Exceções à regra

Tribunais estabelecem 6 hipóteses de distinguishing para tese dos honorários

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20 de janeiro de 2023, 17h47

Dez meses depois de a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça proibir a fixação de honorários de sucumbência por equidade em causas de valor muito elevado, o Judiciário brasileiro já consolidou ao menos seis hipóteses de distinguishing em relação à tese, que foi definida em recursos repetitivos e deveria vincular as instâncias ordinárias. O levantamento é da revista eletrônica Consultor Jurídico.

Marcello Casal Jr./Agência Brasil
STJ proibiu fixação de honorários por equidade em causas de valor elevado, mas tribunais estão estabelecendo distinguishings
Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Os honorários de sucumbência remuneram os advogados da parte vencedora e são pagos pela parte derrotada. O Código de Processo Civil de 2015 inaugurou uma forma mais rígida de cálculo. A regra geral está nos parágrafos 2º e 3º do artigo 85: o montante será estabelecido a partir de percentuais progressivos sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa.

O artigo 8º traz a exceção: admite o uso da equidade para que o juiz arbitre livremente o valor nas hipóteses em que o proveito econômico for inestimável ou irrisório ou, por fim, quando o valor da causa for muito baixo. O que o STJ decidiu foi que essa regra não serve para as causas de valor excessivamente alto. Nem sempre essa tese será aplicável, no entanto.

A técnica da distinção, conforme explica o constitucionalista e colunista da ConJur Lenio Streck, é usada quando o magistrado compara os pressupostos de fato e de direito que levaram à formação de um precedente, em relação a um determinado caso concreto que esteja em julgamento. Se não houver identidade entre esses pressupostos, o intérprete pode superar o precedente vinculante e decidir a causa como entender de direito.

Ela não se confunde com a técnica do overruling, que consiste em simplesmente não aplicar um determinado precedente. Como mostrou a ConJur, é o que têm feito diversos tribunais brasileiros, que se recusam a aplicar a tese do STJ com base em inconformismo e a partir de preceitos constitucionais.

O distinguishing, portanto, exige a fundamentação da diferença entre o precedente e o caso concreto. Algumas dessas distinções já foram propostas e aceitas pelo próprio STJ. A Corte Especial, inclusive, vai ter a oportunidade de se debruçar sobre o tema, já que a 3ª Turma afetou dois recursos especiais para julgamento.

Veja as seis causas de distinguishing, conforme levantamento da ConJur:

  • Ações sobre direito à saúde;
  • Ações de revisão de contrato bancário;
  • Hipótese de cancelamento da dívida ativa;
  • Quando a decisão apenas exclui uma das partes do polo passivo da ação, sem discutir a existência do débito ou valores;
  • Caso de discussão de cotas de empresa em recuperação judicial;
  • Homologação de sentença estrangeira.

Para Streck, a mera existência de tantas hipóteses mostra que, "no Brasil, até distinguishing vira 'tese'". "Ora, como pode que 'haja seis distinguishing'?", questiona o advogado. "Distinguishing é quando se distingue um caso do outro no sentido de demonstrar por que os fatos jurídicos e os princípios que embasaram a ratio/holding (que é o que vincula num precedente) são diferentes entre o caso que gerou o precedente (ou seja, não há precedente sem caso) e o caso subsequente, da (não)aplicação. Distinguishing não é nem dizer que 'todo caso é diferente' — fosse assim, a própria noção de precedente não faria sentido —, nem distinguir tese abstrata de tese abstrata, ou assunto geral de assunto geral."

Direito à saúde
As ações em face da Fazenda Pública cujo objeto envolva a tutela do direito à saúde possuem proveito econômico inestimável, possibilitando o arbitramento de honorários advocatícios sucumbenciais por apreciação equitativa. A posição foi ratificada pelo próprio STJ (clique aqui para ler o acórdão) e tem sido replicada por diversos tribunais.

Isso porque não há proveito econômico para o cidadão nas ações em que ele consegue obrigar o poder público a custear um remédio ou um tratamento. O direito em jogo, à saúde e à vida, possui valor inestimável e a condenação não possui conotação econômica.

tjce.jus.br
Para TJ-CE direito à saúde não deve "ser traduzido" em pecúnia para efeito de cálculo de verba honorária

"O direito à saúde (artigo 196 da Constituição Federal de 1988) e às prestações correlatas constitui direito personalíssimo, que não se incorpora ao patrimônio do beneficiário e não deve ser traduzido em pecúnia para efeito de cálculo da verba honorária", diz acórdão da 1ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Ceará (clique aqui), relatado pelo desembargador Fernando Luis Ximenes Rocha.

Algumas cortes, como o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, já inclusive fixaram que, em demandas dessa natureza, o arbitramento de honorários por apreciação equitativa é feito no patamar de R$ 1 mil (clique aqui).

Revisão de contrato bancário
Tribunais brasileiros também têm concluído pela inexistência de proveito econômico ou valor da causa nas ações que discutem a incidência de consectários legais — como juros, tarifas e cobranças — em contratos bancários. Assim, seria cabível o uso da técnica da apreciação equitativa, prevista no parágrafo 8º do artigo 85 do CPC.

Foi assim que a 3ª Câmara de Direito Comercial do TJ-SC tratou uma apelação envolvendo juros remuneratórios e capitalização em um contrato bancário. "A condenação é ilíquida, não é possível mensurar o proveito econômico obtido e o valor da causa apresenta-se irrisório", concluiu o relator, desembargador Rodolfo Tridapalli (clique aqui).

O impacto dessa posição é enorme também pelo alto volume de ações sobre o tema. Segundo o relatório Justiça em Números 2022, produzido pelo Conselho Nacional de Justiça, contrato bancário é o segundo assunto mais demandado nos tribunais estaduais.

O Tribunal de Justiça do Paraná, por exemplo, já decidiu que nessas ações os honorários devem ser arbitrados em R$ 2 mil. A posição foi aplicada em acórdão da 16ª Câmara Cível que mandou um banco adequar a taxa de juros remuneratórios à média do mercado (clique aqui).

Cancelamento da dívida
Trata-se de outro distinguishing referendado pelo STJ. O precedente é da 1ª Turma (clique aqui) e trata da execução fiscal que é extinta sem resolução do mérito porque, após seu ajuizamento, a própria Fazenda Pública optou por cancelar a certidão da dívida ativa (CDA).

Pela Lei de Execução Fiscal, um caso como esse não geraria honorários de sucumbência. O artigo 26 prevê que, se antes da decisão de primeira instância a inscrição de divida ativa for, a qualquer título, cancelada, não haverá ônus para qualquer das partes.

No entanto, o STJ fixou jurisprudência segundo a qual é justo remunerar a defesa técnica apresentada pelo advogado do executado em momento anterior ao cancelamento administrativo da CDA. O entendimento gerou a Súmula 153 da corte.

Assim, a fixação de honorários no caso obedeceria a regra do artigo 85, parágrafo 3º, inciso II, do Código de Processo Civil de 2015, que prevê entre 8% e 10% sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido.

No precedente, a 1ª Turma entendeu cabível o uso da equidade para fixação de honorários porque não seria razoável impor à Fazenda um ônus financeiro tão grande por espontaneamente informar o juízo sobre o cancelamento da CDA.

Esse entendimento tem sido usado pelas instâncias ordinárias para mostrar que nem sempre a tese da Corte Especial sobre honorários por equidade deve ser aplicada. Mas também replicado nas numerosas ações que discutem execução fiscal, o maior gargalo do Judiciário brasileiro.

Divulgação/TJ-SC
TJ-SC está aplicando distinguishing em casos envolvendo cancelamento de dívida
Divulgação/TJ-SC

A 5ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, por exemplo, aplicou-o em um caso em que a execução fiscal de R$ 149,7 mil foi extinta porque se reconheceu a litispendência — a existência de outra ação com as mesmas partes, as mesmas causas e os mesmos pedidos, configurando processos simultâneos (clique aqui).

Relator, o desembargador Vilson Fontana apontou que, como no caso do STJ, "não há relação direta e objetiva de causa e efeito entre a atuação do advogado e a extinção da processo".

Exclusão do polo passivo na execução fiscal
A técnica da equidade para fixação de honorários deve ser aplicada sempre que a exceção de pré-executividade objetivar somente a exclusão de parte do polo passivo da execução fiscal, sem impugnação do crédito tributário, já que não haveria como estimar proveito econômico algum.

A posição já era adotada no STJ antes da definição da tese da Corte Especial e tem julgados posteriores a ela (clique aqui), mas pode ter sofrido alteração, já que há casos mais recentes tratando inclusive de como calcular proveito econômico em exceção de pré-executividade. Ainda assim, tem sido aplicada pelas cortes de segundo grau brasileiras.

Foi assim que a 4ª Câmara de Direito Público do TJ-SC concluiu que a exceção de pré-executividade que importe na extinção do processo quanto sem que o crédito tributário em si seja impugnado vale por decisão que torna impossível estimar o proveito econômico alcançado (Clique aqui).

Cotas de empresa recuperação judicial
A 1ª Câmara de Direito Comercial do TJ-SC também identificou hipótese de distinguishing ao analisar uma ação em que a litigiosidade se restringiu à classificação dos créditos objetos da habilitação na recuperação judicial de uma empresa (Clique aqui). Ou seja, nenhum valor foi discutido. Logo, é cabível a fixação de honorários por apreciação equitativa.

"Sem discussão acerca dos valores, não é possível considerar como base de cálculo para os honorários em favor dos advogados das recuperandas o valor da condenação, nem proveito econômico, tampouco o valor da causa, porquanto houve sucumbência recíproca no presente caso, de modo que os autores decaíram apenas em relação à declaração de classificação de parte dos créditos submetidos à habilitação", apontou o relator, desembargador Luiz Zanelatto.

Homologação de sentença estrangeira
Em pedido de homologação de decisão estrangeira, contestado pela própria parte requerida, a verba honorária sucumbencial deve ser estabelecida por apreciação equitativa, nos termos do parágrafo 8º do artigo 85 do CPC de 2015. A posição foi fixada pela Corte Especial do STJ em 2021, antes da definição da tese dos honorários, mas segue aplicável (clique aqui).

Isso porque o voto vencedor do relator, ministro Raul Araújo, aponta que, para homologar uma sentença estrangeira, o STJ se limita à análise do preenchimento dos requisitos previstos nos artigos 963 e 964 do CPC. Não cabe, portanto, adentrar no mérito da sentença, nem alterar seu conteúdo.

"Nesse contexto, em se tratando de decisão meramente homologatória proferida pelo STJ, não se constata a existência de condenação ou mesmo de conteúdo econômico estimável imediato que possa ser identificado, de forma direta, como proveito econômico obtido com a homologação", concluiu.

O conteúdo econômico que eventualmente conste da sentença pode, no máximo, ser usado para calcular os honorários no processo de execução da sentença, posterior à homogação e a ser ajuizado no juízo competente, a depender do caso.

Além disso, deve ser usado como um dos indicativos para definir a importância da causa — fator que vai ajudar o intérprete a mensurar os honorários pelo método da equidade.

REsp 1.976.775 (STJ)
AREsp 1.967.127 (STJ)
HDE 1.809 (STJ)
Apelação 0003511-50.2014.8.06.0041 (TJ-CE)
Apelação 0303125-05.2016.8.24.0031 (TJ-SC)
Apelação 5001820-69.2019.8.24.0030 (TJ-SC)
Apelação 0006996-26.2021.8.16.0044 (TJ-PR)
Apelação 0902574-79.2015.8.24.0008 (TJ-SC)
Agravo de Instrumento 5060040-82.2021.8.24.0000 (TJ-SC)
Agravo de Instrumento 5012106-94.2022.8.24.0000 (TJ-SC)

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