Opinião

O maior maciço florestal da região metropolitana de SP ainda nas mãos da Sabesp

Autores

  • Thiago Donnini

    é advogado mestre em direito do estado (PUC/SP) e foi assessor da Secretaria Municipal do Meio Ambiente de São Paulo.

  • Rafael Ummus

    é biólogo doutor em Ambiente e Sociedade pela Unicamp é consultor e pesquisador em conservação gestão e restauração da biodiversidade.

30 de novembro de 2023, 13h13

O debate sobre a privatização da Sabesp, a companhia de saneamento básico do governo paulista, lança luzes sobre diversos passivos e pendências envolvendo a empresa. Um dos mais antigos é a proteção do patrimônio ambiental e histórico da Reserva Florestal do Morro Grande, área ainda administrada pela empresa e que deveria ter sido transformada em unidade de conservação pública pelo Estado de São Paulo há mais de 40 anos. Com área superior a 10 mil hectares, formada por florestas de altíssima biodiversidade, a reserva vem sendo gradativamente degradada e ameaçada por invasões, queimadas, caça e visitas irregulares.

Ocupando cerca de um terço do território de Cotia e parte de outros municípios, na Grande São Paulo, a área destinada à reserva é maior do que o Parque Estadual da Cantareira. Foi instituída pela Lei Estadual 1.949/79, após intensa disputa travada entre a Assembleia Legislativa e o governo do estado, que, originalmente, pretendia destinar parte do território à construção de um aeroporto, proposta que sofreu muitas resistências da sociedade civil.

Sabesp

A lei de criação da reserva exigia a adoção de um conjunto de providências jurídicas, administrativas e patrimoniais que nunca foram implementadas pelo Estado e pela Sabesp. A isso se somaram as exigências decorrentes da instituição, em 2000, do sistema nacional de unidades de conservação, segundo o qual a reserva deveria ter sido recategorizada para atender aos critérios da Lei Federal 9.985/00 (artigo 55). Mas isso também não aconteceu. O único avanço verificado ao longo dos últimos 44 anos foi o tombamento da área e de seu entorno, ainda no longínquo ano de 1981, por ato do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat).

De fato, o maciço de vegetação e a riqueza da fauna e flora da Reserva do Morro Grande qualificam a sua área dentre as mais relevantes do ponto de vista biológico e paisagístico dentro do bioma Mata Atlântica, como apontou a série de estudos liderados pelo professor Jean Paul Walter Metzger, da USP (Universidade de São Paulo), no começo dos anos 2000. Já uma pesquisa da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), em 2015, pela geógrafa Sueli Thomaziello, indicava que a fragilidade da proteção do entorno da Reserva do Morro Grande poderia comprometer a integridade da área e das imensuráveis funções ecossistêmicas identificadas pela equipe do professor Metzger. 

Como se não bastasse, os mananciais da reserva são responsáveis pelo abastecimento de cerca de 410 mil habitantes dos municípios de Cotia, Embu, Itapecerica da Serra, Embu-Guaçu e Vargem Grande. As represas Pedro Beicht e Cachoeira da Graça, situadas dentro da área, possuem capacidade de armazenamento de cerca de 17 bilhões de litros. E é por estar protegidas pelo maciço de vegetação da reserva que a água ali produzida é a melhor da região metropolitana. A reserva, não por acaso, é o núcleo mais importante da Área de Proteção e Recuperação de Mananciais do Alto Cotia, de acordo com a Lei Estadual 16.568/17, razão pela qual continua sendo administrada pela Sabesp, embora, ainda, sem as medidas básicas para garantir a sua integridade.

A sociedade civil continua se mobilizando por meio de representações a diversos órgãos públicos, apontando riscos que envolvem a área da reserva e de seu entorno. Neste ano, uma articulação de moradores do entorno da reserva pediu uma solução definitiva: a criação do Parque Estadual do Morro Grande, abrangendo toda a área definida pela lei estadual de 1979.  A iniciativa defende a atualização do status jurídico-institucional da área, o que permitirá a implementação de instrumentos de gestão imprescindíveis e urgentes, a exemplo do plano de manejo e da constituição de uma estrutura de governança e de gestão compatíveis com a importância da Reserva. A petição foi enviada ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas do Estado.

No último mês de setembro, um relatório de auditoria do TCE-SP confirmou a omissão e a demora injustificada da Sabesp e do governo do estado em relação ao assunto. Espera-se que seja um passo a reforçar a importância do decreto de instituição do parque, que cabe ao governador do Estado editar, e que poderá fixar um cronograma de ajustes com a empresa, traçando as demais providências para que a área cumpra, finalmente, o seu propósito de conservação.

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