriedade e a diligência compatíveis com os estândares nacionais e internacionais próprios da investigação deste tipo de delito, o que não foi observado no caso em apreço", afirmou.

RMS 70.338

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