Direito do Agronegócio

Novo regulamento do PIS/Cofins e impactos para o agronegócio

Autores

  • Fábio Pallaretti Calcini

    é doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP ex-membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) professor da FGV Direito-SP e Ibet e sócio tributarista da Brasil Salomão e Matthes Advocacia.

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  • Bruna Camargo Ferrari

    é advogada contadora mestre em Direito Tributário pela FGV Direito-SP professora da pós-graduação lato sensu da FGV Direito-SP e sócia da área tributária do Lobo de Rizzo Advogados.

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20 de janeiro de 2023, 8h00

Ao fim de 2022, foi publicada a Instrução Normativa 2.121 (IN) com o intuito de consolidar as normas tributárias referentes à Contribuição ao PIS/Pasep e à Cofins, incluso a sua incidência sobre as importações.

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Analisar os 811 artigos da norma e seus anexos não é tarefa simples, tampouco desnecessária. Em atos administrativos dessa abrangência, são comuns, no país, dois cenários contraditórios: por um lado, definições e esclarecimentos que aumentam a segurança jurídica; por outro, inovações e complementações que excedem ao estipulado em lei, resultando em incertezas e potencial contencioso tributário.

Não foge a este racional o reconhecimento da tese do século na IN. Por meio do RE 574.706, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou, em decisão com repercussão geral, que o "ICMS não compõe a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da Cofins". Em decorrência, diversos debates sobre os efeitos reflexos da decisão passaram a estar na pauta. Um deles, em particular, é objeto deste artigo: o cálculo dos créditos das contribuições.

A decisão do STF não analisou a temática sob a ótica das operações de entrada, tendo o mérito abrangido exclusivamente as operações de saída. Esse fato fez com que a Procuradoria da Fazenda (PGFN) se manifestasse (Parecer SEI nº 14.483/2021/ME) no sentido de que não seria possível realizar o recálculo dos créditos para a exclusão do ICMS da base de cálculo. Pairavam, entretanto, dúvidas quanto à interpretação da Receita Federal (RFB).

Ponto esse esclarecido pelo novo ato administrativo, confirmou-se o cenário de aumento da segurança jurídica. Porém, para os leitores mais atentos, é possível verificar uma complementação que excede ao estabelecido na lei e na decisão do STF: a IN, no artigo 596, em nítida inovação, determinou a exclusão do ICMS do cálculo do crédito presumido, aplicável a setores específicos.

O crédito presumido foi estabelecido de modo a incentivar a política agrícola e a alcançar a neutralidade fiscal na cadeia do agronegócio. É comum, no setor, a aquisição de matérias-primas de produtores rurais, pessoas físicas. Por não serem contribuintes, os produtos utilizados como insumo na sua produção agrícola e sujeitos à tributação, não conferem direito ao crédito. Quando a produção agrícola é utilizada, na etapa seguinte, como insumo na industrialização de produto do agronegócio, a ausência do crédito presumido permite o acúmulo de resíduos ou custos tributários não compensados. Daí porque somente com a concessão do crédito presumido há o efetivo cumprimento da não cumulatividade, além do incentivo à política agrícola e à produção de alimentos, previstos constitucionalmente.

Desde a introdução da Lei 10.925/04, estabeleceu-se que as pessoas jurídicas (inclusive cooperativas) produtoras de mercadorias de origem animal ou vegetal, destinadas à alimentação humana ou animal (definidas no artigo 8º da norma), poderiam apurar crédito presumido sobre o valor dos bens utilizados como insumo na produção ou fabricação de bens ou produtos destinados à venda, adquiridos de pessoa física ou recebidos de cooperado pessoa física.

Posteriormente, por meio das Leis 12.058/09, 12.350/10, 12.839/13 e 12.865/13, foram introduzidas alterações relevantes no regime dos créditos presumidos agropecuários e no cálculo dos créditos. Dentre outras mudanças, enquanto para alguns setores os créditos continuaram a ser calculados por meio da aplicação de percentual de presunção sobre o valor dos bens, para outros, o crédito passou a ser apurado sobre o valor da receita de vendas ou de exportação.

Especificamente na cadeia da soja, com a publicação da Lei 12.865/13, o crédito presumido passou a ser calculado sobre a receita decorrente da venda no mercado interno ou da exportação da farinha de soja, o óleo de soja, a margarina, entre outros especificados na norma [1].

Dado que a metodologia de cálculo do crédito presumido passou a eleger a receita como base para a aplicação do percentual das alíquotas do PIS e da Cofins (alíquota de presunção), a IN, inovando, estendeu à sua apuração a previsão de exclusão do ICMS, como se nota no artigo 596, § 1º:

"Art. 596. O montante do crédito presumido da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins a que se refere o art. 595 será determinado mediante aplicação sobre a receita referida naquele artigo, de percentual das alíquotas estabelecidas no art. 150 correspondente a (Lei nº 12.865, de 2013, art. 31, § 2º):

(…)

§ 1º. Para efeito de cálculo do crédito presumido de que trata este artigo, o ICMS destacado no documento fiscal de comercialização deve ser excluído da receita referida no caput do art. 595 (Acórdão em Embargos de Declaração no Recurso Extraordinário nº 574.706)".

De fato, o STF estabeleceu, no precedente vinculante mencionado, a exclusão do ICMS da receita bruta, para fins de cálculo e incidência das contribuições. No entanto, o conceito de receita ali estabelecido interpreta-se no conjunto do mérito analisado: incidência das contribuições em operações de saída. O caso em questão trata de temática distinta e com finalidade constitucional específica: cálculo de créditos presumidos em operações de entrada.

Os créditos presumidos são conferidos como um direito ao contribuinte, de modo a evitar a cumulatividade das contribuições, conforme previsto no artigo 195, §12 da Constituição Federal CF). O motivo histórico de sua instituição deve-se à falha do legislador ordinário em indicar os setores de atividade econômica para os quais as contribuições seriam não-cumulativas e, por fim, em alcançá-la.

Tratando-se especificamente do agronegócio, o artigo 187, I, da CF, é claro em reconhecer que a "política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de armazenamento e de transportes, levando em conta, especialmente: I – os instrumentos creditícios e fiscais" [2].

O crédito presumido possui, em suas alíquotas de presunção e base legalmente definidas, o cálculo planejado e executado para neutralizar os resíduos acumulados na cadeia da soja. Se alterada a premissa de cálculo dos créditos, ou seja, o montante de receita a ser considerado (dada a exclusão do ICMS), devem ser alteradas, igualmente, as alíquotas de presunção. Somente assim manter-se-á a sua finalidade de não cumulatividade e de indução à política agrícola, especialmente àquela vinculada a alimentação.

Portanto, sob tal perspectiva, o julgamento do Supremo Tribunal Federal (tema 69) não seria aplicável automaticamente.

Ademais, não se deve interpretar restritivamente o crédito presumido como um benefício, pois origina-se na própria não cumulatividade, tal como previsto nas leis que estabelecem o regime não cumulativo das contribuições.

Todavia, ainda que adotada uma interpretação literal — considerando-se este um benefício fiscal (o que não defendemos) e aplicando-se o artigo 111 do CTN —, esta seria tanto para evitar a expansão do incentivo como para proteger o contribuinte.

A interpretação literal deve ser feita à luz dos princípios da legalidade e da igualdade. Se a Lei 12.865/13 não determina que o ICMS deve ser excluído da receita para fins de cálculo presumido, nem outra norma, não caberia à IN essa possibilidade, pois extrapola a sua competência delegada e a interpretação literal do incentivo, violando a lei e à legalidade tributária.

Aliás, é típica da própria Receita Federal a interpretação de que, inexistindo previsão legal, não caberia a exclusão base. Isso porque, nas legislações que não preveem a exclusão da base de cálculo quando a incidência se refere à receita bruta, o posicionamento é desfavorável:

"SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 199, DE 11 DE JUNHO DE 2019

(Publicado(a) no DOU de 17/06/2019, seção 1, página 18)

Assunto: Contribuições Sociais Previdenciárias

PRODUTORES RURAIS. DEVOLUÇÃO DE VENDAS. DEDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO. IMPOSSIBILIDADE.

Por falta de previsão legal, os valores relativos às devoluções de venda não podem ser deduzidos da receita bruta proveniente da comercialização de produção rural, para fins de apuração da contribuição previdenciária patronal devida por produtor rural pessoa jurídica e por agroindústria.

Dispositivos Legais: Constituição Federal de 1988, artigo 150, parágrafo 6º; Lei nº. 8.212, de 1991, art 22-A; Lei nº. Lei nº. 8.870, de 15 de abril 1994, artigo 25; Instrução Normativa RFB nº 971, de 13 de novembro de 2009, artigos 171, 173 e 175."

Nos parece um tanto quanto contraditório, sem previsão legal, determina a exclusão do ICMS no cômputo do crédito presumido de PIS e Cofins do setor da soja.

Há, assim, necessidade de lei prevendo referida exclusão, o que, inclusive, caminharia em coerência com a recente Medida Provisória nº 1.159, de 12 de janeiro de 2023. Ora, o racional é o mesmo, diante da decisão do STF no tema 69, por meio de ato normativo com força de lei, houve alteração para excluir o ICMS do cômputo do crédito da entrada de PIS e Cofins.

Ademais, não poderia a IN aumentar a carga tributária do setor, o que certamente ocorrerá dados os pontos já levantados. Somente a lei pode aumentar a carga tributária, conforme expressa previsão constitucional, respeitando-se o princípio da anterioridade nonagesimal aplicável às contribuições.

Pelo princípio da igualdade, deve-se observar, inclusive, que a exclusão do ICMS da base cálculo do crédito presumido onera a cadeia de soja de modo desproporcional ao aplicável a demais contribuintes. Para todos os demais setores que calculam o crédito regular ou o crédito presumido sobre o valor dos bens adquiridos, mantém-se o ICMS na base de cálculo — ao menos até a entrada em vigor da atual Medida Provisória 1.159/23, respeitando-se a noventena.

Para além dos efeitos prospectivos, preocupam os efeitos retroativos, considerando-se o prazo decadencial para os últimos cinco anos. Ainda que se cogitasse apenas a introdução de orientação geral pela IN, existem instrumentos jurídicos que resguardam a segurança jurídica do contribuinte.

Além da própria CF e dos dispositivos mencionados, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lindb) estabelece, em seu artigo 24, que: "A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas". E, em seu parágrafo único, determina: "Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público".

Até a publicação da atual IN, a Instrução Normativa 1.911/19 (IN 1911) — que regulamentava o tema e trazia orientações gerais ao contribuinte às autoridades fiscais — alinhava-se à Lei 12.865/13 e nada estipulava quanto à exclusão do ICMS do cálculo do crédito presumido.

Note-se que a IN 1.911 foi instituída após a data de julgamento de mérito (15/3/2017) do RE 574.706 pelo STF e, mesmo após o seu trânsito em julgado (17/9/2021), não foi alterada. Pode-se sustentar, portanto, que não foi alterada a orientação geral e a prática administrativa reiterada quanto ao cálculo dos créditos presumidos.

Para eles, assim como demais efeitos reflexos, não se aplica automaticamente a decisão do STF. Deve ser realizada análise específica pelos tribunais ou alteração de lei ordinária. Não se trata de defender conceitos distintos de "receita" (com ou sem ICMS) para fins de apuração de débitos ou créditos das contribuições, mas de defender a observância das regras jurídicas e dos princípios constitucionais para que uma equalização, se pretendida, seja aplicável.

 


[1] "Art. 31. A pessoa jurídica sujeita ao regime de apuração não cumulativa da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins poderá descontar das referidas contribuições, devidas em cada período de apuração, crédito presumido calculado sobre a receita decorrente da venda no mercado interno ou da exportação dos produtos classificados nos códigos 1208.10.00, 15.07, 1517.10.00, 2304.00, 2309.10.00 e 3826.00.00 e de lecitina de soja classificada no código 2923.20.00, todos da Tipi".

Autores

  • é doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, ex-membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), professor da FGV Direito-SP e Ibet e sócio tributarista da Brasil Salomão e Matthes Advocacia.

  • é membro do Núcleo de Direito Tributário Aplicado do Mestrado Profissional da FGV Direito SP e aluna do Mestrado Profissional da FGV Direito SP.

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