Processo Tributário

Extinção parcial sem julgamento de mérito: sentença ou interlocutória?

Autores

  • Camila Campos Vergueiro

    é advogada doutoranda pela Unimar mestre em Direito Tributário pela PUC-SP professora do Curso de Especialização do Ibet do programa de pós-graduação lato sensu da Fundação Getúlio Vargas (FGV Law) e do Complexo Educacional Damásio de Jesus professora e coordenadora do curso de extensão Processo Tributário Analítico do Ibet e coordenadora do grupo de estudos de Processo tributário analítico do Ibet.

  • Vanessa Damasceno Rosa Spina

    é advogada especialista em Direito Tributário pelo Ibet mestranda em Direito Tributário pela FGV pesquisadora do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet.

16 de julho de 2023, 8h00

Em outro artigo [1] desta coluna, apontamos que o código processual de 2015 passou a admitir o desmembramento do julgamento da demanda, enterrando o dogma de que todos os pedidos devem ser resolvidos num único ato processual, a sentença [2].

Naquela oportunidade, abordou-se exclusivamente a possibilidade de pulverização de pronunciamentos judiciais de mérito [3] em hipótese de ação com plúrimos pedidos autônomos, ou um único pedido de apreciação fracionável em função da multiplicidade de causas de pedir passíveis de apreciação independentes. Os dispositivos normativos analisados foram os artigos 356 e 487, ambos do Código de Processo Civil/2015 [4]

Pronunciamentos desse quilate, ali foi apontado também, assumem a natureza jurídica [5] de decisões interlocutórias, pela somatória dos seguintes elementos: porque assim são denominadas pelo código ao utilizar a palavra "decisão" e não sentença, quando a elas se refere; porque não encerram o processo que seguirá seu curso regular; e porque submetidas à revisibilidade pelo regime recursal do agravo de instrumento.

Contudo, não se trata da única hipótese de cindibilidade decisória admitida normativamente a partir de 2015, por isso o assunto é retomado.

Analisando o parágrafo único do artigo 354 do Código de Processo Civil/2015, é possível reconhecer que ao magistrado também foi outorgada competência para extinguir parcialmente o processo sem julgamento de mérito.

Em que pese o caput do artigo 354 estabelecer que é a sentença o veículo processual habilitado para extinguir o processo, estando-se diante de extinção parcial com base no artigo 485, o ato judicial assume a natureza de decisão interlocutória. Por outras palavras: a extinção de parte do processo sem análise de mérito é enunciada por decisão interlocutória — assim como aquela que extingue parte do processo com análise de mérito.

A definição da natureza da decisão parcial sem mérito observa a mesma racionalidade administrada ao julgamento antecipado parcial de mérito do artigo 356 do CPC, conferindo-se-lhe a natureza de decisão interlocutória porque atinge apenas parte do processo que seguirá sua tramitação normal em relação aos demais pedidos ou fundamentos constantes na exordial.

Uma vez que assume a natureza de decisão interlocutória deve ser atacada por agravo de instrumento, tipo recursal habilitado pelo código para impugnar esse tipo decisório.

Esse ponto merece especial atenção do operador do direito, pois, o cabimento do agravo de instrumento contra decisão parcial que extingue o processo sem análise de mérito está previsto no parágrafo único do artigo 354 do CPC, não constando, porém, no rol das decisões agraváveis do artigo 1.015 do código — o que confirma que a "lista" ali enunciada não é taxativa (vale o registro).

Essa circunstância, saliente-se, em nada prejudica a interposição do agravo de instrumento, seja porque expressamente previsto o seu cabimento no referido parágrafo único do artigo 354, seja porque, consoante a racionalidade do legislador do código, a produção de atos decisórios seccionados, com ou sem análise de mérito, que impliquem continuidade do processo em relação à parte não apreciada perfectibilizam decisão interlocutória, portanto, agravável.

Diante do objeto temático da coluna, a pergunta que a leitora ou o leitor podem estar se fazendo é: mas quando no processo tributário seria possível identificar uma decisão de extinção parcial sem julgamento de mérito?

No ambiente do contencioso judicial antiexacional, podemos pensar na hipótese em que o juiz indefere parcialmente a petição inicial no contexto dos embargos à execução fiscal quando a parte invoca, duas causas de pedir, por exemplo, a decadência de parte do crédito tributário e a compensação de outra parcela.

Como é cediço, a jurisprudência da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça se consolidou no sentido de que "a compensação tributária indeferida na esfera administrativa não pode ser questionada via embargos à execução fiscal, por óbice imposto pelo indigitado artigo 16, § 3º, da LEF" [6] no julgamento dos embargos de divergência 1.795.347 (relator e ministro Gurgel de Faria; julgamento de 27/10/2021; DJe de 25/11/2021).

Por força desse entendimento, a convocação de tal argumento na petição inicial dos embargos à execução implicará a extinção do processo sem análise do mérito, quanto a esta específica parcela, seguindo para julgamento os demais fundamentos que tenham sido suscitados [7].

Outra situação peculiar ao contencioso judicial tributário e que também atrai a aplicação desse específico regime decisório diz com o mandado de segurança que venha a cumular duas pretensões autônomas: preventiva e repressiva. Nesses casos, é possível que o juiz extinga parcialmente o processo sem julgamento do mérito em relação à pretensão repressiva, em face, v.g., da verificação do transcurso do prazo decadencial de 120 dias para a impetração, mantendo-se o regular processamento do mandamus relativamente ao pleito preventivo.

No processo tributário exacional, essa hipótese também é detectável. Ainda que não convoque grandes reflexões por parte da advocacia privada, quando, por exemplo, a fazenda pública desiste da cobrança de parte do crédito tributário constante na certidão de dívida ativa, invocando a extinção dessa parte e o prosseguimento do processo executivo em relação ao restante.

Tanto esse artigo, como aquele publicado em 26/6/2022, buscam chamar a atenção para o fato de que no sistema do código processual de 2015 estão habilitados dois veículos decisórios para extinguir o processo com ou sem julgamento de mérito, a sentença ou a decisão interlocutória, definido (o veículo decisório) segundo a extensão da resposta dada (totalidade ou parte do pedido) e da continuidade da marcha processual, se encerrada plenamente a jurisdição, estar-se-á diante de sentença (seja ela de mérito ou sem mérito), havendo solução de continuidade, corporifica-se no processo decisão interlocutória (com ou sem mérito).

A importância dessa constatação é permitir uma adequada definição da estratégia recursal a ser adotada, se apelação ou agravo de instrumento, ou, quiçá, o ajuizamento de outra ação, estando-se diante de decisão interlocutória que não analisa o mérito parcialmente, como pode ser o caso sugerido de extinção parcial sem análise do mérito dos embargos à execução quanto ao fundamento da compensação, que autoriza o ajuizamento da ação anulatória de decisão administrativa que denegar a restituição prevista no artigo 169 do Código Tributário Nacional [8], ou, no exemplo do mandado de segurança repressivo extinto parcialmente pela decadência para impetração, já que o contribuinte poderá propor a ação anulatória de débito fiscal do artigo 38 da Lei federal 6.830/1980, observado o prazo de prescrição de cinco anos.

 


[2] Aspecto esse, o da cindibilidade da apreciação de mérito da demanda em atos decisórios distintos, foi enunciada em voto da ministra Nancy Andrighi nos autos do recurso especial 1.845.542/PR, quando, então, afirmou ao tratar do artigo 356 do CPC/2015: "esse preceito legal representa, portanto, o abandono do dogma da unicidade da sentença. Na prática, significa dizer que o mérito da causa poderá ser cindido e examinado em duas ou mais decisões prolatadas no curso do processo". (STJ, 3ª Turma, julgado em 11/5/2021, DJe de 14/5/2021)

[3] Mérito no sentido de "aspiração de direito material postulada pelo autor, relacionada a bens ou situações da vida", consoante Fernando Alcântara Castelo – In Remessa necessária de decisões parciais de mérito proferidas contra o Poder Público. In Revista Jurídica da Procuradoria-Geral do Estado do Paraná, Curitiba, n. 9, 2018, p. 105-136.

[4] Caso haja interesse em aprofundar essa questão do julgamento parcial antecipado de mérito no processo tributário sugerimos leitura do seguinte artigo:

VERGUEIRO, Camila Campos; MOLLICA, Rogerio; MEDEIROS NETO, Elias Marque de. In Julgamento antecipado parcial de mérito, processo tributário e extinção do crédito tributário por decisão interlocutória transitada em julgado. In: Revista de Processo RePRO ano 48, nº 336. ALVIM, Teresa Arruda (coord). Fevereiro/2023, p. 293-318.

[5] "Natureza jurídica é o conjunto de atributos que permite separar um instituto jurídico de outro". – GAMA, Tácio Lacerda. In Competência Tributária. 1ª edição. São Paulo: Noeses, 2009, p. XLVIII.

[7] Ainda que não concordemos com esse pronunciamento do STJ, não cabe aqui discorrer a respeito porque refoge ao tema do próprio artigo.

[8] Sobre essa específica ação, remetemos a leitora e o leitor ao seguinte artigo desta coluna: https://www.conjur.com.br/2023-mai-14/processo-tributario-acao-anulatoria-decisao-nao-homologacao-compensacao

Autores

  • é advogada, doutoranda pela Unimar, mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, professora do curso de especialização do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), do programa de pós-graduação lato sensu da Fundação Getúlio Vargas (FGV Law) e do Complexo Educacional Damásio de Jesus, professora e coordenadora do curso de extensão e do grupo de estudos Processo Tributário Analítico, do Ibet.

  • é advogada, especialista em Direito Tributário pelo Ibet, mestranda em Direito Tributário pela FGV, pesquisadora do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet.

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