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Dano social consumerista é pedagógico, mas pode aumentar judicialização

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29 de julho de 2023, 9h40

O Tribunal de Justiça de São Paulo recentemente constatou indícios de dano social devido à cobrança reiterada de juros abusivos por parte de um banco, e por isso expediu ofícios a instituições como o Ministério Público estadual, a Defensoria Pública, o Procon, a Secretaria Nacional do Consumidor e o Banco Central.

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Juros abusivos são exemplo de dano social consumerista, como constatado pelo TJ-SPNikcoa/freepik

Especialistas em Direito do Consumidor apontam que o reconhecimento do dano social em casos do tipo tem um efeito pedagógico. Por outro lado, pode causar um aumento da judicialização.

Conforme a doutrina do professor Antônio Junqueira de Azevedo, danos sociais são lesões à sociedade, por rebaixamento de seu patrimônio moral ou por diminuição na qualidade de vida da população.

Em outras palavras, tais danos se referem a comportamentos socialmente reprováveis. O objetivo de uma eventual indenização, nesses casos, não é retornar a um status anterior, mas sim punir o agente responsável pela lesão e evitar novas práticas danosas.

Correndo atrás do prejuízo
O advogado e professor Arthur Rollo, ex-secretário nacional do Consumidor, explica que a ideia do dano social consumerista, nessas situações, é justamente "desestimular novos juros abusivos". Mas, conforme os casos são noticiados pela mídia, "as pessoas ficam mais atentas com os juros abusivos de que estão sendo vítimas", o que pode desencadear uma judicialização maior.

Já Bruno Monfardini Vuolo, advogado associado do escritório Meira Breseghello Advogados, com atuação na área de relações de consumo do setor financeiro, ressalta que "o consumidor individual sequer tem legitimidade para propor ação com fundamento no dano social", já que ele atinge toda a sociedade.

No acórdão do TJ-SP, o desembargador-relator Roberto Mac Cracken não fixou indenização, pois a ação era individual. Em vez disso, oficiou instituições legitimadas a ajuizar ações coletivas — que podem conter pedidos de indenização por danos sociais, dentre outros.

Segundo Vuolo, se todos os legitimados adotarem medidas, "certamente poderá correr sobreposições de ações", além de possíveis punições pelo mesmo fato (bis in idem). Por isso, ele diz que "o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor deve estar alinhado para evitar a judicialização desmedida e decisões conflitantes".

O advogado também considera que "a intenção de auferir possível indenização por dano social a partir de decisões como esta pode acabar gerando ações em massa sem a devida análise da legitimidade adequada". De acordo com ele, isso vem ocorrendo em outras situações, especialmente ligadas a instituições financeiras.

Agência Brasil
Instituições de defesa do consumidor podem pleitear danos sociais, mas indivíduos nãoAgência Brasil

Lição de moral
O advogado Jonas Sales Fernandes da Silva, membro diretor do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon), afirma que a reparação meramente individual não vem surtindo efeitos práticos com relação a juros abusivos. Assim, a indenização por dano social surge como "forma punitiva/pedagógica de se frear as infindáveis e repetidas práticas ilícitas levadas a efeito pelo banco ofensor".

Para ele, a atitude de reconhecer o dano social está "longe de incitar o aumento da judicialização". Fernandes da Silva considera tal prática importante por "verdadeiramente fazer com que a empresa perceba que não pode seguir no mercado com práticas ilícitas, sob pena de ser condenada a indenizar a própria sociedade". O advogado lembra que a indenização geralmente é milionária e leva em conta o porte e os lucros da fornecedora. 

Antônio Carlos Cintra, coordenador do Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública do Distrito Federal e da Comissão Temática dos Direitos do Consumidor da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep), lembra que, conforme o Código Civil, as indenizações se dão na proporção do dano. Devido a essa previsão legal, a jurisprudência entende que indenizações não devem ser usadas para punir.

Segundo o defensor público, isso gera um problema nas relações consumeristas: as empresas, como os bancos, percebem que a desobediência às regras de defesa do consumidor não interferem nos seus lucros. Assim, caso seja constatada uma cobrança abusiva, o pior cenário possível para o fornecedor é uma condenação à reparação do dano, para que apenas se cobre o que deveria ter sido cobrado desde o início.

Portanto, Cintra defende o caráter pedagógico do dano social, pois tal conceito permite uma reparação social na forma de uma punição. "O que acontece mesmo, na prática, é punir uma má conduta", indica.

Tudo relativo
Já na visão de Christian Printes, advogado especialista em direitos do consumidor e coordenador do contencioso da área jurídica do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), "o cumprimento do caráter pedagógico vai depender do valor do dano social que for reconhecido pelo Poder Judiciário".

Segundo ele, não existe uma correlação direta entre o reconhecimento do dano social e o aumento da judicialização, pois "são institutos do Direito distintos e que não se equiparam às condenações em danos morais individuais".

Para o bem de todos
Desde que Junqueira de Azevedo conceituou o dano social na doutrina, surgiram divergências sobre quem deveria ser o destinatário de uma eventual indenização. O professor defendia que ela fosse entregue à própria vítima do dano.

Mas, atualmente, já é consenso entre os especialistas que tais valores devem ser direcionados a um fundo de proteção ao consumidor, pois o dano não é individual. Os recursos do fundo devem ser usados para promoção do bem-estar da sociedade, com ações de informação dos direitos do consumidor, aparelhamento dos órgãos de defesa do consumidor etc.

Segundo Rollo, antigamente havia a praxe de juízes escolherem uma instituição para reverter os valores. Mas, segundo ele, "isso não é poder discricionário" dos magistrados. Tal definição cabe ao conselho gestor do fundo.

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