Direto do Carf

Há limitação de dedutibilidade dos royalties de direitos autorais?

Autor

  • Alexandre Evaristo Pinto

    é conselheiro do Carf doutorando em Controladoria e Contabilidade pela Universidade de São Paulo doutor em Direito Econômico Financeiro e Tributário pela USP mestre em Direito Comercial pela USP professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis Financeiras e Atuariais (Fipecafi).

15 de março de 2023, 8h00

Após tratarmos da dedutibilidade ou não das despesas com royalties que tenham sido pagas a sócios pessoas jurídicas em artigo anterior, nesta semana trataremos da limitação ou não de dedutibilidade de royalties decorrentes de direitos autorais.

Spacca
Ao se debruçar sobre o conceito de direito autoral, Antônio Chaves assinala que este é o conjunto de prerrogativas que lei reconhece a todo criador intelectual sobre suas produções literárias, artísticas ou científicas, de alguma originalidade, sendo que há prerrogativas de ordem extrapecuniária, as quais geralmente não possuem limitação de tempo, e prerrogativas de ordem patrimonial, nas quais há alguma limitação de tempo prevista em lei [1].

No Brasil, os direitos autorais são atualmente regulados pela Lei nº 9.610/98, que estabeleceu em seu artigo 7º quais são as obras intelectuais protegidas como direitos autorais. No artigo  22 da referida lei consta que pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou. Os direitos morais se enquadram como aqueles de ordem extrapecuniária e abrangem dentre outros o direito de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra e o direito.

Por outro lado, os direitos patrimoniais são aqueles que decorrem do uso econômico das obras, sendo que nos termos da Lei nº 9.610/98 cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica, no entanto, ele pode permitir o uso de suas obras mediante uma remuneração para determinada finalidade contratualmente pactuada.

Com relação aos aspectos tributários decorrentes dos royalties, cumpre citar o artigo 74 da Lei nº 3.470/58, que estabelece uma limitação para a dedutibilidade das despesas com royalties, conforme se observa abaixo:

"Lei nº 3.470/58
Artigo 74. Para os fins da determinação do lucro real das pessoas jurídicas como o define a legislação do impôsto de renda, sòmente poderão ser deduzidas do lucro bruto a soma das quantias devidas a título de 'royalties' pela exploração de marcas de indústria e de comércio e patentes de invenção, por assistência técnica, científica, administrativa ou semelhantes até o limite máximo de 5% da receita bruta do produto fabricado ou vendido.
§1º Serão estabelecidos e revistos periòdicamente mediante ato do Ministro da Fazenda, os coeficientes percentuais admitidos para as deduções de que trata êste artigo, considerados os tipos de produção ou atividades, reunidos em grupos, segundo o grau de essencialidade.
§2º Poderão ser também deduzidas do lucro real, observadas as disposições dêste artigo e do parágrafo anterior, as quotas destinadas à amortização do valor das patentes de invenção adquiridas e incorporadas ao ativo da pessoa jurídica.
§3º A comprovação das despesas a que se refere êste artigo será feita mediante contrato de cessão ou licença de uso da marca ou invento privilegiado, regularmente registrado no país, de acôrdo com as prescrições do Código da Propriedade Industrial (Decreto-lei nº 7.903, de 27 de agôsto de 1945), ou de assistência técnica, científica, administrativa ou semelhante, desde que efetivamente prestados tais serviços."

Vale notar que o dispositivo se refere a royalties "pela exploração de marcas de indústria e de comércio e patentes de invenção, por assistência técnica, científica, administrativa ou semelhantes", definindo quais seriam os royalties sujeitos a tal limitação, sendo que inexiste menção aos direitos autorais.

Ainda assim surgem dúvidas acerca do alcance da expressão "royalties", uma vez que as normas que tratam de propriedade intelectual não trazem no seu bojo a referida expressão. Dessa forma, a partir da leitura da Lei nº 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial), Lei nº 9.609/98 (Lei de Propriedade Intelectual de Programas de Computador) e da Lei nº 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais), não há qualquer menção a expressão "royalty".

Ao também tratar da limitação da dedutibilidade dos royalties, o artigo 12 da Lei nº 4.131/62 se refere a royalties "pela exploração de patentes de invenção, ou uso da marcas de indústria e de comércio e por assistência técnica, científica, administrativa ou semelhante", não trazendo menção aos direitos autorais, conforme se depreende abaixo:

"Lei nº 4.131/62
Artigo 12. As somas das quantias devidas a título de 'royalties' pela exploração de patentes de invenção, ou uso da marcas de indústria e de comércio e por assistência técnica, científica, administrativa ou semelhante, poderão ser deduzidas, nas declarações de renda, para o efeito do artigo 37 do Decreto nº 47.373 de 07/12/1959, até o limite máximo de 5% da receita bruta do produto fabricado ou vendido.
§1º Serão estabelecidos e revistos periodicamente, mediante ato do Ministro da Fazenda, os coeficientes percentuais admitidos para as deduções a que se refere este artigo, considerados os tipos de produção ou atividades reunidos em grupos, segundo o grau de essencialidade.
§2º As deduções de que este artigo trata, serão admitidas quando comprovadas as despesas de assistência técnica, científica, administrativa ou semelhantes, desde que efetivamente prestados tais serviços, bem como mediante o contrato de cessão ou licença de uso de marcas e de patentes de invenção, regularmente registrado no País, de acordo com as prescrições do Código de Propriedade Industrial.
§3º As despesas de assistência técnica, científica, administrativa e semelhantes, somente poderão ser deduzidas nos cinco primeiros anos do funcionamento da empresa ou da introdução de processo especial de produção, quando demonstrada sua necessidade, podendo este prazo ser prorrogado até mais cinco anos, por autorização do Conselho da Superintendência do Conselho da Superintendência da Moeda e do Crédito."

Tendo em vista que a norma pressupõe o cálculo da limitação da dedutibilidade dos royalties com base na "receita bruta do produto fabricado ou vendido", surge a dúvida se a norma estaria se referindo à receita bruta ou à receita líquida. Tal resposta é incontroversa desde a edição do artigo 6º do Decreto-lei n. 1.730/79, que previu de forma explícita que o cálculo levará em conta a receita líquida:

"Decreto-lei nº 1.730/79
Artigo 6º – O limite máximo das deduções, estabelecido no artigo 12 da Lei nº 4.131, de 3 de setembro de 1962, será calculado sobre a receita líquida das vendas do produto fabricado ou vendido."

No âmbito tributário, há uma menção importante no artigo 22 da Lei nº 4.506/64, no qual algumas contraprestações são "classificadas" como royalties, conforme abaixo:

"Lei nº 4.506/64
Artigo 22. Serão classificados como 'royalties' os rendimentos de qualquer espécie decorrentes do uso, fruição, exploração de direitos, tais como:
a) direito de colhêr ou extrair recursos vegetais, inclusive florestais;
b) direito de pesquisar e extrair recursos minerais;
c) uso ou exploraçâo de invenções, processos e fórmulas de fabricação e de marcas de indústria e comércio;
d) exploração de direitos autorais, salvo quando percebidos pelo autor ou criador do bem ou obra."
Parágrafo único. Os juros de mora e quaisquer outras compensações pelo atraso no pagamento dos "royalties" acompanharão a classificação dêstes.

A partir da leitura do artigo 22 da Lei nº 4.506/64, nota-se que royalty é uma contraprestação decorrente "do uso, fruição, exploração de direitos", no qual estão incluídos os direitos autorais. Vale notar que o referido dispositivo se refere a perspectiva de quem aufere rendimento de royalties e não de quem incorre em despesas com royalties.

Assim, ao passo que o aluguel seria uma remuneração decorrente do uso de um ativo tangível, o royalty é uma remuneração decorrente do uso de um direito, isto é, de um ativo intangível.

A limitação da dedutibilidade das despesas com royalties surge novamente no artigo 71 da Lei nº 4.506/64, que assim dispõe:

"Lei nº 4.506/64
Artigo 71. A dedução de despesas com aluguéis ou 'royalties' para efeito de apuração de rendimento líquido ou do lucro real sujeito ao impôsto de renda, será admitida: (…)
Parágrafo único. Não são dedutíveis: (…)
f) os 'royalties' pelo uso de patentes de invenção, processos e fórmulas de fabricação pagos ou creditados a beneficiário domiciliado no exterior:
1) Que não sejam objeto de contrato registrado na Superintendência da Moeda e do Crédito e que não estejam de acôrdo com o Código da Propriedade Industrial; ou
2) Cujos montantes excedam dos limites periòdicamente fixados pelo Ministro da Fazenda para cada grupo de atividades ou produtos, segundo o grau de sua essencialidade e em conformidade com o que dispõe a legislação específica sôbre remessa de valores para o exterior;
g) os 'royalties' pelo uso de marcas de indústria e comércio pagos ou creditados a beneficiário domiciliado no exterior:
1) Que não sejam objeto de contrato registrado na Superintendência da Moeda e do Crédito e que não estejam de acôrdo com o Código da Propriedade Industrial; ou
2) Cujos montantes excedem dos limites periòdicamente fixados pelo Ministro da Fazenda para cada grupo de atividade ou produtos, segundo o grau de sua essencialidade, de conformidade com a legislação específica sôbre remessas de valores para o exterior."

Como se observa, ao estabelecer limitações à dedutibilidade das despesas com royalties, há menção apenas aos royalties "pelo uso de patentes de invenção, processos e fórmulas de fabricação" e "pelo uso de marcas de indústria e comércio".

Diante da ausência de menção aos direitos autorais nas normas jurídicas que tratam da limitação de dedutibilidade dos royalties, a própria Receita Federal se manifestou por meio da Solução de Consulta nº 64/2021 no sentido de que a limitação somente se aplica aos royalties "pela exploração de patentes de invenção ou pelo uso de marcas de indústria ou de comércio e as importâncias pagas por assistência técnica, científica, administrativa ou semelhante", não havendo limitação para os pagamentos efetuados a título de direitos autorais, no entanto, cumpre ressaltar que a dedução de despesas com royalties permanece sujeita ao requisito de ser necessária à atividade da empresa e à manutenção da fonte produtora.

Feitas as considerações gerais sobre o tema, passaremos à análise dos precedentes do Carf.

O entendimento de que não há limite de dedutibilidade para as despesas com direitos autorais preponderou nos Acórdãos 1201-000.984 (12/3/14), 1201-001.248, (18/1/16), 1301-002.435 (17/5/17) e 1302-002.985 (26/07/18).

No Acórdão 1201-000.984 (12/3/14), constou no voto vencedor que não se confunde a utilização de desenhos e personagens de obras artísticas com marcas, de forma que não há que se falar em limitação de dedutibilidade.

Nesse sentido, há a menção expressa de "quando se comercializa vestuários com imagens do Homem Aranha, do Batman, do Superman, entre outros personagens, essas obras (desenhos) que são diferentes a  depender  do  autor,  traz  em  sua  essência  traços  próprios,  formas,  cores  e  intelectualidade própria de cada desenhista, que lhe são próprias, protegidas pelo direito autoral, não podendo ser confundido com uma marca."

Na mesma linha, no Acórdão 1201-001.248 (18/01/16), constou a seguinte afirmação: "no caso de personagens infanto­juvenis, entendo que uma coisa é o desenho artístico de um personagem (Spiderman, Batman, Flash etc). e outra é a utilização deste traço num  produto  específico  (toalha,  estojo,  bolsa  e  assim  por  diante).  Tanto  assim  que  artistas diferentes retratam esses heróis e cada qual imprime ao desenho seu estilo pessoal. No  presente  caso,  discute-se  a  dedutibilidade  das  despesas  efetuadas  pela Recorrente aos titulares  dos  personagens  no exterior, mediante contratos  de  direitos autorais, circunstância que me parece legítima e plenamente aplicável ao  Imposto de Renda, visto não configurar  a  hipótese  prevista  no  artigo 355  do  RIR/99,  vez  que  não  se  manifestam  como royalties pagos pela exploração de patentes de invenção ou uso de marcas de indústria ou de comércio, e por assistência técnica, científica, administrativa ou semelhante".

Em sentido oposto, no Acórdão 1302-003.001 (14/08/18), decidiu-se, por voto de qualidade, pela aplicação de limitação de dedutibilidade dos royalties nos pagamentos relativos a personagens licenciados, uma vez que tais personagens estariam licenciados como marcas perante o INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial).

Dessa forma, constou no voto do relator que tal registro como marca fez com que houvesse a aplicação da limitação de dedutibilidade de royalties, visto que há limitação para os royalties pelo uso de marca.

Também merece destaque a discussão da ausência de regra prevendo limitação de dedutibilidade para os pagamentos relacionados com licenciamento de programas de computador. No Acórdão 1802-000.330 (25/1/10), entendeu-se que a limitação de dedutibilidade não alcança os pagamentos nos casos dos softwares, uma vez que o software seria o próprio produto cujo direito de uso está sendo comercializado com o consumidor final no Brasil, e é por essa aquisição que se da o pagamento ao fabricante no exterior.

No mesmo diapasão, no Acórdão 1402-000.404 (27/01/11), entendeu-se que as revendas de software sem a transferência de tecnologia com a entrega do código fonte, deveriam ser consideradas como operações mercantis, de forma que os pagamentos para o fornecedor, cujo contrato é de licença de uso ou de comercialização/distribuição, correspondem ao custo da mercadoria e não são considerados royalties para o efeito de aplicação dos limites previstos na Lei 4.506/64.

Diante do exposto, nota-se que tem preponderado o entendimento no Carf de que não há limitação de dedutibilidade para os pagamentos relacionados com o uso de direitos autorais.

*Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.

[1] CHAVES, Antônio. Direito de Autor. Princípios Fundamentais. Rio de Janeiro: Forense, 1987. p. 11.

Autores

  • é conselheiro titular da Câmara Superior de Recursos Fiscais da 1ª Seção do Carf, ex-conselheiro titular da 2ª Seção do Carf, doutorando em controladoria e contabilidade pela Universidade de São Paulo (USP), doutor em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela USP, mestre em Direito Comercial pela USP, professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT), da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Financeiras e Atuariais (Fipecafi), do Insper e do Ibmec, ex-presidente da Associação dos Conselheiros Representantes dos Contribuintes no Carf (Aconcarf), pesquisador concursado do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e pesquisador do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getúlio Vargas (NEF/FGV).

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