Combinado ou legislado?

STJ julga execução imediata da pena após homologação de colaboração premiada

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3 de maio de 2023, 19h26

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça analisa se a previsão de acordo de colaboração de imediato cumprimento da pena privativa de liberdade após sua homologação pelo juízo, mas antes da sentença, ofende o devido processo legal e a presunção de inocência.

Lucas Pricken
Ministro Raul Araújo votou por obrigar o colaborador a cumprir a pena da forma como foi acertado após negociação com o MPF
Lucas Pricken

O tema está em análise no caso de uma pessoa que firmou acordo para cumprir 15 anos de pena em sanções atípicas francamente favoráveis, negociadas com o Ministério Público Federal e homologadas judicialmente. O julgamento foi interrompido na sessão desta quarta-feira (3/5) por pedido de vista do ministro Mauro Campbell.

Uma das cláusulas prevê que a pena privativa de liberdade será cumprida “imediatamente após a homologação do acordo” e de forma progressiva. No primeiro ano, o réu estará no regime semiaberto diferenciado: preso em casa das 20h às 6h durante a semana e o dia todo nos feriados e finais de semana.

Nos 18 meses seguintes, cumprirá regime aberto diferenciado, ainda em prisão domiciliar, com recolhimento integral apenas aos finais de semana e feriado. E nos 12 anos e 6 meses seguintes, deverá apenas informar semestralmente seu endereço e contato, além de fornecer relatório sobre suas atividades.

Quando o ministro Raul Araújo, relator, mandou o colaborador cumprir a pena, a defesa se insurgiu. Apontou que o cumprimento da penalidade antes da sentença causaria violação ao princípio do processo legal, à presunção de inocência e à necessidade do processo penal.

No caso de colaboração premiada, a sentença é posterior à homologação e meramente aprecia os termos do que foi acordado. A análise do acordo, seus termos e sua eficácia é feita pelo juízo antes de homologá-lo.

Em sessão nesta quarta, Raul Araújo votou por negar o recurso da defesa. Apontou que a forma de cumprimento da pena no caso concreto não é prisão no sentido estrito de reprimenda estatal, mas mera condição do acordo com o qual o colaborador concordou.

Com isso, destacou que não se pode invocar o devido processos legal e a presunção de inocência para, violando legitima expectativa do Ministério Público Federal e em ofensa ao dever de lealdade, deixar de cumprir o que foi combinado somente na parte que lhe interessa.

Nem prisão é
A possibilidade de aplicar as chamadas sanções penais atípicas no âmbito da colaboração premiada foi confirmada pela própria Corte Especial do STJ em outubro de 2020. Naquela ocasião, não foi analisado o momento em que tais sanções deveriam começar a ser aplicadas.

Para Raul Araújo, esse tema não pode ser abordado sob os aspectos do Direito Penal clássico. Em vez disso, deve levar em consideração o surgimento de um novo modelo de justiça penal negocial, no qual se insere o acordo de colaboração premiada.

Em sua análise, o acordo firmado não traz previsão das penalidades como reprimenda estatal. O descumprimento das condições combinadas, por exemplo, não vai gerar o recrudescimento do regime de pena. Em vez disso, haverá a rescisão do acordo, com o consequente oferecimento da denúncia e instauração da ação penal.

Assim, aplicar o devido processo legal no caso do acordo de colaboração levaria não apenas a alterar o momento do cumprimento da pena, mas alterar o próprio regime fixado. Não há na lei penal brasileira a previsão de começar uma pena de 15 anos no regime semiaberto domiciliar, por exemplo.

“A existência do espaço de negociação é a essência da colaboração premiada”, apontou o ministro Raul. Assim, retirar o cumprimento imediato da pena do acordo extirparia o principal custo imposto ao colaborador pelo Ministério Público Federal. “Comprometeria todo o acordo”, resumiu.

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