Opinião

Lei Orgânica da AGU: 30 anos de essencialidade ao Estado de Direito

Autor

  • Grace Mendonça

    é advogada ex-advogada-geral da União (2016-2018) ex-advogada pública federal (2001-2019) membro da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da OAB e mestre em Direito Constitucional.

13 de fevereiro de 2023, 17h17

O Direito e o tempo guardam profunda relação de interatividade, objetivamente perceptível na demarcação do espaço em que o indivíduo pode ou não desencadear o processo judicial, no próprio percurso do processo e no ritmo de atos voltados à efetiva entrega da prestação jurisdicional, na adequação do arcabouço normativo às necessidades sociais inerentes aos naturais avanços civilizatórios, bem como na validação de inovações normativas transformadoras da realidade social.

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Igualmente, o tempo estabelece raízes democráticas progressivamente mais profundas, solidifica valores republicanos e assenta o amadurecimento das instituições de Estado. Nesse contexto, na ocasião em que a Advocacia-Geral da União celebra seus 30 anos, marcados pelo advento de sua Lei Orgânica (Lei Complementar nº 73/1993), o tempo encarregou-se de ratificar o acerto da escolha feita pelo legislador constituinte originário, ao inserir na ordem jurídica nacional uma instituição de Estado responsável pela defesa dos interesses da União.

Os primeiros pilares desta importante Instituição foram criteriosamente posicionados na referida Lei Complementar, a qual teve a virtude de criar base prolífica ao desenvolvimento e cumprimento da missão constitucional conferida aos membros e servidores da entidade. As funções institucionais e a composição da AGU — com o elenco de seus órgãos de direção superior e de execução, bem como de suas respectivas atribuições — permitiram a formação de uma estrutura robusta, capaz de atender às múltiplas demandas do ente central e aos desafios de uma advocacia de Estado colaborativa.

Ao longo de 30 anos de vigência, os eixos estruturantes previstos na referida lei ainda estão preservados, revelando uma instituição de Estado cada vez mais forte, dotada de vigor e de solidez que a tornaram crucial no processo de consolidação do Estado Democrático de Direito. Suas duas vertentes de atuação — advocacia consultiva e advocacia contenciosa — experimentaram notável crescimento nas últimas décadas, com resultados que certificam sua vocação para o exercício de uma advocacia de Estado eficiente.

A atuação contenciosa da Advocacia-Geral da União tem garantido a adequada representação da União perante o Poder Judiciário nas diversas instâncias e no tocante às mais variadas temáticas. Especial destaque fica a cargo do exercício da curadoria da norma pelo advogado-geral da União[1], enquanto autoridade encarregada pelo legislador constituinte de promover a defesa de leis ou atos normativos em sede de controle concentrado de constitucionalidade. Nessa perspectiva, políticas públicas centrais à efetivação de direitos fundamentais encontram na atuação da AGU braço firme e combativo, alcançando, na ponta, toda a pluralidade dos integrantes da sociedade brasileira.

Já no viés consultivo, é notável a evolução institucional atestada por uma advocacia pública altamente especializada, apta a aconselhar os gestores públicos no processo de tomada de decisão nos mais complexos temas, trazendo a tão almejada segurança jurídica. Consultorias jurídicas presentes em cada pasta ministerial e em cada autarquia e fundação pública garantem a formação de políticas públicas mais aderentes às necessidades da população e mais condizentes com a realidade do Estado, sempre com especial reverência à jurisprudência consolidada no âmbito dos Tribunais Superiores.

Aliás, nesse diferenciado âmbito de interlocução, a AGU — alicerçada em sua Lei Orgânica — vem contribuindo de forma singular para a fluidez do sistema de Justiça. Políticas internas de redução de litigiosidade foram estruturadas e aprimoradas ao longo do tempo, expressando o determinante papel de uma advocacia pública responsável, que bem compreende seu espaço de contribuição.

Da criação da Câmara de Mediação e de Conciliação da Administração Pública Federal à liderança de acordos nos mais diversificados assuntos, a Instituição tem deixado sua parcela de colaboração fundada na adoção do diálogo e do entendimento como valores institucionais. O zelo pelos interesses da União também perpassa sua capacidade de abertura de mesas de diálogo com os demais atores do sistema de Justiça e com os jurisdicionados, de modo a entabular soluções pacíficas para os conflitos que enfrenta. Uma Advocacia-Geral da União atenta aos espaços de entendimento com estados e municípios, por exemplo, tem a força de prevenir litígios e de robustecer o federalismo de cooperação, nas balizas da segurança jurídica e da lealdade institucional.

Ainda na perspectiva colaborativa, a AGU pode ostentar a neutralidade necessária à mediação de grandes conflitos instaurados na sociedade, assumindo papel proeminente na estruturação e consolidação de acordos, tal como sucedeu no emblemático "Acordo dos Plano Econômicos" que trouxe às mesas de diálogo poupadores e instituições financeiras a fim de resolver uma dissidência histórica que se estendia por décadas.

O Acordo dos Planos Econômicos representa o maior acordo já homologado pelo Poder Judiciário brasileiro — registrando valor global de adesões em cerca de R$ 1,6 bilhão de reais e alcançando aproximadamente 120 mil pessoas em números atualizados em 2020 pelo Conselho Nacional de Justiça [2]. O trabalho de mediação desenvolvido ensejou, inclusive, o recebimento do destacado Prêmio Innovare no ano de 2018.

O diálogo constitui, portanto, instrumento transformador e construtivo, apto a destravar atritos e viabilizar a solução pacífica de conflitos, razão pela qual a AGU vem fortalecendo continuamente premissas institucionais voltadas a trazer mais segurança aos advogados públicos nesta relevante frente de trabalho, permitindo-lhes, por conseguinte, trilhar vias conciliatórias inovadoras, as quais já atestam considerável crescimento no número de acordos de natureza trabalhista e previdenciária, com a otimização, inclusive, da tramitação de processos fundada em cooperação firmada com o Superior Tribunal de Justiça, cuja efetivação evitou cerca de 620 mil recursos em dois anos [3].

Nesse sentido, o papel desempenhado por ambos os braços da Advocacia-Geral da União, nos moldes previstos na Lei Complementar nº 73, revela a importância e a essencialidade conquistadas por essa Instituição de Estado ao longo do tempo, comprovando a precisão estrutural com a qual trabalhou o legislador constituinte originário ao lhe confiar a defesa dos interesses da União — que em muito, aliás, guardam correspondência com os interesses sociais.

Portanto, na data que marca os 30 anos da vigência da Lei Complementar nº 73, é tempo de celebrar o impacto produzido pela Advocacia-Geral da União ao longo das três décadas de sua até então breve, porém notável, história. O tempo definitivamente tem se revelado forte aliado no processo de amadurecimento institucional e cúmplice da segurança jurídica tão necessária no percurso de consolidação da democracia brasileira. É ele que, certamente, se encarregará de tornar a Advocacia-Geral da União ainda mais longeva, sempre pronta para enfrentar os desafios e a alcançar incontáveis resultados positivos para a sociedade e para o Estado Democrático de Direito.

 


[1] Constituição da República, art. 103, §3º; Lei Complementar n. 73, art. 4º, IV.

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