Opinião

Lavagem de dinheiro: a importância da infração prévia

Autores

  • André Luís Callegari

    é advogado criminalista pós-doutor em Direito Penal pela Universidad Autónoma de Madrid professor de Direito Penal no IDP-Brasília sócio do Callegari Advocacia Criminal e parecerista especialista em lavagem de dinheiro.

  • Raul Marques Linhares

    é advogado criminalista doutorando e mestre em Direito Público sócio do Ritter Linhares Advocacia Criminal e Consultoria e parecerista especialista em lavagem de dinheiro.

3 de outubro de 2023, 6h03

A atuação em processos criminais envolvendo acusações de prática do crime de lavagem de dinheiro tem demonstrado que esse delito costuma ser interpretado preponderantemente a partir da conduta objetiva, quando potencialmente voltada à ocultação ou dissimulação de características de um patrimônio (natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade). Pouca atenção tem sido direcionada à infração penal antecedente, também requisito indispensável do crime de lavagem, fato que conduz a denúncias por fatos atípicos.

Exemplo corriqueiro dessa problemática é o caso do agente que, investigado pela possível prática de crime de natureza diversa, fraudulentamente transfere imóveis a terceiros — ou seja, o agente continua sendo proprietário de fato dos imóveis, e os terceiros apenas assumem a condição de proprietários fictícios ("laranjas").

Spacca
Criminalista André Callegari

Conquanto, objetivamente, seja essa uma conduta compatível com um ato de lavagem, e, portanto, adequada ao tipo penal (na medida em que há a ocultação da real propriedade de bens por meio da utilização de "laranjas"), não deve tal conduta ser suficiente para uma acusação por lavagem de dinheiro. É ainda necessário avaliar a existência de infração penal prévia, com as peculiaridades que muitas vezes são ignoradas.

Uma dessas peculiaridades é de ordem cronológica: a infração penal antecedente deve ser anterior não só à transação fraudulenta, mas também à data de aquisição do patrimônio pelo agente, além de com tal aquisição possuir relação. Afinal, a lavagem se configura com a gestão fraudulenta especificamente dos ativos obtidos (direta ou indiretamente) com a prática da infração penal antecedente.

No exemplo acima, se, ao tempo da prática da infração "prévia", o agente já possuía os imóveis, não há como se pensar em crime de lavagem, mesmo que posteriormente transferidos tais imóveis a "laranjas", e isso por uma simples razão extraída do próprio tipo penal da Lei nº 9.613/1998: os imóveis não seriam "provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal", já que a infração penal teria sido praticada em data posterior à incorporação desses bens ao conjunto patrimonial do agente.

Outra peculiaridade, também por vezes ignorada, é que não importa a data da conduta da infração penal para determinação de sua "antecedência"; importa a data de geração de ativos ilícitos. No exemplo do crime de concussão, não se deve considerar a data em que o funcionário público exigiu vantagem econômica (data de consumação do crime de concussão), mas a data em que recebeu tal vantagem (além de, posteriormente, se avaliar se foi essa vantagem o objeto de movimentações fraudulentas).

É necessário, portanto, que se promova uma análise global do tipo penal de lavagem de dinheiro, não se ignorando a importância da infração penal antecedente para a sua configuração, em conjunto com o exame da conduta objetiva do agente e os demais elementos do crime.

Autores

  • é advogado criminalista, pós-doutor em Direito Penal pela Universidad Autónoma de Madrid, professor de Direito Penal no IDP-Brasília, sócio do Callegari Advocacia Criminal e parecerista especialista em lavagem de dinheiro.

  • é advogado criminalista, doutorando e mestre em Direito Público, sócio do Ritter Linhares Advocacia Criminal e Consultoria e parecerista especialista em lavagem de dinheiro.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!