Infra e Controle

Reequilíbrio cautelar: o bom exemplo do estado de São Paulo

Autores

  • Giuseppe Giamundo Neto

    é doutorando e mestre em Direito do Estado pela USP (Universidade de São Paulo) advogado e sócio do Giamundo Neto Advogados professor do IDP (Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa) em Brasília e secretário-adjunto da Comissão Nacional de Direito da Infraestrutura da OAB.

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  • Fernanda Leoni

    é doutoranda e mestre em Políticas Públicas pela UFABC (Universidade Federal do ABC) especialista em Direito Público pela Escola Paulista de Magistratura bacharel em Direito pela PUC-SP e advogada do Giamundo Neto Advogados.

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1 de novembro de 2023, 8h00

Concessões problemáticas são verdadeiros gargalos para o poder público. Além de comprometerem a boa execução de serviços públicos e sua fruição pela população, travam investimentos e frustram investidores. Por se tratar de ajustes de longuíssimo prazo, é natural — e mesmo esperado — que eventos supervenientes impactem de modo significativo a equação econômico-financeira desses contratos. E é salutar que as partes contratantes disponham de instrumentos para responder de imediato a essas extraordinárias situações.

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Ilustra bem esse cenário a iminente aprovação da reforma tributária. A alteração dos tributos e respectiva carga incidente sobre os projetos concessionados obrigará à revisão dos contratos. E evitar que as necessárias discussões e estudos que envolvem esse processo se prolonguem em demasia, comprometendo a saúde da concessão, deve ser um objetivo dos entes contratantes. Daí a relevância do tema deste artigo: o exemplo do Estado de São Paulo ao regular o reequilíbrio cautelar como mecanismo mitigatório de eventos excepcionais de desequilíbrio.

No primeiro semestre deste ano, a Secretaria de Parcerias em Investimentos do Estado de São Paulo (SPI-SP), também recentemente criada, publicou a Resolução SPI nº 19/2023, que regulamenta as medidas de mitigação dos impactos de desequilíbrios econômico-financeiros nos contratos de delegação de serviços públicos normatizados pelo Decreto nº 67.435/2023.

De positiva novidade, o normativo regulamentou a figura do "reequilíbrio cautelar", que apesar de classificado, de forma geral, como uma prerrogativa do Poder Concedente, não gerando, assim, direito subjetivo à concessionária — como estabelece o artigo 2º, inciso I da Resolução —, apresenta-se como potencial instrumento de redução dos impactos da negociação prolongada a que muitos pedidos de reequilíbrio acabam se sujeitando.

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Veja-se que o normativo e a consequente abertura para a discussão do modelo endereça um problema que apesar de há muito enfrentado pela administração pública certamente exacerbou-se no período pandêmico, em que a falta de uma resposta célere do poder público colocou em risco a continuidade de uma série de contratos, pelo menos no que se refere ao seu ponto de equilíbrio inicial. No caso das concessões, a questão é ainda mais sensível em razão da longevidade desses contratos e dos graves prejuízos da mora em uma resposta quanto ao desequilíbrio, gerando um verdadeiro efeito "bola de neve" a longo prazo.

A ideia por trás da resolução, portanto, é permitir que essa discussão não se prolongue em demasia, em prejuízo dos contratos vigentes e do próprio serviço público prestado, mas sem destoar da natural complexidade das apurações que envolvem um processo de reequilíbrio contratual. A um só tempo, pode-se manter a seriedade do processo avaliatório do reequilíbrio, mas estancando aqueles prejuízos imediatos que, não sanados de pronto, acabam por deteriorar o curso da avença, além de majorar os prejuízos a serem recompostos pelo Poder Concedente.

Trata-se, assim, de relevante desdobramento do princípio geral do dever de mitigar os próprios prejuízos — ou duty to mitigate the loss em jargão comumente empregado pela doutrina — e da própria boa-fé objetiva, que conduz a decisões céleres, eficazes e, porque não, consensuais. Igualmente, a resolução coloca-se em consonância aos comandos mais recentes da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, em especial quanto à possibilidade de compensação por benefícios indevidos ou prejuízos anormais [1].

Desse modo, em termos práticos, o normativo reconhece que antes mesmo da conclusão definitiva do procedimento de apuração do desequilíbrio, naturalmente delongado em razão de sua complexidade, algumas medidas reparatórias sejam antecipadas para se evitar que eventual prejuízo se agrave pela demora da recomposição, sendo certo que a resolução, embora inicialmente de adoção discricionária, também regulamenta hipóteses de ação vinculada por parte do poder público.

Nesse contexto, autorizam-se, como mecanismos cautelares, a adoção da antecipação, postergação ou cancelamento de investimentos, a inclusão de investimentos adicionais, a suspensão da exigibilidade de pagamentos devidos ao Poder Concedente ou agente fiscalizador, a elevação ou redução desses valores, assim como de tarifas, o pagamento de indenizações, a elevação ou desoneração de encargos e a transferência de custos [2]. Perde-se, no entanto, pela ausência, no normativo, de algum indicativo sobre a possibilidade de que a concessionária opine minimamente sobre as medidas a serem adotadas, nem mesmo sobre a sua efetividade para a recomposição [3].

Quanto à limitação da discricionariedade, acima mencionada, o normativo estabelece as situações em que será obrigatória a avaliação quanto ao cabimento das medidas de mitigação previstas na resolução. São os casos de potencial comprometimento da continuidade da prestação dos serviços ou da solvência da concessionária; em que a proximidade do encerramento da vigência da concessão indique a subsistência de saldo regulatório; e em que o desequilíbrio projetado corresponda a um impacto anual ou consolidado de mais de 5% da arrecadação bruta para eventos de desequilíbrio com efeitos contínuos no tempo ou que não sejam projetados para o futuro, respectivamente [4].

Uma vez identificado o enquadramento da situação e iniciado o procedimento, os órgãos ou autarquias competentes para a regulação ou gestão do contrato deverão apresentar a estimativa preliminar do impacto do evento de desequilíbrio; assim como indicar as medidas cautelares cabíveis, cuja escolha final ficará a cargo da SPI-SP [5].

Mais uma vez, reforça-se que as medidas cautelares de reequilíbrio serão, em regra, discricionárias, salvo nos casos em que a ocorrência do desequilíbrio tenha sido definitivamente reconhecida pelo órgão competente ou possa ser presumida; for possível a adoção de alguma das medidas cautelares; ou não houver comprovada indisponibilidade dos recursos para o cumprimento das obrigações orçamentárias e financeiras do Estado ou para a preservação da autonomia financeira da agência reguladora responsável pela fiscalização da execução do contrato [6].

Justamente em razão da sua cautelaridade, as medidas eventualmente aplicadas não poderão superar o percentual de 80% do impacto econômico-financeiro estimado do evento de desequilíbrio, assim como não poderão importar recebimento de recursos antecipadamente ao efetivo impacto financeiro do evento de desequilíbrio [7]. Com isso, assegura-se que a concessionária não venha a ser indevidamente beneficiada por uma recomposição superior ao que lhe seria definitivamente devido ao final do processo.

Por fim, estabelece-se que nos casos em que deferida a aplicação da medida cautelar os respectivos processos administrativos terão tramitação prioritária, visando à mensuração definitiva do desequilíbrio e ao consequente ajuste das medidas de recomposição; assim como o andamentos dos trabalhos serão avaliados trimestralmente pela SPI-SP, mediante o recebimento, por parte do órgão ou autarquia responsável pela regulação e gestão do contrato, de relatório circunstanciado das atividades realizadas para a mensuração definitiva do desequilíbrio [8].

Assim, ainda que sem resultados mais consolidados para se colocar em prova a efetividade do instituto, não há dúvidas de que o normativo se tornou um importante precedente sobre o tema envolvendo reequilíbrios cautelares, cujo exemplo merece ser irradiado para outros entes e esferas estatais. Trata-se de relevante mecanismo de segurança jurídica e previsibilidade dos negócios de longo prazo estabelecidos com o poder público, atraindo novos investimentos para a infraestrutura. Que haja o espraiamento desse modelo regulatório para o âmbito nacional.

 


[1] Cf.: Art. 27. A decisão do processo, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, poderá impor compensação por benefícios indevidos ou prejuízos anormais ou injustos resultantes do processo ou da conduta dos envolvidos”.

[2] O detalhamento das medidas cautelares está contido no artigo 2º, inciso III, da Resolução.

[3] A concessionária, inclusive, sequer é legitimada para formular o requerimento de instauração desse procedimento, conforme estabelece o artigo 2º, inciso IV, da Resolução.

[4] É o que estabelece o artigo 3º da Resolução.

[5] Cf. artigo 5º, da Resolução, que inclusive impõe o prazo de dez úteis para a adoção dessas providências.

[6] Vide artigo 6º da Resolução.

[7] Cf. artigo 6º, parágrafo único da Resolução.

[8] Cf. artigo 7º da Resolução.

Autores

  • é doutorando e mestre em Direito do Estado pela USP e sócio do escritório Giamundo Neto Advogados.

  • é doutoranda e mestre em Políticas Públicas pela UFABC (Universidade Federal do ABC), especialista em Direito Público pela Escola Paulista de Magistratura, bacharel em Direito pela PUC-SP e advogada do Giamundo Neto Advogados.

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