Garantias do Consumo

Greenwashing, sustentabilidade e os direitos dos consumidores

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28 de junho de 2023, 8h00

A regulação e a regulamentação do greenwashing na União Europeia, apesar do seu mais recente movimento impulsionador, são atividades que ainda engatinham, embora as práticas que lhe dão origem sejam quase maiores de idade.

Uma das primeiras aproximações à tentativa de legislar sobre o fenômeno do greenwashing no seio da União surgiu em 2020, com a Nova Agenda do Consumidor, assentando essa vontade política sobretudo numa das suas cinco áreas prioritárias — a transição ecológica. Informação melhor, informação fiável e informação eficaz foram os pilares que deram o mote à capacitação dos consumidores para o consumo sustentável. A ideia da sustentabilidade (agora) aplicada ao consumo foi ostensivamente declarada em 2019, no Pacto Ecológico Europeu. A ligação entre os dois conceitos não era, até então, clara e muito menos explícita ao nível teórico, sendo-o ainda menos ao nível legislativo. Porém, com o surgimento do Pacto Ecológico Europeu, a perspectiva de o consumidor ser também ele uma parte ativa na causa ambiental floresceu e estreou-se como meta europeia.

Vários diplomas europeus surgiram, entretanto, com interligação evidente dos temas da sustentabilidade e do consumo, uns com um pendor mais declarado do que outros em prol da sustentabilidade ambiental e social. É incontornável a referência à Diretiva (EU) 2019/771 [1], um texto legislativo que veio alterar o regime da compra e venda de bens de consumo na União Europeia e que, de certa forma, já se encontrava obsoleto no momento da sua aprovação [2]. Neste diploma, também de 2019, são já detectáveis algumas preocupações em matéria de sustentabilidade, pelo menos como força de princípio, ainda que em termos de concretização prática ainda se revele um diploma bastante tímido. Precisamente devido a essa falta de palpabilidade de efeitos benignos em matéria de sustentabilidade, esta Diretiva conhecerá alterações em breve no caso de ser aprovada a Proposta de Diretiva sobre as regras comuns para a promoção da reparação de bens, que viu a luz no dia 22 de março de 2023 [3]. Era expectável, sobretudo depois das várias críticas que se sucederam nesta matéria, particularmente ao nível dos direitos dos consumidores em caso de desconformidade do bem.

Porém, insistimos, é importante notar que a Diretiva 2019/771 é um diploma que data de 2019. As iniciativas legislativas seguintes da União nesta matéria apresentam já, felizmente, um tom bem mais arrojado.

Vejam-se as mais recentes novidades nesta matéria. Também no dia 22 de março de 2023, foi divulgada a Proposta de Diretiva relativa à fundamentação e comunicação de alegações ambientais explícitas (Green Claims Directive) [4]. Esta Proposta surge no seguimento da Proposta de Diretiva que altera as Diretivas 2005/29/CE e 2011/83/UE no que diz respeito à capacitação dos consumidores para a transição ecológica através de uma melhor proteção contra práticas desleais e de melhor informação [5], visando complementar as propostas de alteração à Diretiva relativa às práticas comerciais desleais [6].

Esta é, pois, uma tentativa de estabelecer um sistema organizado de normas contra o fenômeno do greenwashing, que é já bem conhecido como prática habitual junto dos consumidores. De facto, nos últimos anos assistiu-se a um movimento bem evidente, por parte do setor empresarial, de resposta às intenções de consumo sustentável dos consumidores. Se as iniciativas, a priori, se revelaram benignas, por responderem simultaneamente às solicitações dos consumidores e às exigências ambientais/sociais, por outro lado, acabaram por revelar-se, numa grande parte dos casos, iniciativas esvaziadas de sentido, sendo possível verificar que parte do setor empresarial encetou muitos mais esforços na comunicação ao consumidor de características de sustentabilidade (muitas vezes falsas) do que na aplicação desses mesmos esforços em alterações estratégicas significativas de política empresarial que conduzissem, de facto, à compra e venda de bens ou serviços sustentáveis. Greenwashing tornou-se uma palavra popular entre todos os intervenientes na relação de consumo. Alegações de sustentabilidade ambiental ou social, mesmo quando tais referências eram esvaziadas de conteúdo, absolutamente falsas, ou, sendo verdadeiras, dissimulavam práticas não sustentáveis, travestiram toda a intenção do que seria a promoção do consumo sustentável. Num estudo da Comissão Europeia, onde foram analisadas 150 alegações ambientais, em vários produtos, verificou-se que 53,3% dessas alegações eram vagas, enganosas ou infundadas, 40% não tinham qualquer fundamento e 50% da rotulagem sustentável não era objeto de verificação (ou, sendo, era fraca) [7].

Não foi, por isso, surpreendente quando a Green Claims Directive veio a público. Na verdade, já há muito que vinha sendo aguardada. Em 2022, a Proposta de Diretiva relativa à capacitação dos consumidores para a transição ecológica já tinha apresentado alguns passos significativos na matéria, implementando algumas medidas legislativas tendentes ao combate do greenwashing. Sobre o diploma das práticas comerciais desleais, é de destacar (1) a proposta de alteração do alargamento da lista das ações consideradas enganosas, estabelecidas no artigo 6.º, n.º 1, da Diretiva 2005/29/CE, visando incluir os conceitos de "impacto ambiental ou social", "durabilidade" e "reparabilidade"; (2) a proposta de alteração do artigo 6º, nº 2, no sentido de se poder considerar enganosa, em contexto, a apresentação de uma alegação ambiental que não assente em compromissos e metas claras, objetivas e verificáveis, nem um sistema de controlo independente; (3) a proposta de aditamento de novas práticas comerciais que devem ser consideradas desleais em qualquer circunstância, nomeadamente a exibição de um rótulo de sustentabilidade que não se baseia num sistema de certificação ou que se baseia num sistema de certificação que não foi criado por autoridades públicas; fazer uma alegação ambiental genérica para a qual o profissional não consegue demonstrar um desempenho ambiental reconhecido e relevante para a alegação; fazer uma alegação ambiental sobre o bem na sua totalidade quando se refere apenas a uma determinada parte desse bem; apresentar como característica distintiva do bem requisitos impostos por lei a todos os bens no mercado da União.

Com a Green Claims Directive, o greenwashing tornou-se definitivamente uma meta a extinguir, colocando-se, desta vez, o enfoque mais claro no papel das empresas e respectiva fundamentação e comunicação das alegações sustentáveis. Entre o mais, se a Proposta for aprovada, serão estabelecidos requisitos específicos quanto aos contornos de fundamentação das alegações ambientais que o profissional faça, quanto à inclusão de informação acerca da forma como o consumidor deve utilizar o bem de forma a obter o desempenho ambiental esperado e alegado, quanto à regulação das alegações ambientais comparativas e quanto aos requisitos de recurso aos sistemas de certificação ambiental. Parece também resultar da proposta que o caminho, para a frente, não deverá implicar a criação de novos sistemas de certificação, considerando os já cerca de 230 rótulos disponíveis na União.

Naturalmente que uma grande parte dos diplomas apresentados não configuram ainda textos legislativos definitivos. No entanto, destacam-se pela iniciativa de resposta ao problema, pela novidade e atualidade legislativa e pela sempre renovada intenção da União em corresponder às expectativas dos consumidores europeus.

 


[1] Diretiva (UE) 2019/771 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2019, relativa a certos aspectos dos contratos de compra e venda de bens que altera o Regulamento (UE) 2017/2394 e a Diretiva 2009/22/CE e que revoga a Diretiva 1999/44/CE. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32019L0771.

[2] Jorge Morais Carvalho, "The Premature Obsolescence of the New Deal for Consumers", in EuCML – Journal of European Consumer and Market Law, Vol. 10, nº 3, 2021, pp. 85-88.

[6] Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno e que altera a Diretiva 84/450/CEE do Conselho, as Diretivas 97/7/CE, 98/27/CE e 2002/65/CE e o Regulamento (CE) n.º 2006/2004. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32005L0029&from=EN.

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