Opinião

A unicidade contratual nos contratos por safra

Autor

  • Sebastião Barbosa Gomes Neto

    é advogado inscrito na OAB-GO graduado pela Universidade Federal de Goiás pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários e pós-graduado em Direito do Trabalho e Previdenciário pela PUC-MG.

23 de novembro de 2023, 18h19

O contrato de safra é aquele que tem “sua duração dependente de variações estacionais da atividade agrária” [1]. As atividades agrárias em questão são as “normalmente executadas no período compreendido entre o preparo do solo para o cultivo e a colheita” [2].

O eminente magistrado do trabalho e professor Luciano Martinez, em seu curso de direito do trabalho, diz que: “considera-se por tempo determinado aquele contrato cuja vigência depende da realização de certo acontecimento suscetível de previsão aproximada, ou seja, que dependa da concretização de um acontecimento previsível, estando a safra exatamente neste perfil” [3].

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No contrato por safra, o trabalhador rural tem direito às seguintes verbas trabalhistas: jornada de 44 horas semanais, FGTS, 13º salário, férias com um terço salário-família, descanso semanal remunerado e recolhimentos previdenciários (INSS e IR). Pelo fato de empregado e empregador já terem ciência da data do início e do fim do contrato, não há aviso prévio, nem multa sobre o saldo do FGTS.

A contratação a termo só é admissível se a atividade agrária sofrer variação estacional, ou seja, se ela variar em decorrência das estações do ano. Corolário é que é inadmissível o contrato de safra por período igual ou superior a um ano, porque as variações estacionais que justificam a contratação a termo são aquelas verificadas em um ano.

Como exemplo, tem-se o Estado de Goiás, onde o clima permite que haja duas colheitas e plantios. Geralmente, durante a safra, a soja é plantada e, durante a safrinha, o milho é plantado. Por isso, é bem comum a contratação de trabalhadores de outros estados nesses dois períodos do ano, sem que o empregador fique obrigado a cada final de vínculo pagar multa sobre o saldo do FGTS ou indenizar o trabalhador rural pelo fim do contrato por safra.

É importante destacar que a jurisprudência tem se deparado com casos que testam os limites dessa unicidade nos contratos por safra. Em alguns casos, observam-se decisões que reconhecem a possibilidade de múltiplos contratos, argumentando que a sazonalidade da atividade agrícola justifica a flexibilização desse princípio. Por outro lado, há posicionamentos que defendem a aplicação rigorosa da unicidade contratual, mesmo diante das particularidades do trabalho sazonal.

O Tribunal Regional do Trabalho de Goiás, onde há forte produção rural, já julgou ações sobre essa questão, decidindo que: “a unicidade contratual deve ser reconhecida quando não houver descontinuidade na prestação de serviços ou nas hipóteses em que o intervalo entre um contrato e outro for reduzido. Com efeito, a regularidade nas contratações dos trabalhadores é presumível, salvo nos casos em que os contratos de safra são celebrados com lapso temporal entre eles inferior a 60 dias”. [4]

Em outro julgado, foi consignado que: “em regra, presume-se regular a contratação de trabalhadores por meio de contrato de safra. Todavia, esta regularidade deve ser afastada e, por conseguinte, reconhecida a unicidade contratual, quando não houver descontinuidade na prestação de serviços entre um contrato e outro ou nas hipóteses em que o intervalo entre os contratos seja muito reduzido, com lapso temporal entre eles inferior a 60 dias, como ocorreu no caso dos autos”. [5]

O mesmo entendimento sobre a matéria foi firmado pelo Tribunal Superior do Trabalho, em processo sob a relatoria da ministra Delaide Miranda Arantes: a celebração de contratos sucessivos de trabalho (22/04/2003 a 26/11/2003; 17/02/2004 a 08/04 /2004, e 17/04/2004 a 08/12/2009), com pequenos espaços de tempo entre eles e abrangendo quase todo o ano civil, com prestação de serviço em praticamente todas as etapas da produção agrícola (colheita e entressafra), e, portanto, com duração não dependente das variações estacionais, como se depreende do acórdão regional, realmente evidencia a ausência do caráter transitório que é inerente ao contrato de safra disciplinado no artigo 14 da Lei 5.889/73, e, por conseguinte, a existência de fraude. Nesse passo, escorreito o reconhecimento da unicidade contratual [6].

O que essas decisões dizem é que, se o empregador rural contrata o trabalhador para trabalhar na safra, ele não pode após terminada a safra utilizar esse trabalhador em outra atividade dentro da porteira, pois isso descaracteriza o contrato por prazo determinado, que passa então a ser um contrato por prazo indeterminado, atraindo consequências ao final do vínculo, como pagar aviso prévio, multa sobre o saldo de FGTS, além de fornecer as guias para habilitação no seguro-desemprego.

Em última análise, a unicidade contratual nos contratos por safra demanda uma abordagem que considere a singularidade desse setor. A flexibilidade na interpretação e aplicação da legislação trabalhista pode ser a chave para promover um ambiente de trabalho justo e sustentável, que atenda às demandas do agronegócio sem comprometer os direitos essenciais dos trabalhadores.


[1] Brasil. Lei 5.889/73, art. 14, parágrafo único

[2] Brasil. Decreto 73.626/74, art. 19, parágrafo único

[3] Curso de direito do trabalho/Luciano Martinez. – 11. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020, livro digital, p. 554.

[4] ROT – 0010652-90.2021.5.18.0171. Relator: Juiz César Silveira

[5] RO – 0010654-65.2018.5.18.0171. Relator: Aldon Do Vale Alves Taglialegna

[6] RR-2926-30.2010.5.15.0011, 2ª Turma, Relatora Ministra Delaide Miranda Arantes, DEJT 14/12/2018

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