Lavagem de dinheiro: a importância da infração prévia
3 de outubro de 2023, 6h03
A atuação em processos criminais envolvendo acusações de prática do crime de lavagem de dinheiro tem demonstrado que esse delito costuma ser interpretado preponderantemente a partir da conduta objetiva, quando potencialmente voltada à ocultação ou dissimulação de características de um patrimônio (natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade). Pouca atenção tem sido direcionada à infração penal antecedente, também requisito indispensável do crime de lavagem, fato que conduz a denúncias por fatos atípicos.
Exemplo corriqueiro dessa problemática é o caso do agente que, investigado pela possível prática de crime de natureza diversa, fraudulentamente transfere imóveis a terceiros — ou seja, o agente continua sendo proprietário de fato dos imóveis, e os terceiros apenas assumem a condição de proprietários fictícios ("laranjas").
Conquanto, objetivamente, seja essa uma conduta compatível com um ato de lavagem, e, portanto, adequada ao tipo penal (na medida em que há a ocultação da real propriedade de bens por meio da utilização de "laranjas"), não deve tal conduta ser suficiente para uma acusação por lavagem de dinheiro. É ainda necessário avaliar a existência de infração penal prévia, com as peculiaridades que muitas vezes são ignoradas.
Uma dessas peculiaridades é de ordem cronológica: a infração penal antecedente deve ser anterior não só à transação fraudulenta, mas também à data de aquisição do patrimônio pelo agente, além de com tal aquisição possuir relação. Afinal, a lavagem se configura com a gestão fraudulenta especificamente dos ativos obtidos (direta ou indiretamente) com a prática da infração penal antecedente.
No exemplo acima, se, ao tempo da prática da infração "prévia", o agente já possuía os imóveis, não há como se pensar em crime de lavagem, mesmo que posteriormente transferidos tais imóveis a "laranjas", e isso por uma simples razão extraída do próprio tipo penal da Lei nº 9.613/1998: os imóveis não seriam "provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal", já que a infração penal teria sido praticada em data posterior à incorporação desses bens ao conjunto patrimonial do agente.
Outra peculiaridade, também por vezes ignorada, é que não importa a data da conduta da infração penal para determinação de sua "antecedência"; importa a data de geração de ativos ilícitos. No exemplo do crime de concussão, não se deve considerar a data em que o funcionário público exigiu vantagem econômica (data de consumação do crime de concussão), mas a data em que recebeu tal vantagem (além de, posteriormente, se avaliar se foi essa vantagem o objeto de movimentações fraudulentas).
É necessário, portanto, que se promova uma análise global do tipo penal de lavagem de dinheiro, não se ignorando a importância da infração penal antecedente para a sua configuração, em conjunto com o exame da conduta objetiva do agente e os demais elementos do crime.
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!