Licitações e Contratos

A Lei nº 8.666/1993 poderá sobrevier a partir de 1º de abril?

Autor

  • Guilherme Carvalho

    é doutor em Direito Administrativo mestre em Direito e políticas públicas ex-procurador do estado do Amapá bacharel em administração sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).

3 de março de 2023, 8h45

Em menos de um mês entrará em vigor a Lei nº 14.133/2021, revogando, por expressa disposição legal, todo o regime de contratação até então vigente, designadamente a Lei Geral de Licitações (Lei nº 8.666/1993), a Lei do Pregão (Lei nº 10.520/2002), bem assim parte da legislação que dispõe sobre o Regime Diferenciado de Contratação Pública (RDC), regulado pela Lei nº 12.462/2011.

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Conforme estabelece a parte final do artigo 191, da Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, é impossível a combinação do novo sistema de contratação pública com as demais leis a que se refere o artigo 193. Logo, face à impostergável incisão normativa, impõe-se a aplicação de apenas um dos regimes de contratação, que, a partir de 01 de abril, não mais poderá ser o anterior estatuto.

De tal forma, na iminência da aplicação da Nova Lei (menos de um mês, a contar da publicação do presente artigo), remanescem angustiantes interrogações:

1 – Caso, até o presente momento, não seja possível (de forma prática) empregar a Lei nº 14.133/2021, ainda há a possibilidade de aproveitamento da legislação pretérita?
2 – Com base na reflexão anterior, quais medidas podem ser adotadas?
3 – É factível que os órgãos de controle determinem a paralisação de todo e qualquer processo de contratação pública?
4 – Haverá responsabilização dos agentes públicos que não procederam à implementação da nova Lei? Se sim, a responsabilidade cairá sobre quais agentes?

Sem qualquer contraposição, paira uma significativa aflição sobre tais questionamentos, os quais, saliente-se, não são facilmente respondíveis. Logo, qualquer manifestação que venha a ser concretizada não passará de um mero palpite, que, como tal, pode ser questionado e, inclusive, é passível de reprovação.

Inicialmente, importante destacar que inexiste, em nosso ordenamento jurídico, a previsão legal de aplicação de legislação não mais presente, melhor dizendo, revogada, conforme expressa ordenação do § 1º do artigo 2º do Decreto-Lei nº 4.657/1962 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro): "a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior".

Assim sendo, impossível a utilização de qualquer legislação pretérita no que se refere à matéria abordada pela Lei nº 14.133/2021, exclusive se houver alteração nesta, especialmente no sentido de prorrogar o prazo a que se refere o seu artigo 193.

Por outra perspectiva, pensando na inicial pretensão do legislador, isto é, na inadiável aplicabilidade da Lei nº 14.133/2021 a partir de 1 de abril de 2023, sem qualquer alteração normativa referente ao artigo 193, bem como tendo em consideração a inconteste impossibilidade de utilização de legislação revogada, a nova legislação deverá ser aplicada, mas de que modo?

Note-se que, por tal ângulo, haverá, simultaneamente, duas excludências — impossibilidade de utilização da legislação revogada e ausência de adaptação à Nova Lei —, as quais deságuam, aparentemente, em um só resultado, ou seja, a paralisação de todo e qualquer processo de contratação pública.

Ocorre que a visível solução (em termo lógico e matemático, com base no conjunto de valores que, quando atribuídos à incógnita, tornam a igualdade verdadeira) não pode ser tolerada, sob pena de completa interrupção da Administração Pública. Assim sendo, impraticável e utópico qualquer estacionamento da máquina pública.

Pensa-se que, em não sendo serenado o prazo previsto no artigo 193, da Lei nº 14.133/2021, e considerando a inadaptação, pelos mais variados motivos, à nova Lei, os órgãos de controle tenderão a aceitar alguma medida efetiva e, em certa medida, graduada por certo ineditismo. Isso porque, considerando que o fato existe, a saída, igualmente, deve suceder.

É o que ocorre, por exemplo (respeitadas as devidas diferenças e proporções), com a contratação direta emergencial decorrente de um incidente provocado por incúria administrativa, e que, a depender da existência da circunstância autorizadora, pode ser deflagrada, sem prejuízo da responsabilização de quem lhe deu causa.

Superadas tais considerações e, fatalmente, ponderando a não alteração do prazo previsto no artigo 193, da nova lei, a revogação de toda a legislação anterior expressamente mencionada pela norma posterior, bem como a impraticabilidade de interrupção das contratações públicas, persistem reflexões a respeito de sobre quem incidirão as responsabilizações pelos atos mencionados.

Nesse específico assunto, os questionamentos serão ainda maiores, sobretudo porque, ao que parece, a responsabilidade pode incidir sobre os mais variados sujeitos, tendo em mente que vários atos administrativos devem ser preparados para que as mais diversas partes da lei possam ser executadas.

Fato é que, neste interregno de menos de trinta dias, significativa parte da Administração Pública brasileira, especialmente os entes menos estruturados, como, por exemplo, os pequenos municípios, ainda não terá tomado as medidas necessárias à adaptação à nova lei, decorrendo os mais distintos problemas a serem solucionados.

É necessário, contudo, que, quanto à responsabilização, haja a necessária individualização das condutas dos agentes públicos que, em tese, poderiam implementar a Lei nº 14.133/2021, não sendo plausível atribuir responsabilidade e consequente penalização a apenas um sujeito, tudo em plena anuência à tão densa e amiudada segregação de funções a que o legislador, incessantemente, referiu-se no decorrer deste novel conjunto de normas.

Autores

  • é doutor em Direito Administrativo, mestre em Direito e políticas públicas, ex-procurador do estado do Amapá, bacharel em administração e sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).

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