Interesse Público

A busca por uma educação pública de qualidade: participar é preciso

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25 de maio de 2023, 8h00

A luta para que a educação pública desenhada na Constituição saia do mundo dos sonhos para se tornar realidade é sempre feita de muitas batalhas. No momento em que escrevemos este texto, uma nova ameaça está em curso: trata-se da proposta de inclusão dos valores devidos pela União a título de complementação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) entre as despesas limitadas pelo novo regime fiscal (discutido no Projeto de Lei Complementar n° 93/2023). A questão assume contornos ainda mais graves diante da necessidade de recuperar as diversas perdas impostas pela pandemia Covid-19 ao aprendizado e à saúde física e mental de crianças e adolescentes, demandando — por óbvio — incremento de recursos [1].

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O incremento do debate sobre a educação pública, de certa forma, reflete o início de maior amadurecimento da sociedade civil a respeito do reconhecimento da importância da educação para a plena liberdade do cidadão e para o desenvolvimento do país, cabendo ao Estado diversas atuações para tanto. Essa busca de maior maturidade acompanha o crescimento do sentimento cidadão, com o foco centrado no reconhecimento de que todo poder emana do povo e em seu proveito deve ser exercido — o Estado deve servir o cidadão, e não se servir dele. O primado do cidadão e da sociedade que os congrega é refletido por meio de um robustecimento do conteúdo dos princípios republicano e democrático para reconhecer que neles residem não somente as possibilidades de votar e concorrer a cargos eletivos como também de exercer, em toda plenitude, o controle social da administração pública.

Falar em controle social é reconhecer o poder de fiscalização que a Constituição atribui aos cidadãos para exigir o cumprimento de determinadas regras por parte das instituições, poderes e agentes estatais. Trata-se de controlar, ou seja, de verificar se as diversas atividades estão sendo realizadas em conformidade com as leis e com o interesse público. A participação, por sua vez, deve ser vista como uma noção inseparável da democracia, sem se confundir com nem substituir o exercício do poder por meio de representantes eleitos. Falar em participação ou em democracia participativa implica reconhecer as diversas possibilidades que o cidadão possui de participar, diretamente, das decisões envolvendo os interesses públicos.

Diogo de Figueiredo Moreira Neto [2] reconhece em três obstáculos especiais que comprometem os ideais de participação popular: a apatia política, a acracia política e a abulia política. Apatia política é reconhecida na falta de estímulo estatal para a participação cidadã, sobretudo no que se refere à ausência de transparência, informação e canais de comunicação eficientes. A acracia política, por seu turno, se refere à falta de qualificação da população para efetivamente possibilitar sua participação, não sendo suficiente meras participações formais. Finalmente, a abulia política se liga à recusa cidadão em participar por descrença no Estado – há um sentimento de que as manifestações, quando existentes, não serão verdadeiramente consideradas nas decisões do Estado.

Controle social e participação transformam em realidade o princípio da gestão democrática do ensino público, permitindo a ampla atuação social na efetivação da educação, direito de todos e dever do Estado e da família (Constituição Federal, artigos 205 e 206). Na educação, os conselhos sociais podem ser reconhecidos como instrumentos e cooperação e atuação da sociedade nos processos decisórios e no controle das políticas públicas. A referência a conselhos sociais envolve, como regra, Conselho de Acompanhamento e Controle Social do Fundeb (CACS-Fundeb), Conselho de Alimentação Escolar (CAE) e Conselho Municipal de Educação (CME).

Não é exatamente fácil convencer um cidadão ou cidadã a participar de um conselho social, mesmo com a ciência da importância de sua atuação para a qualidade da educação pública. Há necessidade de tempo, de conhecimento e de disposição para enfrentar resistências do próprio Estado que deve dar sustentação aos conselhos. Do belo mundo das boas intenções para a dura vida real há um caminho permeado de obstáculos e de desconhecimento que, de certa forma, torna mais árdua a busca pela qualidade da educação.

Esse cenário nos estimulou a elaborar um guia didático escrito de forma simples, porém completa, para auxiliar a instalação e funcionamento dos conselhos sociais. Trata-se da publicação "Conselhos sociais e gestão democrática da educação: guia prático para o aperfeiçoamento das ações de acompanhamento e fiscalização", editada pela Atricon e lançada durante o V Simpósio Nacional de Educação, realizado em Goiânia (GO). A publicação eletrônica, acessível de forma gratuita [3], reconhece a primazia cidadã na educação pública e a essencialidade da atuação dos conselhos. Criação, elaboração de regimento interno, planejamento, organização e registro das atividades são alguns dos tópicos abordados. Atenção especial é dedicada à compreensão do financiamento das ações de manutenção e desenvolvimento do ensino e controle da aplicação do mínimo de recursos exigido na Constituição. A identificação de boas práticas de acompanhamento e fiscalização, ao lado da orientação para elaboração de denúncias e prestação de contas, conferem ao guia a praticidade que se espera para um assunto que não pode mais esperar.

Com essa iniciativa, o sistema de controle externo brasileiro, liderado pela Atricon, reconhece seus deveres e compromissos de colaborar com a qualidade das políticas públicas educacionais. A pretensão é ajudar a enfrentar os obstáculos identificados por Diogo de Figueiredo Moreira Neto para a plena participação: ofertar o conhecimento necessário para estimular o cidadão a participar, por um lado, e por outro cobrar do Estado que garanta a efetividade dessa participação.

 


[1] A Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), o Instituto Rui Barbosa (IRB) e o Gabinete de Articulação para a Efetividade da Política da Educação (Gaepe-Brasil) divulgaram um manifesto em defesa da retirada dos repasses da União Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb): https://atricon.org.br/entidades-que-representam-tribunais-de-contas-se-manifestam-pela-retirada-do-fundeb-do-novo-marco-fiscal/

[2] MOREIRA NETO, Diogo Figueiredo. Direito da Participação Política. Rio de Janeiro: Renovar,1992.

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