Prática Trabalhista

Etarismo: discriminação e preconceito no ambiente de trabalho

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

27 de julho de 2023, 8h00

É sabido que a proteção contra a discriminação e o preconceito no ambiente de trabalho é regra a ser observada nas relações entre empregados e empresas, de sorte que, nos últimos tempos, tem-se observado que o etarismo ou idadismo — situações em que ocorre a discriminação por idade — tem se mostrado mais presente no meio empresarial, sem que, porém, as companhias estivessem atentas a este novo cenário da população brasileira.

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De início, impende destacar que esse tipo de discriminação pode atingir qualquer faixa etária, não obstante aconteça de modo mais frequente entre homens e mulheres que se encontrem em uma idade mais avançada. Em que pese a expressão etarismo possa parecer "nova", a discriminação no mercado de trabalho por conta da idade é um assunto antigo.

Com efeito, de acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2021, o Brasil possui hoje cerca de 32 milhões de pessoas acima dos 60 anos, e ainda, mais da metade da população alcançou os 30 anos [1].

E, mais, segundo o Relatório Global sobre Etarismo elaborado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Organização das Nações Unidas (ONU), o etarismo institucional relaciona-se ao conjunto de regras, normas e práticas de instituições que limitam indevidamente as oportunidades devido à idade, conquanto o etarismo interpessoal pode surgir na interação de duas ou mais pessoas. A título de exemplo, pode acontecer no ambiente de trabalho quando a pessoa é julgada em virtude de sua idade [2].

De acordo com uma pesquisa realizada pela empresa Ernst & Young e a agência Maturi em 2022, o etarismo dificulta a inserção das pessoas maiores de 50 anos no mercado de trabalho, de forma que das companhias entrevistadas o percentual de trabalhadores nessa faixa etária, em seu quadro funcional, corresponde entre 6% e 10% [3].

De igual modo, um levantamento feito pela Infojobs concluiu que 57% dos entrevistados já passaram por algum episódio de hostilidade em razão da sua idade. Isso porque, de um lado, os mais jovens se sentiram subestimados; de outro, os mais velhos vivenciaram questionamentos de seu profissionalismo pelos mais novos [4].

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Por certo, a temática é polêmica, tanto que o assunto foi indicado por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista, da revista Consultor Jurídico (ConJur) [5], razão pela qual agradecemos o contato.

Do ponto de vista normativo no Brasil, a Constituição de 1988 estabelece em seu artigo 3º, inciso IV, que dentre os seus objetivos fundamentais figura a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação [6].

Mais a mais, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), no capítulo da proteção do trabalho da mulher, dispõe sobre a vedação de discriminação por idade em seu artigo 373-A, incisos I, II e III [7]. E, ainda, a Lei nº 9.029, de 13 de abril de 1995, proíbe expressamente a adoção de toda e qualquer prática discriminatória para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho, e, dentre essas condutas, está inclusive a discriminação por idade [8].

Já do ponto de vista internacional, a Convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) [9] dispõe sobre a proibição de discriminação em matéria de emprego e ocupação, protegendo a dignidade da pessoa humana.

A respeito da temática, oportunos são os ensinamentos da professora Cristina Paranhos Olmos [10]:

"A Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil, a Constituição Federal do Brasil e as leis infraconstitucionais, como exposto, protegem os trabalhadores contra a discriminação.

(…). A discriminação que mais preocupa no que se refere à idade é a que impede a contratação de pessoas de determinada faixa etária, a exemplo, do que ocorre com as muito jovens, ou acima de 35 anos, consideradas 'velhas' para o mercado de trabalho.

A dificuldade do jovem é para ser inserido no mercado de trabalho, porquanto os empregadores evitam a contratação de pessoas de pouca idade e sem experiência na atividade".

Recentemente, a Justiça do Trabalho de São Paulo condenou uma empresa ao pagamento de uma indenização por dano moral em favor de uma trabalhadora de 64 anos de idade, haja vista a prática de etarismo no local de trabalho [11]. A trabalhadora relatou no processo judicial que recebia repostas ofensivas de seus supervisores, na presença dos demais trabalhadores da empresa, em razão da idade e por ter dificuldades para operar os computadores, sendo tal fato comprovado em audiência.

Em outro caso, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 4ª Região considerou nula a despedida de um trabalhador em razão da idade, e, por conseguinte, determinou a sua reintegração ao emprego, assim como arbitrou uma indenização por danos morais em virtude da dispensa discriminatória [12].

Em seu voto, o desembargador relator ponderou:

"Ora, resultou demonstrado que o ato de despedida do reclamante, cujo contrato de trabalho já perdurava por mais de 23 anos, decorreu da sua idade — contava com 55 anos quando foi despedido. Nessas circunstâncias, a dispensa do autor, tal como concluiu a douta magistrada de origem, foi nitidamente discriminatória, evidenciando mero descarte de empregado pela sua idade. Houve, portanto, extrapolação do poder diretivo do empregador e do dever de guardar o princípio da boa-fé na execução dos contratos (CC, art. 422)".

O Tribunal Superior do Trabalho (TST) também já foi provocado a emitir um juízo de valor sobre o assunto, de forma que manteve a condenação de indenização por danos morais coletivos em razão de constatar a irregularidade no anúncio de uma vaga de emprego, o qual continha restrição de idade para admissão de um determinado cargo [13].

Logo, é imprescindível o combate ao etarismo a partir de políticas públicas e privadas, com o objetivo de erradicar a discriminação por idade e, por conseguinte, elidir a desigualdade, proporcionando uma melhor qualidade de vida, assim como o respeito aos direitos humanos fundamentais.

Frise-se que o empregador deve proporcionar um meio ambiente laboral saudável, e, por isso, é forçosa a implementação de mecanismos e estratégias para evitar a discriminação por idade nas empresas.

Em arremate, é necessária a adoção de boas práticas e utilização de uma linguagem correta e abrangedora para a intolerância etária, pois, hodiernamente, nota-se que o conflito entre as gerações está mais presente em nossa sociedade. Além disso, é preciso uma mudança cultural para evitar o uso de palavras e expressões que tragam uma conotação discriminatória e pejorativa, deslegitimando a fala da pessoa mais jovem ou daquela em idade mais avançada.

 


[5] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.

[7] Art. 373-A. Ressalvadas as disposições legais destinadas a corrigir as distorções que afetam o acesso da mulher ao mercado de trabalho e certas especificidades estabelecidas nos acordos trabalhistas, é vedado:

I – publicar ou fazer publicar anúncio de emprego no qual haja referência ao sexo, à idade, à cor ou situação familiar, salvo quando a natureza da atividade a ser exercida, pública e notoriamente, assim o exigir; II – recusar emprego, promoção ou motivar a dispensa do trabalho em razão de sexo, idade, cor, situação familiar ou estado de gravidez, salvo quando a natureza da atividade seja notória e publicamente incompatível; III – considerar o sexo, a idade, a cor ou situação familiar como variável determinante para fins de remuneração, formação profissional e oportunidades de ascensão profissional.

[8] Art. 1º É proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)

[10] Discriminação na relação de emprego e proteção contra a dispensa discriminatória – São Paulo: LTr, 2008 – páginas 75 e 76.

Autores

  • é professor sócio consultor de Chiode e Minicucci Advogados | Littler Global. Parecerista e advogado na Área Empresarial Trabalhista Estratégica. Atuação especializada nos Tribunais (TRTs, TST e STF). Docente da pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Coordenador Trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Ceilo Laboral.

  • é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito, pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho, da USP.

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