Contas à Vista

Instrumentos financeiros para o desenvolvimento da Amazônia

Autor

  • Fernando Facury Scaff

    é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP) advogado e sócio do escritório Silveira Athias Soriano de Mello Bentes Lobato & Scaff Advogados.

7 de novembro de 2023, 8h00

Aconteceu entre os dias 31 de agosto e 1º de setembro de 2023, em Belém, capital do Pará, a gigantesca conferência internacional Amazônia e as Novas Economias, organizada pelo Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração). Estiveram presencialmente no evento muitas estrelas de primeira grandeza, como Tony Blair, ex-primeiro-ministro britânico, e Ban Ki-Moon, ex-secretário Geral da ONU.

No meio dessa constelação, foi aberto espaço para um painel multidisciplinar sobre Financiamento das Novas Economias, e, mais amplamente, sobre o financiamento do desenvolvimento econômico na Amazônia, para o qual fui convidado a participar com Maria Netto, Rosa Lemos de Sá, Marcelo Furtado, José Pugas, dentre outros.

Spacca
A questão do desenvolvimento passa por ações sustentáveis, que gerem equilíbrio ao ecossistema, mantendo o homem em seu centro, e não como um elemento periférico. Na parte da Amazônia em nosso território vivem cerca de 30 milhões de brasileiros dentre ribeirinhos, indígenas, descendentes de europeus, de asiáticos, de árabes e de judeus, convivendo com biomas distintos, como florestas em sua grande parte, e campos naturais, como em Roraima, existindo ainda duas cidades com mais de dois milhões de habitantes (Belém e Manaus), com todos os problemas que urbes desse tamanho possuem, como poluição, engarrafamentos violência, habitações precárias, falta de saneamento etc.

Quais alternativas financeiras podem ser propostas para tornar sustentável o desenvolvimento na região? Na ocasião fiz as algumas sugestões que ora compartilho, visando ampliar o debate.

Uma possibilidade seria vincular a utilização dos recursos da CFEM (royalties da mineração) à modificação da base produtiva dos municípios minerários, o que hoje não ocorre, ficando a decisão de gastar nas mãos do prefeito em conjunto com a Câmara dos Vereadores. Atualmente não existe vinculação dessa receita patrimonial transferida pela União aos municípios para os investimentos que busquem modificação da base produtiva daquele território.

O que existe é uma vedação ao uso desses recursos para alguns gastos, como o pagamento de pessoal ou dívidas. De certa forma, vincular é o oposto de vedar. Pela vinculação se cria um liame, um elo, entre receita e despesa; pela vedação se cria um impedimento para se gastar aquela receita em determinadas despesas, o que é insuficiente para resolver o problema exposto.

O minério se esgota após certo período de extração, e, se a base econômica não tiver sido modificada, a dinâmica naquela localidade será fortemente reduzida. Desse modo, é imprescindível que os municípios invistam nessa mudança os vastos recursos que recebem a cada mês exatamente em razão dessa atividade minerária. Essa é a ótica do PL 2.138/22, apresentado pelo deputado Zé Silva, recém aprovado na Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados, ideia sobre a qual escrevi anteriormente.

Sob a ótica dos investimentos públicos, pode-se pensar em retomar o sistema de incentivos fiscais e financeiros que foi idealizado por Celso Furtado, e, de certa forma, implementado através do Fundo de Investimento da Amazônia, administrado pelo Basa e pela Sudam. Em rápidas pinceladas, a fórmula implica em permitir que as empresas que pagam IR sob o regime do Lucro Real deduzam parte do imposto devido, destinando-o ao desenvolvimento da região.

Tais valores seriam utilizados pelo Estado para investimento em empresas localizadas na Amazônia, que cumprissem certos requisitos socioambientais, as quais também poderiam se beneficiar de incentivos fiscais, caso produzissem sob essa mesma ótica. Tal ideia foi aplicada de forma distorcida durante anos, e bem se poderia retornar à proposta original, melhorando a governança atual.

Sob o aspecto creditício, outra ideia seria redesenhar o Fundo Constitucional do Norte (FNO), que possui recursos oriundos do Imposto sobre a Renda e do IPI, e que também é administrado pelo Basa. Os recursos desse mecanismo financeiro advêm de receita tributária, embora acarrete empréstimos subsidiados, a serem pagos, de certa maneira, semelhantes aos do BNDES. O problema, mais uma vez, encontra-se nos detalhes, pois muitos contratos eram firmados com clausulas leoninas, e um eventual problema de pagamento acarretava o recálculo de todo o empréstimo, afastando os subsídios, tornando a dívida impagável. Revisitar esse modelo seria outra alternativa.

Sob a ótica do Investimento privado, mencionei a possibilidade de 1) estimular investimentos em projetos específicos (tokenização de projetos), criando um mercado para esse tipo de aporte de capitais. A tokenização isola cada projeto, facilitando seu financiamento e circunscrevendo os riscos inerentes ao negócio proposto; e 2) estimular a criação de um mercado de créditos de carbono, PL que está em debate no Congresso e que se espera venha a ser promulgado ainda este ano. Temo pelas incidências tributárias nesse mercado — a PEC 45-A, que ora se discute no Congresso, dará uma mordida sem dó nessas operações se nada for feito em sentido contrário.

Outra via de análise diz respeito ao terceiro setor, tendo mencionado a necessidade de se estimular o sistema de doações  por pessoas físicas e jurídicas. É necessário atribuir vantagens fiscais aos doadores, ao menos isentando do Imposto de Renda e do Imposto sobre Doações (ITCMD). No Brasil estimula-se a filantropia embasada apenas no altruísmo da solidariedade social. Como esse sentimento não é abundante no mundo, em incontáveis países concedem-se incentivos fiscais para estimular diversas modalidades de doação (como as dirigidas a fundos de endowments). Mecanismos de estímulo fiscal poderiam ser cogitados, dirigidos à região amazônica.

Outras possibilidades existem e poderiam ter sido discutidas, mas o tempo no evento era curto, e o espaço deste texto também o é.

Convido a todos para que se agendem para ir a Belém (ao menos) duas vezes nos próximos anos. Em 2024 para nova edição do evento sobre Amazônia e as Novas Economias, bem como em 2025, para a COP-30, que é a Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas, da ONU. Eventos imperdíveis não só para os ecologistas, mas para todos, incluindo tributaristas e jusfinancistas.

Autores

  • é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP), advogado e sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Guimarães, Pinheiro & Scaff Advogados.

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