Opinião

Limitação à jovem advocacia: ilegalidade só se corrige com acesso à Justiça

Autores

  • Ana Laura Castilho Nunes

    é advogada graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e pós-graduanda em Direito Penal Econômico pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP).

  • Anderson Bezerra Lopes

    é advogado mestre em Processo Penal pela Universidade de São Paulo (USP) especialista em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra/Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) graduado em Direito pela PUC-SP e membro do departamento de Amicus Curiae do IBCCrim.

  • André Jorgetto

    é advogado graduado em Direito pelo Largo São Francisco da Universidade de São Paulo (FD/USP) graduando em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia e Letras e Ciências Humanas da mesma instituição (FFLCH/USP).

  • Gilney Batista de Melo

    é advogado mestrando em Processo Penal pela PUC-SP e presidente da Comissão de Direito Penal da subseção Penha de França da OAB-SP.

  • Eduardo Samoel Fonseca

    é advogado doutorando mestre em Processo Penal pela PUC-SP especialista em Direito Penal pela Universidade de Salamanca (Espanha) e em Ciências Criminais pela PUC-MG professor universitário de Direito Penal e Processo Penal e ex-presidente da Comissão de Direito Penal e Processo Penal da OAB-SP (subseção Penha de França).

  • Marcos Rodolfo Araújo Sá

    é advogado graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FDRP/USP) e pós-graduando em Direito Penal Econômico pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP).

  • Maíra Alves Valério

    é advogada graduada em Direito pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU) e pós-graduanda em Ciências Criminais pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FDRP/USP).

  • Ricardo Mamoru Ueno

    é advogado graduado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie especialista em Ciências Criminais pela PUC Minas e diretor auxiliar da OAB-SP (Subseção Penha de França).

  • Sean H. Kompier Abib

    é advogado e mestre em Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

21 de julho de 2023, 6h08

Aristóteles, ao escrever ao filho Nicômaco, dizia que o estudo dos jovens era sem proveito, porque lhes faltaria a experiência que somente a prática os permitiria obter [1]. Uma afirmação tão provocativa vindo de uma figura tão importante para a humanidade deveria ser quase um dogma, se não fosse ela um contrassenso histórico.

Isto porque Aristóteles, vale apontar, foi professor de Alexandre da Macedônia, que, pouco depois dos 20 anos de vida, assumiu o exército de seu pai, Filipe da Macedônia, e criou o maior império conhecido na Antiguidade, ampliando seu domínio dos Bálcãs até o Oriente. Alexandre, o Grande, como ficou conhecido na História, conseguiu superar todo o legado de seu pai em idade muito inferior a que seu genitor conseguiu consolidar o reino macedônico.

Esse exemplo histórico, a bem da verdade, é único, e, por isso, pode ser visto apenas como uma exceção gloriosa. Todavia, serve para demonstrar que a idade não é um fator crucial para determinar a capacidade de um indivíduo realizar grandes feitos.

O debate que ora se propõe é relevante porque, há cerca de um ano, o advogado Antônio Claudio Mariz de Oliveira, um dos maiores nomes da advocacia brasileira, tem defendido a elaboração de um projeto de lei criando filtros etários para atuação nos tribunais, notadamente nos Tribunais Superiores, de forma a exigir que o advogado comprove um tempo mínimo de dez anos de prática para poder militar na cúpula do Poder Judiciário [2]  [3].

A nosso ver, cria-se uma injustificável e instransponível barreira para os jovens advogados sem que se aborde a principal causa do problema: o volume quase sobre-humano de casos que aportam nesses tribunais.

A barreira se mostra injustificável aos alvos porque não são os jovens advogados os causadores do excesso de pedidos de Habeas Corpus e recursos interpostos perante os Tribunais Superiores, mas sim os próprios magistrados e membros do Ministério Público das instâncias inferiores que relutam em acatar sua orientação jurisprudencial — como já noticiado nesta ConJur[4] —, obrigando advogados (de todas as idades) a manusearem os instrumentos legais para reparar as ilegalidades, as quais, muitas vezes, significam prisões injustas e desnecessárias.

Um ponto que pareceu afastado da percepção dos defensores dessa proposta é que os jovens advogados são os responsáveis, na maioria das vezes, por patrocinar a defesa daqueles que não se enquadram no perfil econômico de grandes escritórios que cobram honorários dignos da experiência e sabedoria desses patronos, e, ao mesmo tempo, não se enquadram nos critérios de hipossuficiência a ponto de serem assistidos pelas Defensorias Públicas.

E o crucial: sem a atuação desse segmento da advocacia, ilegalidades praticadas por juízes de primeiro grau, muitas vezes, não serão combatidas simplesmente porque haverá a cláusula de impedimento ao profissional, obrigando-o a sempre contar com um tutor. Ou seja, quem mais sofreria com a medida seriam os jurisdicionados, mediante o cerceamento de seu direito fundamental de acesso à justiça.

Ao fim e ao cabo, o projeto ventilado pelo insigne jurista recria dentro da advocacia um modelo muito parecido com as corporações de ofício da Idade Média, quando a discriminação pelos critérios de idade e antiguidade (de atuação) instituíam hierarquias, de forma que os mais velhos e experientes tutelavam a atuação dos mais novos.

Esse modelo de regulação desestimulou a inovação e favoreceu a obsolescência, tanto que, quando sobreveio a revolução industrial, as corporações não fizeram frente aos impactos do capitalismo nascente e foram por ele atropeladas. Hoje, por sinal, vivenciamos um risco muito parecido com o desenvolvimento da inteligência artificial — esta, sim, que deveria ser objeto de preocupação da advocacia.

E, por fim, nota-se que a discussão não vem embasada em dados empíricos a demonstrar que os advogados com até dez anos de prática são os responsáveis pelo abarrotamento de processos na Justiça brasileira.

Se a conta é feita avaliando a jovialidade dos advogados, ela, por coerência, também deve ser feita avaliando, a partir do mesmo critério, os prolatores das decisões judiciais combatidas.

A bem da verdade, o pano de fundo desse projeto retoma importante questão defendida na ConJur pelos professores Aury Lopes Jr. e Alexandre Morais da Rosa[5] — que, a nosso ver, mostra-se mais efetiva do que a proposta feita pelo doutor Mariz de Oliveira —, qual seja, o déficit no número de ministros no Superior Tribunal de Justiça.

Senão vejamos. O STJ (Superior Tribunal de Justiça) foi criado em 1988 e possui, desde então, a mesma estrutura, com 33 ministros. No entanto, de forma inversamente proporcional, a população brasileira aumentou significativamente de lá pra cá. Ademais, a consciência dos cidadãos a respeito dos seus direitos evoluiu; o acesso à justiça foi ampliado; a jurisprudência das Cortes Superiores cada vez mais procura adequar a prestação jurisdicional (nas instâncias inferiores) ao sistema de direitos e garantias fundamentais do programa constitucional; a informatização ampliou sobremaneira a capacidade de processamento dos recursos; etc. Ou seja, em face dessas e de outras mudanças, é natural que as Cortes Superiores estejam com um excesso de demandas.

No entanto, impor restrições à atuação da jovem advocacia sob o pretexto de diminuir o volume de processos nas Cortes Superiores parece desconsiderar todas essas premissas do problema.

Sendo assim, o que se revela urgente é propor um projeto de lei que aumente consideravelmente o número de ministros do Superior Tribunal de Justiça, pois, aos jovens, não se pode atribuir o "estado de coisas" em que se encontra o Judiciário. Neste ponto, calha recordar uma frase de Isaac Newton, que, com apenas 24 anos de idade desenvolveu o teorema binomial, tendo ponderado certa vez: "se eu vi mais longe, foi por estar sobre ombros de gigantes".

Portanto, cabe a todos que lutam por um sistema de justiça mais eficiente, especialmente os decanos da advocacia, não desconsiderar a colaboração da juventude, que ajuda a oxigenar os debates e, quando enxerga mais longe, é porque se apoia sobre ombros de gigantes.

 


[1] ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução e notas Luciano Ferreira de Souza. São Paulo: Martin Claret, 2016.

[2] MARIZ DE OLIVEIRA, Antônio Claudio. ‘Habeas corpus’ em risco, liberdade em perigo. Disponível em <https://www.estadao.com.br/opiniao/espaco-aberto/habeas-corpus-em-risco-liberdade-em-perigo/> Acesso em 17/07/2023

[3] VITAL, Danilo. Restrições à atuação de advogados leva grupo a propor reorganização da profissão. Disponível em <https://www.conjur.com.br/2022-dez-09/crise-advogados-projetam-reformulacao-carreira-lei> Acesso em 17/07/2023.

[4] VITAL, Danilo. Ministros do STJ criticam TJ-SP por desobediência de jurisprudência criminal. Disponível em <https://www.conjur.com.br/2020-ago-04/ministros-stj-criticam-desobediencia-jurisprudencia-criminal>, acesso em 17/07/23.

[5] LOPES Jr., Aury; e ROSA, Alexandre Morais da. Sustentações orais em agravos da negativa de HC prejudicam a defesa?. Disponível em < https://www.conjur.com.br/2022-jul-08/limite-penal-sustentacoes-orais-agravos-negativa-hc-prejudicam-defesa> Acesso em 17/07/2023.

Autores

  • é advogada, graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e pós-graduanda em Direito Penal Econômico pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP).

  • é advogado criminalista, mestre em Processo Penal pela Universidade de São Paulo, especialista em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra/IBCCrim, graduado em Direito pela PUC-SP, coordenador do Caderno de Jurisprudência e editor-assistente do Boletim IBCCrim.

  • é advogado criminal, especialista em Ciências Criminais pela PUC-MG e presidente da Comissão de Direito Penal e Processo Penal da OAB-SP (subseção Penha de França).

  • é advogado criminal, doutorando, mestre em Processo Penal pela PUC-SP, especialista em Direito Penal pela Universidade de Salamanca (Espanha) e em Ciências Criminais pela PUC-MG, professor universitário de Direito Penal e Processo Penal e ex-presidente da Comissão de Direito Penal e Processo Penal da OAB-SP (subseção Penha de França)

  • é advogado criminal, graduado em Direito pela Universidade de São Paulo (FDRP/ USP) e pós-graduando em Direito Penal Econômico pela Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP).

  • é advogada criminal, graduada em Direito pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU) e pós-graduanda em Ciências Criminais pela Universidade de São Paulo (FDRP/USP).

  • é advogado, graduado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, especialista em Ciências Criminais pela PUC Minas e diretor auxiliar da OAB-SP – Subseção Penha de França.

  • é advogado criminalista e mestre em Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

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