Processo Tributário

Julgamento antecipado parcial de mérito e o processo tributário antiexacional

Autor

  • Camila Campos Vergueiro

    é advogada doutoranda pela Unimar mestre em Direito Tributário pela PUC-SP professora do Curso de Especialização do Ibet do programa de pós-graduação lato sensu da Fundação Getúlio Vargas (FGV Law) e do Complexo Educacional Damásio de Jesus professora e coordenadora do curso de extensão Processo Tributário Analítico do Ibet e coordenadora do grupo de estudos de Processo tributário analítico do Ibet.

26 de junho de 2022, 8h03

Cinco pilares escoram estruturalmente o conteúdo normativo do código de processo civil de 2015 (CPC/2015), (1) efetividade, (2) cooperação, (3) consensualização, (4) primazia da análise de mérito e (5) desjudicialização de conflitos. Para o presente trabalho destaca-se o pilar da efetividade, que se concretiza, por meio do processo [1], com a prestação da tutela jurisdicional de mérito que proporcione ao jurisdicionado o reconhecimento e a realização dos direitos no mundo empírico [2].

Dentre os instrumentos que o CPC/2015 disponibiliza para tornar o processo mais efetivo está o julgamento antecipado parcial de mérito previsto em seu artigo 356 [3][4].

Trata-se de novidade do código que rompeu o dogma da unicidade do ato decisório terminativo do processo, segundo o qual todos os pedidos devem ser resolvidos num único ato processual, a sentença. Inovação porque permite que o magistrado diante de uma causa com (1) pluralidade de pedidos autônomos e independentes ou (2) um único pedido, mas fracionável, decida em mais de uma oportunidade os fragmentos cuja maturação se consolide em etapas temporalmente distintas.

Admite a legislação processual, nessas condições, a produção de decisão que julga o mérito da demanda, porque de conteúdo do artigo 487, I [5] do CPC/2015, mas que não põe fim à fase de conhecimento do processo, que seguirá até a apreciação dos demais pedidos, na medida de sua maturação. Decisão essa atacável via agravo de instrumento, à luz do que dispõe o § 5º do artigo 356, c. c. o artigo 1.015, inciso II, ambos do CPC/2015.

Por esses aspectos — aos quais se soma o conteúdo dos §§ 1º e 2º do artigo 203 [6] e 502 [7] do codex processual (dispositivos que definem, respectivamente, os tipos de pronunciamentos judiciais e a coisa julgada) —, tal decisão assume natureza interlocutória apta a produzir coisa julgada material.

No que toca às condições de sua aplicabilidade, sua convocação pelo julgador deve se dar sempre de forma subsidiária, porque supõe prévia verificação se o caso não é (1) de extinção sem julgamento de mérito (artigo 485, CPC/2015), (2) ou de julgamento com mérito para reconhecimento de decadência ou prescrição, homologação de reconhecimento do pedido, transação ou pedido de renúncia à pretensão objeto da demanda (artigo 487, II e III, CPC/2015), (3) ou de julgamento antecipado do pedido porque dispensável instrução probatória ou porque a hipótese é de revelia sem requerimento de produção de prova (artigo 355 [8], CPC/2015).

Deverá o juiz, ainda, avaliar se o pedido cujo julgamento dar-se-ia de forma apartada é incontroverso, isto é, que carece de divergência entre autor e réu, ou está em condições de imediato julgamento nos termos do artigo 355.

Verificadas as condições prescritas na legislação processual civil, o julgamento antecipado parcial de mérito deve ser invocado pelo magistrado em prol do propalado pilar da efetividade, do que não escapa, portanto, sua plena aplicabilidade ao processo tributário antiexacional [9]. Vejamos.

Imagine-se uma ação com pedido anulatório do débito fiscal cumulada com pedido declaratório de inexistência de relação jurídica [10], dotada de duas causas de pedir, uma delas relacionada à decadência de parte do crédito tributário e outra à inconstitucionalidade da lei que fundamenta a exigência, servindo essa última tanto ao pedido anulatório como ao declaratório. Nítida a hipótese de decomponibilidade do pedido anulatório ante seu dúplice fundamento, a decadência e a inconstitucionalidade da lei.

Verificando o juiz, após a vinda da contestação [11], que se está diante de decadência, seja porque assim deduz da prova constante dos autos, seja porque a parte contrária não impugna a alegação ou a confirma na contestação, está ele autorizado a decidir parcialmente o mérito e anular a parcela do crédito tributário caduca.

Consagra-se nesses autos, destarte, decisão interlocutória que julga parcialmente o mérito da demanda apta a suprimir porção do crédito tributário, que se não for objeto de agravo de instrumento, o recurso cabível contra esse tipo de decisão, promoverá a extinção dessa parcela do crédito tributário nos termos do artigo 156, V do código tributário nacional (CTN) e formalizada na conformidade do inciso X do mesmo dispositivo, eis que formada a coisa julgada (relembre-se do conteúdo do artigo 502 do CPC/2015 já referido).

Isso nos convoca a refletir sobre a necessidade de uma releitura do artigo 156, X do CTN, produzido em um momento histórico cujo conteúdo estava atrelado ao ato processual sentença, porque concentrava a análise de mérito da demanda e o efeito de imutabilidade e indiscutabilidade, contexto sabidamente modificado pelo CPC/2015, que passou a admitir que, na mesma medida, sentenças e decisões interlocutórias parciais de mérito, antecipadamente prolatadas, formem coisa julgada material.

O que estamos a afirmar é que, a partir do CPC/2015, a "decisão judicial passada em julgado" a que se refere o inciso X do artigo 156 do CTN pode ser exteriorizada tanto na forma de sentença como de decisão interlocutória.

Sem dúvida, o tema ainda demanda reflexões, diante do impacto que essa ressignificação promove, atividade de que trataremos em outra oportunidade nesta coluna.

 


[2] Na parte final da frase parafraseamos a seguinte passagem exposição de motivos:

"Um sistema processual civil que não proporcione à sociedade o reconhecimento e a realização dos direitos, ameaçados ou violados, que têm cada um dos jurisdicionados, não se harmoniza com as garantias constitucionais de um Estado Democrático de Direito.

Sendo ineficiente o sistema processual, todo o ordenamento jurídico passa a carecer de real efetividade. De fato, as normas de direito material se transformam em pura ilusão, sem a garantia de sua correlata realização, no mundo empírico, por meio do processo" —

https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/512422/001041135.pdf – acesso em 18/06/2022, 11:28.

[3] Art. 356. O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles:

I – mostrar-se incontroverso;

II – estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 355.

[4] Preleciona Cassio Scarpinella Bueno que o julgamento antecipado parcial de mérito compreende "técnica importante para, sempre viabilizando o inafastável diálogo entre os planos material e processual, otimizar o procedimento, flexibilizando-o na perspectiva de permitir a efetivação da tutela jurisdicional na medida em que ela já possa ser prestada, ainda que em parte. Não deixa de ser nessa perspectiva, uma inegável concretização da eficiência processual". – in Manual de Direito Processual Civil. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 331.

[5] "Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz:

I – acolher ou rejeitar o pedido formulado na ação ou na reconvenção;"

[6] Art. 203. Os pronunciamentos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos.

§ 1º. Ressalvadas as disposições expressas dos procedimentos especiais, sentença é o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como extingue a execução.

§ 2º. Decisão interlocutória é todo pronunciamento judicial de natureza decisória que não se enquadre no § 1º.

[7] Art. 502. Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso.

[8] Art. 355. O juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito, quando:

I – não houver necessidade de produção de outras provas;

II – o réu for revel, ocorrer o efeito previsto no art. 344 e não houver requerimento de prova, na forma do art. 349.

[10] Ação de natureza repressiva e preventiva concomitantemente.

[11] Importante lembrar que o reconhecimento da decadência (e de prescrição) sempre impõe prévia oportunidade de contraditório, consoante parágrafo único do artigo 487 do CPC/2015.

Autores

  • é advogada, doutoranda pela Unimar, mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, professora do Curso de Especialização do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), do programa de pós-graduação lato sensu da Fundação Getúlio Vargas (FGVLaw) e do Complexo Educacional Damásio de Jesus, professora e coordenadora do curso de extensão "Processo tributário analítico” do Ibet e coordenadora do grupo de estudos de "Processo tributário analítico" do Ibet.

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