Diário de Classe

Argumentos pseudojurídicos alimentaram os ataques de 8 de janeiro

Autor

  • Danilo Pereira Lima

    é professor do curso de Direito do Centro Universitário Claretiano de Batatais (Ceuclar) doutor — com bolsa financiada pela Capes/Proex — e mestre — com bolsa financiada pelo CNPq — em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e membro do grupo de pesquisa Hermenêutica Jurídica vinculado ao CNPq e do grupo Dasein — Núcleo de Estudos Hermenêuticos.

21 de janeiro de 2023, 8h00

No dia 8 de janeiro, uma semana após a posse de Luiz Inácio Lula da Silva, golpistas invadiram os Três Poderes para derrubar o Estado Democrático de Direito. Existem fortes indícios de que o objetivo naquele dia era instaurar o caos para justificar a intervenção das Forças Armadas. Durante quatro anos, o presidente Jair Messias Bolsonaro prometeu a seus apoiadores um regime de exceção inspirado na ditadura militar (1964-1985). Além de Bolsonaro, o golpismo hodierno também contou com o apoio de alguns juristas que elaboraram os fundamentos pseudojurídicos do ataque contra a Constituição de 1988. Esses fundamentos podem ser encontrados na campanha do lavajatismo, na tese do poder moderador das Forças Armadas e na interpretação militarista do artigo 142 da Constituição. Vejamos como cada um alimentou os extremistas que atacaram os três Poderes.

No tempo em que a operação "lava jato" se colocava como uma entidade divina, a sociedade foi estimulada a odiar o Supremo Tribunal Federal. Bastava os ministros da corte contrariarem os posicionamentos do juiz Sergio Moro e seus procuradores para que os ataques contra o STF fossem feitos por meios das redes sociais, na maioria das vezes contando com respaldo de parcela significativa da grande imprensa. Os ataques ao STF se baseavam sempre no argumento da impunidade. Como a operação "lava jato" dizia estar em guerra contra a corrupção, por meio de uma campanha puramente moralista, o STF era atacado toda vez que fazia valer a força normativa da Constituição por meio da proteção das liberdades fundamentais. Parecia uma guerra santa contra ministros infiéis. O resultado desse discurso de ódio contra o STF foi a invasão ocorrida no dia oito de janeiro. Entre os três Poderes, o STF foi o que sofreu maior destruição. Muitos extremistas gritavam os seguintes dizeres no momento da invasão: "supremo é o povo".

Outro argumento golpista que muito influenciou os extremistas foi a tese do poder moderador das Forças Armadas. Em primeiro lugar é importante destacar que a instituição do Poder Moderador somente existiu na Constituição de 1824, na época do Império. Seu artigo 10 dizia que os Poderes políticos do Império eram quatro: o Poder Legislativo, o Poder Moderador, o Poder Executivo e o Poder Judiciário. Além disso, o artigo 98 definia o Poder Moderador como a chave de toda engenharia política imperial e delegava exclusivamente ao imperador a prerrogativa institucional de exerce-lo na defesa do equilíbrio e da harmonia dos Poderes. Após o fim do Império, o Poder Moderador nunca mais apareceu nas várias Constituições da República.

A recente movimentação militar para recuperar o protagonismo político perdido após a redemocratização trouxe de volta a tese do poder moderador das Forças Armadas. Essa tese se baseia no entendimento de que as Forças Armadas têm a prerrogativa de tutelar os demais Poderes em caso de crise política. Algo que inexiste na democracia, já que neste regime político a ordem militar encontra-se sempre em posição de subordinação em relação ao poder civil. E isso é assim por um motivo muito simples: o agente do Estado que tem a prerrogativa de andar armado não pode se beneficiar desta condição para se impor politicamente ou favorecer um grupo político em detrimento de outros.

Outrossim, a tese do poder moderador das Forças Armadas se esqueceu de observar um detalhe muito importante: não existe quarto Poder na Constituição de 1988. Seu artigo 2º afirma que os Poderes da União são somente o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. É uma obviedade que não deveria gerar dúvidas entre juristas, mas que alguns distorcem para alimentar o golpismo que ronda o país.

Foi nessa perspectiva golpista que a interpretação mirabolante do artigo 142 foi apresentada para os seguidores de Jair Bolsonaro. De acordo com os defensores do militarismo, o artigo 142 garantiria às Forças Armadas a função de moderar a relação entre os três Poderes. Algo que contraria totalmente a base principiológica do Estado Democrático de Direito. No constitucionalismo e na democracia, crises políticas entre os Poderes devem ser resolvidas pelos próprios agentes políticos dos Poderes, sempre na base do diálogo aberto, plural e republicano. Fora da relação entre os três Poderes não há espaço para que alguém se coloque como tutor da ordem institucional.

Nesse sentido, é importante entender a natureza constitucional das Forças Armadas na democracia. A formação de carreiras militares profissionais esteve presente na origem do Estado moderno. Para a defesa do território e sustentação da soberania nacional, os Estados modernos elaboraram carreiras burocráticas e fortemente disciplinadas que deram origem às Forças Armadas. E para impedir que militares se utilizassem das armas para impor sua dominação, o constitucionalismo moderno estabeleceu o chefe de Estado na condição de comandante em chefe das Forças Armadas. É o que prescreve o artigo 142 da Constituição quando afirma que as Forças Armadas encontram-se sob a autoridade suprema do presidente da República. Desse modo, as Forças Armadas não são um Poder constituído, mas, sim, carreira burocrática do Estado brasileiro.

Palavras têm efeito. Quem propagou os golpismos lavajatista e militarista com roupagem jurídica também se fez presente nos atos extremistas de 8 de janeiro. As pessoas que atacaram os três Poderes foram alimentadas pelo entendimento de que o STF era o grande símbolo da corrupção em Brasília e que as Forças Armadas podiam intervir para colocar "ordem" no país. O ódio acumulado contra as instituições não surgiu do dia para a noite. Ele foi propagado durante muitos anos com o objetivo de destruir a Nova República e trazer de volta os tempos da ditadura militar. E se o golpe tivesse se saído bem sucedido, certamente não faltariam juristas para no dia seguinte redigirem decretos e atos institucionais para o novo regime de exceção. Afinal, quem alimenta golpismos nunca se exime de sustentar ditaduras.

Autores

  • é professor do curso de Direito do Centro Universitário Claretiano de Batatais-SP (Ceuclar), doutor em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e membro do grupo de pesquisa Hermenêutica Jurídica e do grupo Dasein — Núcleo de Estudos Hermenêuticos.

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