Opinião

Alienação fiduciária e procedimento extrajudicial para consolidação da propriedade em caso de inadimplemento

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27 de dezembro de 2023, 17h20

Recentemente, mais precisamente no final de outubro deste ano, tivemos mais uma decisão proferida pelos ministros do Supremo Tribunal Federal com grande repercussão nos veículos de imprensa. O motivo deste alvoroço não foi mais uma controvérsia envolvendo o Legislativo e o Judiciário, como se tornou comum.

A decisão responsável por este burburinho foi proferida pelo plenário do STF no Recurso Extraordinário 860.631 e abrangeu a análise da legalidade do procedimento de retomada de imóvel financiado e garantido através da chamada alienação fiduciária em caso de inadimplemento do adquirente, sem a necessidade de que este procedimento se dê sob a batuta do Judiciário.

Antes de entrar em maiores detalhes sobre o caso prático que embasou a decisão do STF, vale esclarecer que a alienação fiduciária é uma forma de financiamento em que o imóvel permanece em nome da instituição financeira que o financia, normalmente um banco comercial, de investimento ou outra instituição aprovada pelo CMN (Conselho Monetário Nacional), ao passo que o devedor, aquele que pretende ter para si o imóvel financiado permanece na posse do bem, a chamada propriedade resolúvel.

Por se tratar de um contrato que tem por base a Lei 9.514/97, por sua vez criada como resposta a um momento de crise habitacional com a falência de modelos até então utilizados para impulsionar o mercado imobiliário, seu principal trunfo era justamente a permanência do imóvel em nome daquele que o financia e a possibilidade de este credor/proprietário adotar medidas extrajudiciais para retomar a posse do bem financiado, caso o pretenso adquirente deixe de honrar com sua obrigação de pagamento.

Obviamente, na hipótese de quitação das obrigações por parte daquele que aderiu ao financiamento, há o encerramento do contrato com a obrigação de transferência definitiva da propriedade da instituição financeira ao adquirente, aquele que o financiou.

No caso de inadimplemento é que está o ponto de análise prática pelo STF. A legislação que regula a alienação fiduciária autorizada a chamada consolidação da propriedade em nome do credor, do agente que financiou a propriedade, que deverá apurar o montante devido, com juros, correção e demais eventuais encargos para quitação do débito.

E a controvérsia analisada pelo STF era justamente sobre a legalidade, ou não, deste procedimento de retomada do imóvel fora da esfera judicial em caso de inadimplemento contratual por parte do adquirente do bem, em especial diante da previsão da Lei 9.514/97 de que o procedimento de retomada poderia seguir extrajudicialmente.

E o que decidiu o STF é que tal procedimento extrajudicial é constitucional e não fere direito de defesa ou a garantia de acesso ao Judiciário.

Em resumo, entenderam os ministros que participaram do julgamento que o procedimento deve seguir o que foi estabelecido na Lei 9.514/97, sendo garantido àquele que financiou o imóvel, a qualquer momento, se socorrer do Judiciário caso venha a verificar qualquer incompatibilidade entre o procedimento extrajudicial e o que prevê a legislação que trata do tema.

O voto vencedor, proferido pelo ministro Luiz Fux ainda destaca que a Lei 9.514/97 observa e respeita disposições constitucionais e normas processuais, além de, em que pese ser procedimento extrajudicial, realizar-se perante o Oficial de Registro de Imóveis que exerce atividade estatal delegada, ou seja, executa atividade ou serviço público em seu próprio nome e risco, mas sujeita-se à fiscalização do Estado.

Para além das considerações sobre a legalidade do procedimento, ainda destaca o ministro Fux a importância de tal medida para impulsionar o mercado imobiliário diante de sua maior celeridade e eficiência, que propicia mais segurança aos investidores em caso de inadimplemento, ao mesmo passo em que garante oportunidades aos devedores de quitação do débito até a data da realização do segundo leilão, como forma de evitar o perdimento do bem.

O posicionamento do STF foi no sentido de que não é o simples fato de o procedimento se desenvolver fora dos tribunais que, por si só, dará ensejo a atos ilegais que desrespeitem a Lei 9.514/97, até mesmo por ser garantido ao devedor valer-se do Poder Judiciário na hipótese de verificação de algum ato ilegal ou abuso.

O trâmite dos atos para a chamada consolidação da propriedade pelo credor e posterior realização do leilão que se dão perante o registro imobiliário não afastam, por si só, o direito constitucional daquele que financiou o imóvel de se socorrer do Judiciário caso verifique a prática de qualquer ilegalidade.

Por outro lado, não se pode permitir que a Lei, que em muito inovou de forma positiva ao trazer procedimento mais célere e seguro, propiciando o desenvolvimento do sistema habitacional com a redução de juros e ampliação das oportunidades de financiamento, seja tida como ilegal pelo simples fato de o procedimento de retomada e alienação do imóvel através de leilão ocorrerem fora do controle direto do Judiciário.

A propósito, cabe esclarecer que recentemente a Lei 9.514/97 sofreu diversas mudanças, o que se deu através da edição da Lei 14.711 de 31 de outubro de 2.023.

Dentre as alterações registradas, pode-se citar o estabelecimento de prazo de 30 dias para a instituição que financiou o imóvel fornecer o termo de quitação quando da liquidação da dívida e a penalidade em caso de desrespeito, o procedimento de intimação do devedor e o prazo para quitação da dívida antes da consolidação da propriedade, o prazo de carência antes da intimação do devedor e o prazo para devolução pelo credor do excedente, do que sobrar, se sobrar, após a alienação do imóvel em leilão.

O procedimento de consolidação da propriedade também deve observar algumas etapas, como, por exemplo, a intimação do devedor sobre o débito, para possível quitação através do Cartório de Registro de Imóveis. E, em não sendo quitado o débito no prazo regulamentar — 30 dias —, deve o imóvel ser levado a leilão.

Por isso, e, em consonância com o entendimento do STF, é importantíssimo aquele que financia sua propriedade através da alienação fiduciária conte sempre com uma assessoria jurídica, até mesmo para eventuais questionamentos perante o Poder Judiciário.

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