Opinião

AGU, 30 anos, é instituição fundamental para a Justiça e essencial para o cidadão

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14 de fevereiro de 2023, 10h01

Em 13 de abril de 1988, o jornal O Globo estampava a seguinte reportagem:
"
Advocacia-Geral representará União
A Constituinte aprovou ontem, por acordo entre os partidos, a criação da Advocacia-Geral, órgão que terá por função representar a União judicial e extrajudicialmente e dar consultoria e assessoramento ao Executivo.
(…)
O deputado Nelson Jobim (PMDB-RS) disse que a Constituinte optou por separar a representação judicial da União e a defesa da sociedade, funções atualmente a cargo do Ministério Público. A primeira passou para a esfera da Advocacia Geral da União, cujo chefe será o Advogado Geral da União (correspondendo ao Consultor Geral da República), nomeado pelo Presidente entre cidadãos de notável saber jurídico
.[1]

Spacca
A Constituição Federal de 1988 representa um marco na consolidação da democracia brasileira, não apenas por contemplar uma série de direitos e garantias fundamentais, mas também por prever instituições essenciais ao Estado democrático de Direito. Dentre essas instituições, a Advocacia-Geral da União desponta como uma das mais relevantes, por representar judicial e extrajudicialmente a União, o que envolve todos os Poderes, além de prestar consultoria e assessoramento jurídico ao Poder Executivo Federal.

Conquanto prevista na Constituição de 1988, sua efetiva instalação ocorreu em meados de 1993, com a transferência dos processos judiciais do Ministério Público para as unidades dessa nova instituição. Com a edição da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, a AGU foi efetivamente instalada.

*Leia também os artigos dos AGUs Fábio Medina Osório, Grace MendonçaLuis Inácio Lucena Adams e José Eduardo Martins Cardozo

A rica trajetória da reunificação das atividades de consultoria e de defesa judicial da União tem sido devidamente registrada ao longo desses 30 anos. Vale lembrar as palavras perenizadas pela doutora Maria Jovita Wolney Valente, procuradora federal com participação decisiva na estruturação da instituição, em artigo comemorativo por ocasião da celebração dos 18 anos da AGU[2]:

Vigente a Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, não restava alternativa: era imperativo seguir em frente. A lei não comportava vacatio legis (período entre o dia da publicação de uma lei e o dia em que ela entra em vigor). A AGU tinha que funcionar.
Vindo a lume inesperadamente, nada foi previsto ou organizado para recebê-la – não havia membros, nem espaço, nem recursos. Nada! Por onde começar? Com quem contar? Daria certo? Para muitos, não!
(…)
Realizar essa tarefa foi como entregar a "Carta a Garcia". A AGU era fato, fato consumado! Irreversível, embora hospedada em prédios cedidos ou compartilhados de outros órgãos públicos. Aquilo que parecia improvável foi crescendo, tomando corpo, aparecendo. Aquilo que era útil foi se tornando necessário e hoje é indispensável.
Concursos públicos foram realizados, novos membros e servidores ingressaram na Instituição, que hoje congrega mais de dez mil pessoas. A construção da Casa avança a cada dia. A cada dia os seus fundamentos mais se adensam, os seus pilares se consolidam e fortalecem, os seus membros vão formando um só corpo.
A AGU atingiu a maioridade! Essa conquista não é apenas um fato temporal. A maioridade da AGU decorre da sua postura profissional, da sua maturidade funcional, da sua utilidade para a sociedade.

Todo esse período foi marcado por intensa transformação e identificação dos valores e deveres institucionais, desde as horas iniciais, em meio a precárias condições, até que se chegasse à conformação madura dos últimos anos. Esse percurso demonstra a perenidade da instituição, que conseguiu assegurar suas prerrogativas, seu valor e sua essencialidade para o Estado democrático de Direito e para a sociedade brasileira.

Tenho a grande honra de fazer parte dessa história. No início do segundo mandato do presidente Lula, em 2007, recebi o convite para ocupar o cargo de advogado-geral da União. Assumi o comando da AGU, em 12 de março de 2007, e lá fiquei até a posse como ministro do Supremo Tribunal Federal, em 23 de outubro de 2009. Por dois anos e sete meses, tive a felicidade e o privilégio de estar à frente dessa instituição do Estado brasileiro, fundamental para a Justiça e essencial para o cidadão.

A grande riqueza institucional da AGU está na transversalidade de suas funções: ela interage com todas as áreas, ministérios e secretarias do Poder Executivo Federal, suas autarquias, agências reguladoras e fundações públicas, bem como com o Congresso, com o Poder Judiciário da União, com o Tribunal de Contas da União, com o Ministério Público da União e com a Defensoria Pública da União.

Creio que, por isso, a Constituição — sabiamente — não localizou a AGU dentro do Capítulo do Poder Executivo. A Constituição de 1988 inseriu a Advocacia Pública no Título IV (Da Organização dos Poderes), o qual está dividido em quatro capítulos: I) Do Poder Legislativo; II) Do Poder Executivo; III) Do Poder Judiciário e IV) Das Funções Essenciais à Justiça. E é exatamente na Seção II desse último capítulo que se encontra a Advocacia Pública, prevista ao lado do Ministério Público (Seção I), da Defensoria Pública e da Advocacia (Seção III).

A Advocacia-Geral da União é, portanto, órgão autônomo, não se vinculando a nenhum dos Poderes, apesar de representar a todos em juízo. No que tange à atividade consultiva, seu objetivo parece ser claro: enfatizar seu dever constitucional de, com impessoalidade e sensibilidade social, olhar de fora os atos administrativos praticados pelos órgãos e entidades do Poder Executivo e sobre eles exercer o controle da legalidade.

No campo das relações institucionais, a AGU — mantida a integridade de suas prerrogativas e deveres constitucionais — é parceira de todos os órgãos e entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, bem como das entidades da sociedade civil, sempre tendo como princípio o diálogo democrático e público para a construção da sociedade livre, justa e solidária almejada pela Constituição da República.

Exatamente com a finalidade de consolidar essa prerrogativa constitucional de representação judicial de toda a União, e não apenas do Poder Executivo, criou-se, em 2007, mecanismo de integração e de intercâmbio de informações nos Poderes Legislativo e Judiciário, mediante a abertura de escritórios avançados nesses Poderes, com a designação de advogados públicos para atuarem especificamente junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), à Câmara dos Deputados, ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ao Conselho da Justiça Federal (CJF), ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJ-DFT).

Essa aproximação da AGU com os demais Poderes também vem ao encontro da necessidade de se afastar uma equivocada imagem de que a Advocacia-Geral da União é órgão de governo, quando, na verdade, é órgão de Estado. O compromisso da instituição com o gestor existe na medida em que as políticas públicas propostas tenham o respaldo democrático da população e sejam legais e constitucionais.

Nesse passo, o compromisso da instituição com o Estado deve-se pautar, sem dúvida, pela legitimidade das medidas adotadas pelo governante eleito democraticamente e pelo respaldo da população às políticas públicas. Os advogados públicos, no entanto, devem atuar com independência para garantir a legalidade e a constitucionalidade das ações governamentais. Não se pode esquecer que é dever funcional do advogado de Estado zelar precipuamente pelos interesses da sociedade, interesses primários que foram confiados à pessoa jurídica de direito público a que se vinculam.

A consequência imediata e mais importante de a AGU exercer função essencial à Justiça é seu compromisso constitucional com a justiça material, com a igualdade real. A AGU tem o compromisso e o dever de ajudar o Brasil a construir uma sociedade livre, justa e solidária, em que o valor da dignidade da pessoa humana ocupe posição central em relação aos demais valores.

Assim, os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência impõem uma particularidade para a AGU e seus membros, que é o dever de buscar decisões materialmente justas, enquanto representantes judiciais e extrajudiciais do interesse público. Decisão materialmente justa não significa somente aquelas favoráveis à União, mas sim aquelas que preservem conformidade com os valores constitucionais e democráticos.

Portanto, a prestação jurisdicional relativa aos interesses públicos administrados pela União não se concretiza, não se realiza, sem a real e plena participação da Advocacia-Geral da União, pautada pela constitucionalidade e pela legalidade, tendo em vista a justiça em seu sentido material e a dignidade da pessoa humana como seu fim maior.

Nesse sentido, a advocacia pública também é essencial para o cidadão. A AGU garante a execução das políticas públicas em áreas como saúde, educação e desenvolvimento; realiza ações de proteção do meio ambiente e do patrimônio histórico-cultural e de recuperação de verbas públicas desviadas.

Relembro aqui a criação, em 2007, do Departamento de Patrimônio Público e Probidade Administrativa da AGU. O departamento passou a atuar de forma proativa na recuperação de verbas desviadas irregularmente das contas públicas, em razão de atos de improbidade, corrupção e fraude. Com o mesmo espírito, realizou-se, ainda, a unificação da cobrança de multas aplicadas pelos entes da administração indireta da União.

Tive a oportunidade de atuar, durante meu exercício na AGU, na defesa de importantes políticas públicas do Estado Brasileiro, tais como: o Programa Universidade para Todos (Prouni); a política de cotas nas universidades; a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol; a proibição de importação de pneus usados; as pesquisas científicas com células-tronco; o passe livre para idosos e portadores de necessidades especiais e o reconhecimento da união estável homoafetiva, entre outros. Segundo relatório divulgado pela AGU, em 2009, a atuação da instituição, no biênio 2007/2009, resultou uma economia de R$ 476 bilhões para os cofres públicos, a partir de decisões favoráveis à União, tais como a decisão do STF sobre a extinção do crédito-prêmio do IPI.

A AGU tem se destacado, ademais, pelo desenvolvimento, ao longo do tempo, da praxe voltada à resolução consensual de conflitos, mediante a adoção de eficientes técnicas de conciliação e arbitragem. É importante que se diga: decisões consensuais, obtidas por meio do diálogo e da cooperação, assim como a solução célere e efetiva dos conflitos, também são formas de se realizar o interesse público. É necessário privilegiar instrumentos céleres e econômicos de resolução de conflitos sociais, capazes de, a um só tempo, resguardar os direitos dos cidadãos e promover segurança jurídica. Precisamos, definitivamente, transitar da cultura do litígio para a cultura da pacificação.

A Advocacia-Geral da União tem sido exemplo dessa mudança cultural, servindo de modelo para os avanços dos últimos anos na promoção do diálogo, da cooperação institucional e do consenso em todos os níveis. Relembro que, em 2007, foi criada a Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF). O impulso para isso foi um levantamento realizado no qual foram identificados 147 processos no STF e 400 processos no STJ envolvendo disputas entre a União, seus órgãos e autarquias federais. Eram órgãos e entidades integrantes da mesma unidade da federação litigando entre si. Irracionalidade e desperdício de tempo e de dinheiro público. Após o levantamento, foram realizadas 200 câmaras de conciliação para resolver esses litígios, o que gerou uma economia de mais de R$ 2 bilhões.

A Câmara consolidou-se, assim, como instância extrajudicial de solução de controvérsias entre entes públicos. Ela evita a judicialização dos conflitos e, principalmente, assegura maior celeridade e efetividade na concretização de políticas públicas, muitas vezes paralisadas por divergências em âmbito administrativo.

O sucesso desse sistema de conciliação inspirou as normas jurídicas mais recentes acerca do tema. O Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) e a Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015) determinaram que a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios devem criar câmaras de mediação e conciliação, com atribuições relacionadas à solução consensual de conflitos no âmbito administrativo, o que há mais de quinze anos já é uma realidade no âmbito da União com a CCAF. A finalidade dessas normas é exatamente evitar a judicialização de conflitos entre órgãos e entidades da administração pública que podem ser mais bem e rapidamente dirimidos por meio de conciliação ou arbitramento no âmbito das câmaras de conciliação.

Mas é importante pensarmos também no futuro. As instituições essenciais à Justiça e ao Estado Democrático de Direito devem estar preparadas para enfrentar os desafios do século 21, caracterizado por transformações que ocorrem em velocidade acelerada e pelo aumento dos conflitos sociais.

Ao longo de sua história, a AGU tem demonstrado estar preparada para os novos desafios, avançando, a passos largos, na direção do dinamismo, da criatividade e da inovação permanentes. Reúne em seus quadros mais de 12 mil membros, dentre advogados da União, procuradores da Fazenda Nacional, procuradores federais e procuradores do Banco Central, selecionados, nos termos do artigo 131, § 2º, da Constituição Federal, por concurso público e detentores de elevados conhecimentos, não apenas jurídicos, mas também técnicos e sociais, para defender as leis, o erário e os cidadãos.

A cada ano, a AGU tem incrementado sua atuação para atender, de forma dinâmica, as demandas da sociedade brasileira, seja na atuação consultiva, ao garantir a legalidade e a constitucionalidade dos atos de governo, seja na contenciosa, ao defender, na Justiça, os interesses do Executivo, do Legislativo e do Judiciário.

Pode-se afirmar, por essas e outras razões, que a Advocacia-Geral da União defende não apenas o Estado, mas o interesse público e o próprio cidadão brasileiro. É o cidadão a razão de ser desta advocacia pública, que, ao completar 30 anos, se revela madura, independente e capaz de oferecer segurança jurídica aos atos estatais e de garantir eficácia às políticas públicas, atuando em questões de grande relevância social.

Forjada em boas práticas, a AGU é hoje exemplo de instituição democrática e possui os predicados necessários às instituições do futuro, realizando, por meio do diálogo e da cooperação institucional, a justiça social e os direitos e garantias constitucionais das cidadãs e dos cidadãos brasileiros.

Parabéns à AGU e a todos os membros, servidores e colaboradores que fizeram e fazem parte desses 30 anos!

*Dias Toffoli foi advogado-geral da União entre 2007 e 2009

 


[1] O Globo. Advocacia-Geral da União representará União. Rio de Janeiro, 13/04/1988.

[2] VALENTE, Maria Jovita Wolney. Maioridade da Advocacia-Geral da União – Fazer a AGU funcionar representou entregar a "Carta a Garcia". Disponível em: <https://agu.jusbrasil.com.br/noticias/2557211/maioridade-da-advocacia-geral-da-uniao-fazer-a-agu-funcionar-representou-entregar-a-carta-a-garcia>.

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