Poder da palavra

STJ incentiva colaborações em caso de tráfico, mas deve consolidar entendimento

Autor

3 de outubro de 2023, 18h53

Ao decidir que os requisitos do artigo 41 da Lei de Drogas (11.343/2006) — colaboração para identificar coautores e para recuperar o produto do crime — são alternativos, e não cumulativos, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça abriu caminho para uma maior aplicação do instituto.

Marcello Casal JrAgência Brasil
Marcello Casal Jr/Agência BrasilPara especialistas, alternativa para consolidar entendimento passa por elaboração de Súmula da 3ª Seção do STJ

Pela decisão, tomada em 12 de setembro, o réu por tráfico que apenas auxiliar as autoridades na apreensão da droga, mas sem apontar coautores do crime, por exemplo, faz jus à redução da pena prevista no dispositivo, que vai de um a dois terços.

Especialistas ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico celebram o entendimento, mas apontam que a corte precisa, de alguma forma, consolidá-lo para que seja adotado desde o princípio, nas instâncias ordinárias. Das possibilidades apontadas por especialistas estão a elaboração de uma súmula ou que a 5ª Turma da corte tenha entendimento semelhante. Entre os pontos positivos, segundo os criminalistas, estão o prestígio à boa-fé dos réus, que, por muitas vezes, é ignorada durante os julgamentos. 

Lucas Pricken/STJ
Lucas Pricken/STJMinistro Schietti disse que a interpretação gramatical literal de uma lei nem sempre é adequada para extrair a norma jurídica pertinente

Colaboração benéfica
Doutor e mestre em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Matheus Falivene diz que o entendimento pode fomentar o uso da colaboração em casos de tráfico, o que não é comum hoje pelo fato de possíveis retaliações de organizações criminosas. Mas o especialista acredita que o STJ deveria elaborar uma súmula sobre a questão para evitar modificações da interpretação.

"A criação de uma jurisprudência firme no sentido de que o acusado deve ser beneficiado quando auxiliar na identificação dos demais coautores ou na apreensão do objeto do crime pode fomentar a utilização do instituto. Caso o entendimento do STJ sobre o tema seja pacificado, o ideal é que seja elaborado o enunciado de uma súmula sobre a questão da alternatividade, o que não deixaria mais margem para a modificação da interpretação, que é benéfica aos acusados."

O criminalista Felipe Cassimiro segue a mesma linha ao ponderar que a matéria deveria ter sido afetada à 3ª Seção do STJ. O objetivo, segundo ele, seria gerar um efeito vinculante mais significativo às instâncias ordinárias. "Por se tratar de um entendimento exarado por uma das duas turmas criminais do STJ, o fato de a outra (5ª Turma) não ter, pelo menos por ora, se pronunciado com igual eco sobre a colaboração, faz com que, por exemplo, alguns magistrados se recusem a reduzir a pena do agente em tais circunstâncias. Nada obstante, emana do julgado em questão um importante passo para a jurisdição criminal."

Elogiando a decisão, o criminalista Anderson Domingues pontua que, quando o réu renuncia o seu direito ao silêncio (artigo 5, LXIII, da CF) — e rompe com o pacto de omertá — , cria uma expectativa legítima de que será agraciado com a diminuição prevista na Lei de Drogas. O especialista também cita o instituto da "reserva mental", quando inexiste a efetiva concordância entre a vontade interna e a declarada (externa) do réu, com a intenção de enganar a outra parte do negócio jurídico.

"A decisão guiada pelo ministro Rogerio Schietti privilegia os princípios da lealdade e da boa-fé que também vigoram no processo penal. Ponto importante — e que gerará divergência na jurisprudência —, diz respeito às hipóteses de 'reserva mental'. Ainda que sabendo onde estão os comparsas e a localização dos demais entorpecentes, será merecedor da benesse o acusado que só informar uma das situações? O ministro entendeu que sim. A manutenção da ratio ou o seu temperamento ficará a cargo de ulteriores decisões da Corte, que vão amadurecer o tema."

O advogado Bruno Cavalcante Dezidério de Carvalho destaca que, antes da decisão da 6ª Turma do STJ, a boa-fé dos réus (temática pouco explorada no âmbito penal) somente era prestigiada para subsidiar a própria condenação. Agora, o criminalista espera que o novo entendimento seja rapidamente aplicado em instâncias inferiores.

"Em função do sistema de precedentes trazido, sobretudo, pelo Código de Processo Civil (2015), é de suma importância que as instâncias ordinárias apliquem a ratio estatuída nos processos em curso, sob pena de desvirtuamento do próprio sistema de justiça que conta com o STJ para dar unidade à interpretação da legislação federal pátria. Desse modo, o acusado que delatar seus comparsas e/ou informar o local onde mais entorpecentes possam ser encontrados terá direito subjetivo à causa de diminuição da pena. Eventual cumulação dos requisitos influenciará na fração da diminuição a ser aplicada, e não na sua concessão."

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!