Opinião

Notas sobre a sustentação oral pelas defesas de golpistas do 8 de Janeiro

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12 de outubro de 2023, 19h22

A Ordem dos Advogados do Brasil tratou, em encontro com o ministro Alexandre de Moraes, da necessidade do julgamento presencial no Supremo Tribunal Federal. Participaram o presidente da OAB, Beto Simonetti, e representantes das ordens estaduais, entre os quais cabe destacar Marcelo Oliveira, representando o presidente Luciano Bandeira, da Seccional do Rio de Janeiro. É notório que o assunto está na ordem do dia, sobretudo em razão dos casos que estão sendo julgados pelo Supremo sobre a tentativa de golpe ocorrida no último dia 8 de janeiro.

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O advogado criminalista Fernando Augusto Fernandes

Deve-se ao STF, bem como ao Tribunal Superior Eleitoral, a defesa efetiva da democracia ante o cenário de tentativas de erosão do Estado Democrático de Direito. Isso não apaga a necessidade de não repetir erros que levaram aos ataques democráticos e de aperfeiçoar de nossas instituições.

As penas aplicadas pelo Supremo aos golpistas, que à primeira vista parecem severas, na verdade são comedidas, em razão do quantum da pena para cada um dos crimes pelos quais foram condenados os golpistas do 8 de janeiro, quais sejam: abolição violenta do Estado Democrático de Direito (4 a 8 anos), golpe de Estado (4 a 12 anos), dano qualificado (6 meses a 3 anos), destruição de patrimônio (1 a 3 anos), e associação criminosa (1 a 3 anos).

Evidente que críticas doutrinárias podem ser feitas quanto à absorção de crimes, mas essas não mudam muito o resultado e não podem nos levar a ser lenientes quanto à grave tentativa de ruptura do Estado de Direito. Mesmo quanto à própria competência do STF, que se faz em razão de conexão com outros processos, mas que se superada no futuro tal conexão, ao contrário do que muitos esperam, sequer seria um procedimento na Justiça Estadual, isso porque trata-se de processo por crime político, que tem previsão no artigo 102, inciso II, alínea "b", da Constituição Federal, e que segue a regra de julgamento em primeira instância por juízo federal e recurso diretamente ao Supremo Tribunal Federal via recurso ordinário constitucional, como abordei em artigo nesa ConJur.

Quanto às lastimáveis sustentações perante o julgamento no STF, não é possível permitir os desvio da profissão realizados por determinados advogados na tribuna da mais alta corte do país, onde, se utilizando dos poderes de seus clientes, proferiram discursos contra o tribunal; e até mesmo com ataques pessoais a ministros, o que configura uma continuidade dos atos golpistas.

É sabido que o juiz tem poder de polícia nas audiências, para os fins de manter a ordem e decoro nas audiências (artigo 360 CPC), assim como para manter a regularidade do processo (artigo 251, CPP), e especificamente no STF o regimento interno da corte dá ao presidente o poder de dirigir o Plenário (artigo 143).

Em que pese ter sido louvável a paciência dos ministros e da presidência da Suprema Corte, ao permitir as sustentações transcorrerem sem interrupção mesmo diante de desacatos, é necessário que o advogado que deixa de realizar defesa técnica na tribuna seja interrompido pelo presidente da corte e que sua palavra seja cassada. Além disso, que seja, após esses atos, devidamente punido pela Ordem dos Advogados do Brasil. A falta de punição é um desvalor à alta classe da advocacia prestigiada no artigo 133 da Constituição Federal.

O advogado deve ter elegância e ética na militância perante a Suprema Corte. O Código de Ética exige "preservar, em sua conduta, a honra, nobreza e a dignidade da profissão", o dever de "urbanidade" impondo "lhaneza, emprego de linguagem escorreita e polida". Isso para exercer com plena liberdade as imunidades que lhes são conferidas para a independência na tribuna.

Nesse sentido, cabe ao presidente do Supremo Tribunal Federal a interrupção, ou seja, não permitir que se desvie o advogado a sustentar da função de utilizar o tempo para defender seu cliente.

Recentemente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou o fato de os votos dos ministros serem de conhecimento público. Nesse ponto, equivocou-se em uma mera opinião, eis que o artigo 93, inciso IX, da Constituição, garante que as decisões serão fundamentadas e públicas. Nesta ConJur já tratei sobre a inconstitucionalidade do julgamento virtual. Sobre o tema, há relevante artigo no livro em homenagem ao ministro Luiz Fux, da lavra do professor e desembargador José Muiños Piñeiro Filho, intitulado "A Inconstitucionalidade dos Julgamentos Eletrônicos e/ou Virtuais de Apelações Criminais por Afronta ao Princípio da Publicidade" [1]. Mais ainda, em prestação jurisdicional, o mesmo José Muiños entendeu que em matéria penal, e em razão do direito de sustentação oral, são inconstitucionais os chamados julgamentos eletrônicos (TJ-RJ, Ap. 0001378-72.2014.8.19.0041, rel. des. José Muiños Piñero Filho, j. 24/3/2020)

De fato, os julgamentos telepresenciais foram um grande avanço na democratização do acesso ao Poder Judiciário, e é possível admitir-se como razoável a realização de julgamentos virtuais quando com concordância das partes. Estes só são democráticos se tiverem a concordância de todas as defesas. Isso porque o julgamento virtual compromete a sustentação oral, que é, aliás, direito que foi ampliado pelo Estatuto da Ordem dos Advogados, em conformidade com o artigo §2-B do artigo 7ª da Lei 8.906/94, para estabelecer a possibilidade de sustentação inclusive em recurso interposto contra decisão monocrática de relator que julgar o mérito de recursos.

No entanto, não é de se admitir o uso indevido e desviante da sustentação oral, como ocorreu no julgamento de golpistas. Especialmente, é preciso que o Supremo zele para que esses abusos cometidos por advogados não criem precedentes de cerceamento a palavra.

A sustentação faz parte do que a Constituição chama de devido processo legal com todo os "recursos" mencionados no artigo 5º, inciso LV da Constituição, ao afirmar que aos litigantes é assegurado o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerente

Não é à toa que mesmo no tribunal de segurança nacional, em 1937, era garantida a sustentação, e mesmo na ditadura foi garantida a sustentação oral, que foi conduzida por grandes advogados. Vale mencionar, nesse ponto, o projeto Voz Humana (originado do livro Voz Humana), que iniciou se dedicando às sustentações orais dos advogados, mas que hoje acolhe também a íntegra dos julgamentos secretos do Superior Tribunal Militar durante a ditadura de 64, obtidos por meio de decisões obtidas no Supremo Tribunal Federal.

Talvez seja o momento de o Supremo repensar o televisionamento ao vivo de julgamentos na Suprema Corte. O não televisionamento ao vivo dos julgamentos da Suprema Corte não afeta o artigo 93, IX, da Constituição Federal, porque as gravações ficam disponíveis e os votos são publicados. Quanto à preocupação colocada pela presidente da república dos conflitos quanto aos votos dos ministros, é preciso repensar a exposição midiática dos ministros da suprema corte de corrente superexposição. O Direito Penal está no centro da atividade política, seja pela judicialização da política, seja por uma utilização midiática de que o Direito Penal seria a solução para todos os males. Processos vendem notícia em jornal. Há uma utilização da imagem dos ministros pela mídia valorizando o espaço publicitário das notícias.

Portanto, cabe manifestar que o julgamento presencial, com direito a sustentação oral, mas sem a permissão de desvios da atividade da advocacia no exercício do múnus público da defesa, é garantido pela Constituição e deve ser garantido pelo Supremo Tribunal Federal. Isso se torna mais relevante quando o mais novo ministro da Suprema Corte, Cristiano Zanin, advém da advocacia e lá ingressou por sua trajetória na defesa. E, como tenho repetido, os grandes ministros sempre ocuparam as tribunas de defesa, porque são ao fim oriundos da nobre classe da advocacia.

 


[1] PIÑERO FILHO, José Muiños. A inconstitucionalidade dos julgamentos eletrônicos e/ou virtuais de apelações criminais por afronta ao princípio da publicidade. In: O novo processo civil brasileiro. Temas relevantes – estudos em homenagem ao professor, jurista e ministro Luiz Fux, vol. 3. ALVIM, Teresa Arruda (et al). São Paulo: Editora G|Z, 2020, p. 155.

Autores

  • é pesquisador, advogado, doutor em Ciências Políticas (UFF), mestre em Criminologia e Direiro Penal (Ucam), presidente do Instituto Tristão Fernandes e diretor do IDD8 (Instituto de Defesa da Democracia 8 de Janeiro).

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