E o Moro?

TSE não extrapolou interpretação sobre inelegibilidade ao cassar Deltan Dallagnol

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17 de maio de 2023, 11h44

Ao cassar o mandato do deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR) na noite de terça-feira (16/5), o Tribunal Superior Eleitoral foi coerente e adequado. A Corte não deu interpretação extensiva e indevida a uma causa de inelegibilidade incluída no ordenamento pela Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 135/2010).

Essa é a opinião de especialistas consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico. Dallagnol foi considerado inelegível porque, sabendo que era alvo de 15 procedimentos administrativos no Conselho Nacional do Ministério Público, adiantou sua exoneração do cargo de procurador de República para evitar ser punido.

Fernando Frazão/Agência Brasil
Deltan Dallagnol deixou o cargo no MPF para evitar se tornar alvo de PADs e, assim, se tornar inelegível, segundo o TSE
Fernando Frazão/Agência Brasil

Esses 15 incidentes no CNMP tinham grande chance de evoluir para procedimentos administrativos disciplinares (PAD). Se isso ocorresse antes de fevereiro de 2022 — prazo que a lei dá para membros do MP deixarem os cargos para concorrer nas eleições — ele se tornaria inelegível com base no artigo 1º, inciso I, letra "q" da Lei Complementar 64/1990.

Para o TSE, Dallagnol cometeu fraude à lei: praticou uma conduta lícita com o objetivo de atingir uma finalidade proibida pela norma jurídica. Já para a defesa do deputado federal, feita pelo advogado Leandro Souza Rosa, a posição gera uma quebra da segurança jurídica.

Na tribuna do TSE, ele apontou que, ao manter válida a candidatura de outro lavajatista — o ex-juiz Sérgio Moro — a corte fixou que a inelegibilidade da alínea "q" só se aplica quando houver PAD e não se estende outros procedimentos como o pedido de providências e a reclamação disciplinar. Assim, não caberia punir Dallagnol, que ainda não tinha PADs abertos contra si.

Para os especialistas, os casos não podem ser comparados. Moro deixou o cargo em 2018 para integrar a equipe de transição do governo Bolsonaro, do qual se tornaria ministro da Justiça e Segurança Pública. Já o caso Dallagnol mostra que a atuação dele foi orquestrada para, de uma só vez, escapar dos eventuais PADs e viabilizar a própria candidatura.

Dallagnol x Moro
Para Carlos Medrado, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), a interpretação e alcance que os ministros do TSE deram à causa de inelegibilidade foi adequada graças aos contornos do caso concreto. Entre eles está o fato de que Deltan se exonerou do cargo muito antes do prazo final para desincompatibilização e apenas 16 dias depois de um colega seu ser demitido do MPF por sua atuação na "lava jato".

Ele destacou que são bastante escassos os precedentes sobre a inelegibilidade da alínea "q". Isso porque há um reduzido — embora crescente — número de magistrados e membros do MP que se lançam na política e menos ainda os que, entre esses, são alvo de processos disciplinares por sua atuação funcional.

Segundo Antônio Carlos Freitas Júnior, o desafio é justamente entender qual foi a intenção do agente ao pedir a exoneração. Ele refuta a existência de uma fórmula matemática: pedido de exoneração + procedimento administrativo = inelegibilidade. É preciso o comportamento doloso de fraudar a lei. E é nesse ponto que o caso de Dallagnol se diferencia do caso Moro.

"O TSE entendeu que, nesse caso concreto, teria condições fáticas para inferir que o candidato pediu exoneração com objetivo de frustrar o procedimento disciplinar e afastar a sanção da inelegibilidade. E no caso Moro, eles compreenderam que exoneração não foi com esse objetivo. Estava longe a candidatura. Não houve fraude à inelegibilidade", explicou.

Antonio Augusto/Secom/TSE
Relator, ministro Benedito Gonçalves traçou diferenciação entre o caso de Deltan Dallangol e o do ex-juiz Sérgio Moro
Antonio Augusto/Secom/TSE

Na opinião de Alexandre Rollo, a posição adotada pelo TSE foi sensata. "É claro que normas restritivas do direitos fundamentais não comportam interpretação extensiva. Se o TSE assim fizesse, estaria equivocado. Não me parece que tenha ocorrido. Cada caso é um caso e deve ser examinado com suas peculiaridades", afirmou.

A ausência de quebra da segurança jurídica mereceu, inclusive, um capítulo a parte no voto do relator, ministro Benedito Gonçalves. Ele explicou que o objetivo em julgamento não era a possibilidade ou não de se conferir interpretação ampliativa ao termo "processo administrativo disciplinar", mas sim uma conduta anterior e contrária ao Direito para evitar a instauração desses processos.

O constitucionalista e colunista da ConJur Lenio Streck explica que cada regra tem um princípio ou mais que lhe dá suporte. "No caso do direito administrativo disciplinar, o princípio que sustenta o sistema é: ninguém pode sair do serviço público e ficar 'devendo' questões disciplinares. A exoneração não pode ser usada para escamotear o dever da administração de averiguar e sancionar servidores que cometeram faltas ou ilícitos. Se assim não fosse, a exoneração poderia ser posta como 'fator de exclusão' de culpa. Ou exclusão de ilicitude. Por isso o TSE acertou."

Para Acacio Miranda da Silva Filho, a diferença entre os casos também passa pelo momento dos procedimentos administrativos: os contra Moro eram embrionários, enquanto os de Deltan estavam mais avançados. "Diante disso, os resultados jurídicos foram distintos." Para ele, também, a interpretação é correta e coerente.

Novidade nenhuma
Os especialistas consultados pela ConJur também são unânimes em afastar a ocorrência de inovação pelo TSE. Inúmeros casos de fraude à lei já reconhecidos foram citados. Entre eles, o impeachment de Fernado Collor, que em 1992 renunciou à presidência da República depois de ser afastado pelo Senado e, mesmo assim, foi condenado tornado inelegível.

Pelo mesmo motivo, o Supremo Tribunal Federal tem a conduta de manter os julgamentos da constitucionalidade de leis mesmo quando elas são conveniente revogadas ou substituídas — nesses casos, a corte não se presta a declarar a perda de objeto.

"É da história constitucional brasileira o tipo de interpretação dada pelo TSE", explica Antônio Carlos Freitas Júnior. "Quando um ato lícito é usado para burlar uma lei, os órgãos jurisdicionais entendem por fraude e tiram o efeito do mesmo."

Carlos Medrado ressalta que o conceito de fraude não é originário e nem exclusivo do Direito Eleitoral e que as definições prevalentes em outros ramos devem ser também analisadas e levadas em consideração na interpretação que é desenvolvida pela Justiça Eleitoral.

"A fraude é sempre de difícil demonstração. E foi no conjunto de indícios e presunções, como autoriza o artigo 23 da Lei das Inelegibilidades, que o ministro formou convicção, acompanhado, aliás, por todos os outros integrantes do TSE", diz.

Alexandre Rollo destaca que a previsão da alínea "q" da LC 64/1990, incluída pela Lei da Ficha Limpa, é condizente com outras causas de inelegibilidade. Por exemplo: ficam inelegíveis os que os que forem excluídos do exercício da profissão, por decisão sancionatória do órgão profissional competente, em decorrência de infração ético-profissional (alínea "m") e os que renunciarem a seus mandatos para evitar cassação (alínea "k").

Isso significa que magistrados e membros do MP que tiverem intenção eleitoral devem se certificar de que não são alvos de procedimentos administrativos antes de viabilizar suas candidaturas. "Criar a circunstância objetiva de que a intenção é pura e simplesmente ser candidato e não de fraudar esse tipo de sanção", diz Antonio Carlos Freitas.

RO 0601407-70.2022.6.16.0000

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