Opinião

Prerrogativas da advocacia e respeito institucional

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25 de novembro de 2023, 13h28

Repercute na advocacia fala do ministro Alexandre de Morais que, ao negar que o advogado sustentasse oralmente um recurso no Supremo Tribunal Federal, escarneceu da advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil ao dizer “a OAB vai lançar outra nota contra mim, vão falar que eu não gosto do direito de defesa, vai dar mais uns 4.000 tuítes dos meus inimigos”. “Então doutor, vamos fazer a festa do Twitter, das redes sociais (…)”, e continua dizendo que o regimento interno do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e do STF não permitem a sustentação oral em agravo.

É até difícil escolher por qual absurdo começar a comentar essa fala, mas podemos iniciar pelo mais básico de todos: regimento interno nenhum se sobrepõe a lei federal, o que a Corte, cujos integrantes deveriam ter notável saber jurídico, ignora solenemente, considerando que a Lei 8.906/94, com as alterações trazidas pela Lei 14.365/22 garante o pedido que foi feito pelo advogado naquele caso. Essa é uma questão básica sobre Teoria do Direito que o ministro Alexandre de Morais (e a Corte como um todo, já que não houve nenhuma divergência) certamente conhece, mas escolhe deliberadamente ignorar. As razões ele mesmo diz: não gosta do direito de defesa e, adicionamos, não gosta do Estado democrático de Direito.

Se não bastasse, o tom irônico a que se refere à OAB é um escárnio escancarado a quase 2 milhões de advogados, entre eles muitos que já foram ministros do mesmo tribunal em que se encontra hoje, massa essa que ele certamente irá integrar quando se aposentar.

Mas não é só ao advogado que a sua falta de compromisso com a democracia é dirigida. É a todo cidadão brasileiro, aos quase 215 milhões de habitantes desse país, cuja corte máxima do Poder Judiciário ele integra. Enquanto se pensar que o cumprimento da lei em relação às prerrogativas profissionais são apenas “privilégios” dados aos advogados e advogadas, a face de cada cidadão será pintada como a de um bufão em uma corte distorcida, mascarando a seriedade de seus direitos e deveres.

As prerrogativas profissionais existem justamente para evitar abusos dos poderes (e dos poderosos) em face do cidadão. O advogado é o único escudo quando os direitos são ameaçados e daí a importância que a própria Constituição deu à profissão e à OAB.

A Ordem, essa instituição que foi escarnecida pelo ministro em sua fala, não se trata de um órgão de classe qualquer, mas foi elevada pela Constituição — essa mesma que o ministro Alexandre de Morais (e toda a Corte) deveria ser guardião — à voz da sociedade civil. Deveria receber o tratamento e deferência adequados dos Poderes do Estado, e não o deboche e zombaria que tem acontecido reiteradamente das cadeiras do tribunal.

A Ordem dos Advogados do Brasil, longe de estar isenta de críticas (deveria ter tomado medidas enérgicas quando há tempos o Supremo se mostrava usurpador da competência dos demais Poderes da República), deve se lembrar do seu papel. Se não exercer o protagonismo que o constituinte lhe deu, se apequena e se torna cada vez mais suscetível a achaques como o que vimos. 

A Ordem tem história.

Quando Vitor Nunes Leal, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva foram aposentados em face do AI-5, a OAB devolveu a eles a prerrogativa de exercer a advocacia. Com Raimundo Faoro, capitaneamos a luta pela restauração do Habeas Corpus, fomos vitimados pelas bombas que mataram dona Lyda Monteiro na brava gestão de Seabra Fagundes e, em parceria com a Associação Brasileira de Imprensa, lideramos o impeachment do presidente Collor.  

 Portanto, a fala do ministro Alexandre de Moraes, ao menosprezar a Ordem dos Advogados do Brasil, não é apenas um episódio isolado de desdém ao Estado de Direito e aos seus defensores, mas sim um reflexo preocupante do distanciamento entre os objetivos da República e a realidade prática no mais alto tribunal do país.

Este episódio é um lembrete incisivo da necessidade de respeito à legalidade e às funções essenciais à justiça, como a advocacia. Ignorar estas normas e zombar das instituições que as defendem não é apenas uma falha individual, mas uma ameaça à integridade do sistema jurídico e, por extensão, à própria democracia.

A OAB, ao enfrentar tais desafios, deve se reafirmar não só como guardiã dos direitos dos advogados, mas como bastião intransigente na defesa do Estado democrático de Direito, cumprindo com vigor o papel que a Constituição lhe confiou. É essencial que a ordem, juntamente com toda a sociedade, cobre, de forma firme e altaneira, que as cortes do país, e seus membros, honrem o compromisso e respeito às leis que juraram defender.

Afinal, é preciso que se diga ao ministro; a OAB tem história. E tem que ser respeitada.

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