Aviso aos navegantes

No 'caso Bolsonaro', TSE reforça limite entre presidente e candidato à reeleição

Autor

30 de junho de 2023, 20h04

Ao declarar a inelegibilidade de Jair Bolsonaro por ilícitos cometidos durante uma reunião que ele organizou com embaixadores estrangeiros, com intuito eleitoreiro, o Tribunal Superior Eleitoral mostrou que o manejo da administração pública por candidatos à reeleição deve ser feito com grande autocontenção, apesar do modelo constitucional escolhido pelo Brasil.

Essa é a visão de especialistas no assunto consultados pela revista eletrônica Consultor Jurídico em relação à condenação imposta ao ex-presidente. Em julgamento concluído nesta sexta-feira (30/6), o tribunal entendeu que Bolsonaro praticou abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.

Presidência da República
Presidente Bolsonaro organizou evento
com embaixadores e usou argumentos
de candidato à reeleição ao cargo
Presidência da República

A ação de investigação judicial eleitoral que levou à punição de Bolsonaro é apenas a primeira de um total de 16 processos contra ele, a maioria decorrente de oportunidades em que o então presidente da República se esforçou para redefinir os limites que separam a figura do chefe do Poder Executivo do candidato à reeleição.

Convocado a agir, o TSE buscou delimitar a separação entre essas duas figuras, inicialmente nas representações contra propaganda irregular. A lógica é simples: a atuação como presidente é uma situação inacessível aos adversários de Bolsonaro na eleição. Logo, não pode ser explorada com intuito eleitoreiro.

Foi por esse motivo que Bolsonaro não pôde usar em suas peças de propaganda imagens de seu discurso eleitoreiro no 7 de setembro, nem filmagem da tal reunião com embaixadores, na qual repetiu mentiras sobre a confiabilidade do sistema eleitoral, tampouco registros de sua manifestação a apoiadores em Londres, onde esteve para o velório da rainha Elizabeth II, ou de seu discurso na Assembleia-Geral da ONU.

Até mesmo as tradicionais lives com temas eleitorais nas dependências dos Palácios do Planalto (local de trabalho do presidente) e da Alvorada (moradia do presidente) foram proibidas. Para o advogado Antonio Carlos de Freitas Júnior, o resultado da Aije contra Bolsonaro representa um grande aviso do TSE .

"Embora exista o instituto da reeleição, ele não pode permitir que autoridades utilizem seus mecanismos públicos e recursos para pedir voto ou até para tornar mais sólida a campanha eleitoral. Essa divisão entre a atuação do administrador e a do candidato tem de ser cada vez mais clara, mais nítida. É para essa vigilância que se está apontando."

A reeleição foi criada por emenda constitucional em 1997 e, de fato, estabeleceu uma desvantagem para os que concorrem com os atuais chefes do Executivo. Basta ver que Jair Bolsonaro foi o primeiro a tentar e não conseguir se reeleger presidente. Antes dele, Fernando Henrique Cardoso (1998), Lula (2006) e Dilma Rousseff (2014) conseguiram se manter no cargo.

Segundo Freitas Júnior, a única possibilidade de extinguir o problema é acabar com a reeleição. "A reeleição mantém esse prejuízo, que vai depender de liminares, de fiscalização, da população, da oposição, do Ministério Público. Não existe um novo mecanismo legislativo mais eficiente do que os que já temos para evitar esse problema."

O advogado Acacio Miranda da Silva Filho aponta que, de fato, da Presidência às prefeituras dos menores municípios, só não se reelege quem tem gestão muito ruim ou muito polêmica. "A figura da reeleição foi imposta sobre muitas discussões e, 25 anos depois, ainda existem muitas divergências", disse ele. "Uma gestão com avaliação média é muito competitiva por si só quando falamos de reeleição."

Antonio Augusto/Secom/TSE
Caráter eleitoreiro do discurso de
Bolsonaro foi destacado no voto do relator da Aije, ministro Benedito Gonçalves
Antonio Augusto/Secom/TSE

Aviso aos navegantes
Apesar disso, o advogado destaca que não é incomum ver a Justiça Eleitoral punir os desvios de conduta de chefes do Poder Executivo municipal e estadual durante as eleições. Ele acrescenta que o TSE agora mostra para a classe política que o que é aplicado nos Tribunais Regionais Eleitorais também vale para os cargos mais altos da República.

"Nós temos nos deparado com uma maior repressão por parte dos órgãos judiciários nos últimos anos. Isso é um efeito da consolidação do nosso Estado de Direito democrático, e a Justiça Eleitoral passa por um fenômeno parecido. Não significa que todas as formas de repressão sejam suficientes ou necessárias, mas é o momento social que vivemos", opinou Silva Filho.

Ele afirmou ainda que o fato de o TSE julgar um ex-presidente por abuso de poder político foi o que levou a corte a adotar um cuidado maior para comprovar a gravidade dos atos praticados por Bolsonaro, já que a punição, a rigor, depende da capacidade de impor uma vantagem ao candidato sobre seus concorrentes.

"Qual o poder de influência das condutas de um presidente em uma campanha territorialmente nacional, onde esses efeitos se diluem de forma muito rápida em um grande território?", indagou o advogado Antônio Ribeiro, membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).

"Agora o tribunal entende que há, sim, algumas circunstâncias que são concretamente capazes de serem aferidas em processos. E uma delas é o limite de ataques às instituições, o limite à negação de validade e eficácia das instituições democráticas. Isso vem se consolidando como o novo marco jurisprudencial no Poder Judiciário", apontou ele.

Propaganda x Aije
Ribeiro destaca também que não há como confundir a investigação dos abusos praticados pelos candidatos durante a campanha com a repressão da Justiça Eleitoral em relação à propaganda.

No caso das representações, o objetivo é evitar a criação de estados passionais por meio da propaganda irregular, fatos capazes de influenciar maliciosamente a escolha do eleitor. Essas mesmas condutas, ainda que sejam reprimidas, podem ensejar a inelegibilidade em uma ação de investigação judicial eleitoral caso fique demonstrado que elas foram graves o bastante.

"Essa decisão em sede de representação eleitoral por propaganda irregular é importante, sobretudo quando analisamos um período de 45 dias de eleição, um curto espaço de tempo, de propaganda. Ela cumpre o objetivo a que se propõe, mas não impede e nem deve impedir que posteriormente, em ações próprias, possa ser analisado, pelo mesmo motivo, o abuso de poder econômico e político", explicou Ribeiro.

Aije 0600814-85.2022.6.00.0000

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!