Opinião

O avanço no debate sobre honorários sucumbenciais: adequações do Tema 1.076

Autor

  • João Roberto Machado

    é advogado especialista em Processo Civil pelo IDP (Instituto Brasiliense de Direto Público) diretor-adjunto de Publicações na ABPC (Associação Brasiliense de Processo Civil) membro do Tribunal de Ética da OAB-DF.

26 de novembro de 2023, 6h02

É fato notório que durante a vigência do Código de Processo Civil de 1973 a fixação dos honorários de sucumbência vinha acompanhada de um juízo de valor subjetivo, onde a realidade enfrentada pelas partes, e principalmente seus advogados, era de verificar condenações fundamentadas em juízo de equidade, ignorando a previsão de condenação em percentuais correspondentes ao valor da condenação e/ou valor da causa. Em relação às condenações em honorários de sucumbência vinculados ao proveito econômico, esta sequer era hipótese do Código e surgiu com a evolução da jurisprudência [1].

Vivenciada a elaboração do novo Código, o texto do artigo 85 do CPC vem acompanhado de termos suficientes para restringir a discricionariedade do julgador na fixação dos honorários, mas ainda assim não foi suficiente para impedir a existência de inúmeros julgados aplicando a fixação dos honorários por equidade.

Levada a questão ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), pacificou-se o entendimento quando do julgamento do Tema 1.076, fixando a tese que espelha o conteúdo do texto já existente no CPC, de forma a evitar que juízes apliquem a fixação dos honorários de sucumbência por equidade. Como registrado no voto do ministro relator Og Fernandes, a alteração textual no novo Código foi fruto de um amplo debate no Congresso, principalmente em razão do entendimento dos tribunais em fixar honorários de sucumbência em valores irrisórios, de modo que se figura legítima a edição normativa como forma de limitar a interpretação que vinha sendo dada pelos tribunais. [2]

Ainda depois da fixação da tese é possível se deparar com alguns julgamentos que contrariam o entendimento firmado em sede de julgamento de recurso repetitivo, invocando os mais diversos motivos para deixar de aplicar a tese jurídica ali consolidada. No caso específico do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais,[3] ventilou-se a tese de que o precedente não possuía força vinculante em razão de o seu resultado ser alcançado por maioria simples (7 votos a 5), além da existência de decisões divergentes no âmbito do próprio STJ.

Em paralelo, o assunto ainda continua vivo e passível de alteração em razão do reconhecimento da repercussão geral sobre o tema no RE 1.412.069 (Tema 1255) do Supremo Tribunal Federal (STF), onde será analisada a “possibilidade da fixação dos honorários por apreciação equitativa (artigo 85, § 8º, do Código de Processo Civil) quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem exorbitantes”.

Fixada as premissas do cenário em torno da infindável discussão sobre honorários de sucumbência no Código de Processo Civil, identifica-se necessidade de abertura de uma discussão pós-recurso especial repetitivo e pré-repercurssão geral como forma de resguardar a consolidação da tese firmada pelo Superior Tribunal de Justiça quando do julgamento do Tema 1076: a admissão e correta identificação de exceções que comportem a não incidência da tese vinculante.

O que se verifica do cenário jurisprudencial, além da ampla tese em sentido contrário ao que foi decidido pelo STJ no Tema 1.076, é a inquietude que vive o sistema e a permanência de um desconforto, tanto das partes como dos advogados e magistrados, sobre a aplicação deste entendimento em casos excepcionais que realmente levem a uma situação sem respaldo legal.

Para enfrentar este ponto, é preciso sair do debate material diretamente relacionado à fixação dos honorários de sucumbência e voltarmos a uma visão macro do sistema de precedentes, de modo a relembrar que entre os institutos básicos deste sistema está o distinguishing, como forma de apresentar a distinção entre a tese fixada pelo STJ, e o caso em julgamento, em que cabe ao julgador o ônus de declarar que o direito apresentado no precedente não deve regular a hipótese concreta, sempre acompanhada de uma justificativa ampla como forma de afastar a aplicação dos critérios definidos.[4]

Em suma, é identificar que a existência de uma tese consolidada sobre a fixação dos honorários de sucumbência pelo Superior Tribunal de Justiça não significa a existência de uma verdade absoluta e universal a ser aplicada indistintamente — ainda que esta tese deva ser aplicada na maioria dos casos julgados.

Tratamos, portanto, de reconhecer que a existência da exceção confirma a força do precedente[5] e contribui para a manutenção da regra geral fixada pelo Superior Tribunal de Justiça e sua efetiva aplicação pelas instâncias ordinárias, criando a consciência de que a tese consolidada não é, e não será, injusta e absurda quando da aplicação em casos específicos (e repita-se: apenas específicos), justamente por se tratar da hipótese em que o julgador está autorizado a fazer a distinção e, com a devida e exaustiva fundamentação, deixar de aplicar o entendimento firmado em sede de recurso especial repetitivo. Significa dizer que exceções não servem de argumento para modificar a regra geral fixada, mas justamente para confirmá-la.

Entre os votos vencidos, a ministra Maria Maria Isabel Gallotti Gallotti apresenta situação hipotética — também excepcional — no sentido de que “no curso de execução de elevado valor, poderá haver vários incidentes processuais (ou mesmo ações declaratórias ou revisionais autônomas relativas ao mesmo título de crédito), resolvidos por sucessivas decisões, extinguindo a execução em relação a diferentes garantes ou responsáveis, ou empresas ou sócios alvos de desconsideração de personalidade, culminando, ao cabo de longa tramitação, com a extinção do processo sem satisfação do credor, por alguma irregularidade processual, inexistência de bens, não localização do devedor principal ou prescrição intercorrente, entre vários motivos em tese possíveis, em tese. Nesse caso, o credor insatisfeito acabaria onerado com múltiplas condenações em honorários de sucumbência, todas no percentual mínimo de 10% do valor do crédito frustrado. O risco da execução de sentenças e de títulos de crédito pode ser altíssimo e imprevisível”.

Como se observa, a preocupação levada à discussão é relevante e pertinente, de modo que compreendemos que em relação à este ponto, as teses propostas, ainda que vencidas, possuem espaço de aplicação uma vez que não se confundem diretamente com os principais fundamentos de mérito apresentados naquele julgamento (tais como óbice ao acesso à justiça, desproporcionalidade, enriquecimento sem causa e outros), mas trata da preocupação acerca da verdadeira excepcionalidade de casos que podem levar à uma situação sui generis que exija a não aplicação da tese fixada pelo STJ, sempre mediante a correta distinção em decisão judicial fundamentada.

Como ressaltado, reconhecer a existência de situações excepcionais serve justamente para confirmar a força do precedente oriundo do Tema 1.076, uma vez que este aborda a regra geral na fixação dos honorários de sucumbência. E a preocupação levantada no voto vencido da ministra Maria Isabel Gallotti Galloti é relevante, mas não deve ser encarada como fundamento para a alteração do julgamento, visto que as exceções possuem espaço de discussão mediante a realização do distinguishing sempre no caso concreto.

Luiz Guilherme Marinoni é preciso ao afirmar que “a não adoção do precedente, em virtude do distinguishing, não quer dizer que o precedente está equivocado ou deve ser revogado. Não significa que o precedente constitui bad law, mas somente inapplicable law. A declaração de que o precedente é inaplicável não tem relação com o seu conteúdo e autoridade.” [6]

A inquietude e desconforto sobre situações excepcionais levaram o Superior Tribunal de Justiça a afetar outros dois recursos especiais para julgamento como representantes da controvérsia (REsp nº 1.824.564/RS e REsp nº 1.743.330/AM), os quais — em tese — não buscavam alterar o julgamento do Tema 1.076, mas apenas fixar hipóteses (em sede de repetitivo) onde se comportavam as exceções. Posteriormente os recursos foram desafetados.

Neste ponto, é preciso honestidade intelectual para que o distinguishing não seja usado como técnica de overruling pelas instâncias ordinárias e tampouco reabra o debate sobre argumentos que já foram apresentados e debatidos pelos ministros que compõem a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça. A ideia, portanto, é criar consciência de que hipóteses excepcionais (tal como a situação ilustra pela ministra Maria Maria Isabel Gallotti) irão existir, corroborando a ideia de que as exceções reforçam a existência do precedente.

Voltando ao recursos onde se pretendia definir a ocorrência de distinção, como no caso do Recurso Especial nº 1.743.330/AM, a ministra Nancy Andrighi (relatora para o acórdão) consignou precisamente que não há que se falar em distinção pela injustiça, pela desproporcionalidade, pela irrazoabilidade, pela falta de equidade ou pela existência de outros julgados do STF que não se coadunariam com o precedente, pois tais circunstâncias importariam na eventual necessidade de superação do precedente, mas não no uso da técnica de distinção que é lícito fazer, quando de sua aplicabilidade prática, mas desde que presente uma circunstância fática distinta”. [7]

Por sua vez, no Recurso Especial nº 1.824.564/RS houve uma adequação da aplicação da tese firmada no Tema 1.076. Nesse caso, foi apresentado um cumprimento de sentença no valor de R$ 1.176.126,54. Mas após a impugnação, o valor foi reduzido para R$ 22.934,87. A 3ª turma do STJ entendeu, por maioria, pela necessidade de adequação da tese para fixar os honorários em 20% sobre o valor do crédito executado e reconhecido como efetivamente devido, vez que se o referido percentual incidisse sobre o proveito econômico “poder-se-ia inverter as titularidades do crédito, transformando o credor em devedor e vice-versa.” (trecho do voto do ministro Marco Aurélio Bellizze)

Outro caso aponta no horizonte de forma a adaptar a aplicação da regra geral ao caso concreto, como o julgamento do Agravo em Recurso Especial nº 2.231.216/SP, onde decidiu-se que (i) o proveito econômico é a base de cálculo dos honorários de sucumbência, em respeito ao julgamento em sede de recurso especial repetitivo, (ii) mas adequou a sua aplicação ao caso, consignando que na hipótese de recebimento de honorários, o proveito econômico é o valor da dívida dividido pelo número de executados, como forma de manter uma coerência na aplicação da regra.

Como se observa, trata de caso semelhante à hipótese aventada pela ministra Maria Isabel Gallotti quando do julgamento do Tema 1.076, onde a eventual condenação em honorários sucumbenciais, se aplicada de forma isolada por cada parte do processo, eventualmente resultaria em uma condenação superior ao próprio limite definido no Código de Processo Civil.

A compreensão sobre a correta, e de fato excepcional, não aplicação do precedente aos casos futuros é matéria delicada cujo avanço exige cautela, além de enfrentar certo tabu entre os advogados. Porém, se não utilizada como válvula de escape para a manutenção da integridade do que foi decidido pelo STJ no julgamento do Tema 1.076, nos levará à revisitação da questão mais cedo ou mais tarde, o que já foi identificado no voto do ministro Herman Benjamin, o qual registrou que “não obstante estarmos diante de Recurso Repetitivo, ao tema impreterivelmente voltaremos. Temos encontro marcado para revisitar o precedente agora firmado por escassa maioria de votos. Só não sei a data, nem o fundamento a ser usado para mitigá-lo”.

Cumpre a nós, operadores do direito, prezar pela manutenção da tese consolidada em sede de recurso especial repetitivo, com amplo debate e intervenção jurídica, de forma a resguardar a segurança jurídica e previsibilidade da sociedade, admitindo, sempre excepcional e fundamentadamente, a ocorrência de distinções, que não devem se confundir com um overruling e tampouco ser fundamentada em argumentos que já foram rechaçados pela Corte Especial do STJ.


[1] Entre diversos julgado, veja: EDcl no REsp 242319/SP.

[2] Vide voto no REsp 1906618/SP.

[3] Processo nº 5005306-73.2017.8.13.0245

[4] Marinoni, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. P. 232.

[5] Xavier, Carlos Eduardo Rangel. Reclamação constitucional e precedentes judiciais: contributo a um olhar crítico sobre o Novo Código de Processo Civil (de acordo com a Lei 13.256/2016). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. P. 142

[6] Marinoni, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. P. 232.

[7] REsp n. 1.743.330/AM, relator Ministro Moura Ribeiro, relatora para acórdão Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 11/4/2023, DJe de 14/4/2023.

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  • é advogado, especialista em Processo Civil pelo IDP (Instituto Brasiliense de Direto Público), diretor-adjunto de Publicações na ABPC (Associação Brasiliense de Processo Civil), membro do Tribunal de Ética da OAB-DF.

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